Opinião
A inutilidade de abordagens sectoriais
Palestina e Líbano conheceram nas últimas semanas e em especial nos últimos dias novas ondas de violência que em nada contribuem para as tentativas de resolução dos múltiplos conflitos. O Médio Oriente em geral, Israel, Palestina e Líbano no particular sã
O Médio Oriente em geral, Israel, Palestina e Líbano no particular são palco de conflitos transversais onde religião e política, ódios antigos, vinganças e influências externas se misturam tornando impossível distinguir conde começa uma e acaba a outra.
O campo de refugiados palestinianos que desde o final da última semana foi palco de batalha entre milícias da Fatah Islam e o Exército libanês nada tem a ver directamente com a Palestina onde o Hamas e a Al Fatah se digladiam em torno de um acordo de governo nunca cumprido ou respeitado. Nahr al-Bared, o campo perto de Tripoli no Norte do Líbano que esteve sob fogo do Exército libanês, foi crido no final da década de 40, no século passado, para alojar palestinianos despojados dos seus bens com a criação de Israel e a sua expansão para Norte. A ligação palestiniana vem apenas através da frustração com os sucessivos fracassos das inúmeras tentativas de entendimentos políticos.
No Líbano, o governo tem de enfrentar uma população maioritariamente xiita que pretende uma palavra importante nas decisões executivas. Israel sente-se logicamente ameaçado por todas estas lutas cruzadas e ele próprio não é alheio às suas causas profundas nem ao fomentar de divisões.
O Hezebollah volta a surgir, tal como o Hamas, não necessariamente como instrumentos da Síria ou do Irão mas sem duvida com o seu apoio. Surgem por entre os desentendimentos múltiplos e cruzados que atingem a região. Os confrontos do Hamas com a Al Fatah sofrem interferências de Israel em apoio da Fatah aparentemente mais permeável ao diálogo mas sem um homem fundamental na obtenção de equilíbrios, mesmo que muitas vezes através de jogadas duplas, triplas, múltiplas – Yasser Arafat.
As teimosias tanto dos radicais israelitas como dos seus apoiantes em Washington fizeram frustrar a iniciativa de Bill Clinton, os Acordos de Oslo, e os subsequentes memorandos de entendimento. Yasser Arafat foi o homem da luta e seria o homem da conciliação, o seu desaparecimento há uns anos em nada contribuiu nem contribuirá para a conciliação.
O Irão e a Síria nada têm a perder com este conflito. Para a Síria estão em causa os Montes Golans e a sua influência no Vale de Bekaa, estratégicos do ponto de vista defensivo mas também ofensivo; para o Irão está em causa o apoio aos xiitas maioritários na zona e um aumento da sua influência, travada em tempos por Damasco e por Bagdade (não foi por acaso que com a queda do Xá, Saddam Hussein assumiu notória popularidade no Ocidente).
Na Turquia, os militares, após os atentados atribuídos aos curdos, ameaçam retaliar e até ocupar parte do Norte do Curdistão iraquiano, atitude pouco atraente para Washington que tem já problemas suficientes entre mãos no resto do território iraquiano. Os EUA não querem ser arrastados para um diferendo entre a Turquia – sua aliada na Guerra Fria e chave no flanco da NATO – e os curdos seus aliados insubstituíveis na queda de Saddam Hussein.
A transversalidade do problema é de tal forma complexa que pode arrastar para o conflito os países produtores de petróleo da região, o que ninguém quer.
Essa mesma transversalidade obriga a novas iniciativas, a novas soluções, à inovação política. Uma inovação que passará, pelo menos em termos académicos, pelo regresso á antiga ideia de uma Conferência "non stop" sobre o Médio Oriente. Uma conferência que permita chegar a acordos deixando para segunda volta os assuntos aparentemente inconciliáveis e abordá-los de novo à luz dos avanços conseguidos. Pequenas vitórias ou avanços num tal processo poderiam criar no terreno o espaço de manobra político nas Chancelarias.
Ao fim de mais de meio século é evidente que a guerra ou a força militar não é uma solução no Médio Oriente. A iniciativa diplomática sectorial também não. Ao que parece a única via que não foi tentada foi a do diálogo multilateral, cansativo, paciente, intemporal, enquanto ainda é possível.
A Al-Qaeda é a única que vai somando vitórias neste impasse.