Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
22 de Maio de 2006 às 13:59

A língua portuguesa à prova

É preciso reflectir sobre o que devem os alunos aprender e assegurar que caminhamos para uma sociedade baseada numa aprendizagem assente na aquisição consolidada de conhecimentos, no esforço, na consequente valorização do mérito e no encorajamento de um e

  • ...

Embora por razões distintas, dois acontecimentos recentes sujeitam à prova a língua portuguesa. Refiro-me, por um lado, à decisão do Parlamento Europeu de aprovar uma proposta da Comissão Europeia (CE) sobre a criação de um Indicador Europeu de Competência Linguística (IECL) que exclui a língua portuguesa e, por outro, à anunciada intenção governamental de alterar a estrutura dos exames nacionais de Português do 12º ano.

No que respeita ao primeiro, importa dizer que o Parlamento Europeu aprovou, em 27 de Abril último, a proposta da CE – apresentada em Agosto de 2005 e inserida no âmbito de uma iniciativa para a promoção do multilinguismo e a aprendizagem de línguas na União Europeia (UE) – de introduzir um indicador de competências linguísticas, comum a todos os Estados-membros, com vista a medir o conjunto dos conhecimentos de línguas estrangeiras. A ideia é a de que este IECL se promova, «numa primeira fase», apenas nas cinco línguas mais ensinadas na UE: o inglês, o francês, o alemão, o espanhol e o italiano. Ora, considerando quer a dimensão do espaço lusófono, quer a circunstância de ser a terceira língua da UE mundialmente mais falada (e em todos os continentes), a incompreensível exclusão do português do IECL não pode deixar de merecer forte indignação.

E, realçando o verdadeiro abandono a que tem estado sujeita a língua portuguesa, ocorre-me estabelecer um paralelismo entre a «sorte» desta e a «diáspora» actual da língua espanhola.

No pressuposto de que a cultura e a língua são imprescindíveis para criar e consolidar identidades e comunidades a verdade é que em Espanha a língua materna sempre foi muito protegida. E este proteccionismo deu frutos: a língua espanhola vive a maior expansão da sua história. Veja-se a este propósito o Seminário internacional intitulado «El español en los medios de comunicación de los Estados Unidos», que decorreu em Espanha nos dias 4 a 6 de Maio últimos, organizado pela Fundación del Español Urgente. Sob o lema de que «é necessário manter um diálogo entre a cultura europeia e a americana», universitários e escritores de língua espanhola têm participado regularmente em seminários, quer em Espanha, quer nos EUA. Acresce que a afirmação do espanhol como segunda língua nos EUA está ainda a permitir a expansão dos estudos (e cultura) hispânicos nos centros de investigação e nas universidades norte-americanas, esboçando-se agora uma emergente cooperação transatlântica ao nível da literatura e da academia.

Cientes do poder representativo da comunidade imigrante hispânica nos EUA, os espanhóis sentem um poder cultural emergente que se estende à principal potência mundial. Através dos EUA, a língua espanhola tem assumido um papel fundamental quer de unidade entre os hispanos residentes nos EUA quer, e dada a importância que a língua espanhola assume no continente americano, de unidade do idioma no mundo.

Um outro acontecimento recente, e que sujeita igualmente à prova a língua portuguesa, respeita à intenção governamental de alterar a estrutura do exame nacional de Português do 12º ano.
 
De facto, o Ministério da Educação anunciou – no contexto da implementação dos novos programas e de novas estruturas de prova – que estes exames passariam a conter perguntas de escolha múltipla de resposta fechada (em detrimento da resposta aberta). A decisão contempla apenas os exames do 12º ano, mas antes que este modelo possa, num futuro próximo, vir a generalizar-se a outras provas e/ou a outros graus de ensino, será desejável que – para uma eficaz implementação – se acautelem a médio prazo alguns aspectos essenciais. Em particular, convirá perceber se este tipo de prova induzirá, ou não, uma diminuição do nível de expressão na língua materna.

Tradicionalmente, uma das virtudes das provas de português – que permite diferenciar os alunos pela capacidade de compreensão mas também de expressão – tem sido, precisamente, a exigência da resposta aberta. Ora se, mesmo assim, muitos alunos que acedem ao ensino superior têm dificuldades no domínio básico da língua portuguesa, nomeadamente (e já sem falar da ortografia) em expressar por escrito raciocínios e ideias, então importará saber se perante a adopção de modelos de prova que assentam em escolhas múltiplas essas faculdades não diminuirão ainda mais.

Considerando que Portugal está ainda muito aquém da média da OCDE em parâmetros-chave da educação urge corrigir um duplo problema no sistema de ensino português: não só de quantidade (o que implica um árduo combate ao insucesso escolar, garantido a frequência de ensino ao maior número possível de alunos e durante um maior número de anos) mas também de qualidade. Se temos diagnosticado um problema de fracos resultados escolares – que tolhem o desenvolvimento do país – é necessário conseguir uma melhoria, significativa e constante, da qualidade do ensino. Para tanto, é preciso reflectir sobre o que devem os alunos aprender e assegurar que caminhamos para uma sociedade baseada numa aprendizagem assente na aquisição consolidada de conhecimentos, no esforço, na consequente valorização do mérito e no encorajamento de um ensino proactivo. E, naturalmente que esta aprendizagem passa ainda por um domínio consistente das competências linguísticas ao nível da compreensão, mas também da expressão.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio