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A inútil e absurda moção de censura

A moção de censura ao Governo, apresentada por Paulo Portas, apenas favoreceu José Sócrates. As frivolidades do chefe do CDS-PP são extremamente fatigantes. O que poderia ser divertido começou a transformar-se num bocejo. Sócrates...

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A moção de censura ao Governo, apresentada por Paulo Portas, apenas favoreceu José Sócrates. As frivolidades do chefe do CDS-PP são extremamente fatigantes. O que poderia ser divertido começou a transformar-se num bocejo. Sócrates desbaratou-os a todos, num terreno que lhe é propício. O registo atingiu, por vezes, as raias da agressividade. Porém, o estilo tornou-se vulgar. Ainda há dias, Vítor Constâncio, com razão ou sem ela, chamou ignorante a Nuno Melo, durante as cansativas declarações ao Parlamento sobre actividades do Banco de Portugal.

No caso da moção de censura nada de sério, de consistente ou de estimulante. Sócrates está cercado com o resultado das eleições europeias. Mas não está vencido. E parece-me precipitado a júbilo de, por exemplo, a dr.ª Manuela Ferreira Leite, na noite eleitoral. Goste-se ou não do primeiro-ministro, a verdade é que, como a Fénix, ele renasce das cinzas com desenvolta energia. Precisava de um acto desta natureza, para demonstrar a facúndia de um verbo truculento, que lhe deu a fama a o proveito. Paulo Portas, frívolo e leviano, proporcionou-lhe a oportunidade. As intervenções de Sócrates nada acrescentaram ao que de ele se sabe. Mas foram brilhantes e atiraram para a sombra das gratuitidades o que foi dito pelos seus adversários.

Nada de significativo foi comentado acerca das políticas do Governo, que o primeiro-ministro afirmou desejar continuar. Sócrates entrou em aberta hostilidade com a sociedade portuguesa no seu todo. Tem governado contra e, apenas, a favor do grande patronato e dos grandes interesses económicos. Nada disto é novidade, mas convém acentuar a dimensão do descalabro, que conduziu à derrota de 7 de Junho.

Aliás, dificilmente o primeiro-ministro poderia alterar a "linha de rumo." Inflectir à Esquerda? O mal que fez, sob a graciosa capa de "modernizar o País" criou crispações e levou, por exemplo, o eng.º Van Zeller a tecer-lhe os mais ditirâmbicos elogios. A emigração aumentou substancialmente. E não só a emigração pouco qualificada. Estamos, diariamente, a perder "cérebros", e, diariamente, a não saber como os reter. Tudo, em Portugal, constitui um tecido de dificuldades, de afrontas e de confrontos absolutamente desnecessários.

Os leitores que me perdoem a insistência: que ganhou o País com a extinção do subsistema de saúde dos jornalistas, criado em 1947 por Salazar, e apagado do mapa pelo "socialista" Correia de Campos? Nada. Pelo contrário: atirou para o desespero inúmeros profissionais de Imprensa na reforma, viúvas que ficaram desamparadas e velhos redactores de minguados rendimentos.

Foi o único subsistema de saúde que o sr. Correia de Campos liquidou. As razões subjacentes a esta decisão não são tão enigmáticas quanto isso. As tentativas de pressão também aí encontram fojo. Quando interpelado sobre o desaforo, o então ministro da Saúde não encontrou resposta adequada e refugiou-se no seu secretário de Estado.

Este é um exemplo entre os demais. Ao não abordarem as questões que avariam o aparelho social português, os dirigentes do CDS-PP somente fazem ruído. Porque, afinal, eles estão de acordo com as políticas sociais, ou, melhor: anti-sociais de um Governo que não vai mudar de rumo. As eleições de 7 de Junho foram muito claras: Sócrates não vai buscar votos ao "centrão"; precisa, isso sim, da Esquerda para obter uma vitória nas Legislativas, mas a Esquerda já deu a entender o que fará. A subida de votos no PCP e a espectacular ascensão do Bloco a terceiro partido parlamentar, não deixam lugar a muitas dúvidas. Sócrates não soube fazer do tempo o que o tempo generosamente lhe ofereceu.

O recurso à dialéctica, em que é extremamente hábil, como de novo se viu nas respostas à moção de Censura, não chegam para inverter a tendência. A verdade é que a dr.ª Manuela Ferreira Leite não convence ninguém: quem é que a quer para dirigir o País? Apesar dos esforços do Pacheco Pereira para fazer crer noutras ideias, o grande vencedor das eleições foi Paulo Rangel, que a maioria dos barões do PSD desprezava e ridicularizava. Aconteceu que, de súbito, ante o professor de Coimbra, soberbo, magnífico, impante, vitorioso antes de tudo e de todos, um político desconhecido, solitário, com curiosidades literárias e atenções informativas, surgiu um homem um pouco tosco, de passo esquisito e gesto comedido, que reconstruía o retrato vivo do português médio, levemente taciturno, pouca fala e ouvido presto. Paulo Rangel é esse português mediano e genuíno, a quem ninguém presta cuidados, mas que, por vezes, é a reserva de certas esperanças.

Haverá, ainda, lugar para José Sócrates terçar armas por uma batalha que, afinal, é a consequência da anterior? No Parlamento, ele regressou aos sete fôlegos.
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