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25 de Junho de 2012 às 23:30

A Grécia e os limites da anti-austeridade

A austeridade está morta? Na última reunião do G8, em Camp David, o programa de austeridade dirigido aos membros do sul da Europa em dificuldades encontrou uma substancial resistência.

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A austeridade está morta? Na última reunião do G8, em Camp David, o programa de austeridade dirigido aos membros do sul da Europa em dificuldades encontrou uma substancial resistência. A recente eleição presidencial em França, da mesma forma, impulsionou aqueles que defendem que a Europa tem de crescer para resolver o problema do sector público extremamente endividado, em vez de ter como objectivo a imediata ortodoxia orçamental. E não há garantia de que o recém-eleito partido de centro-direita Nova Democracia, na Grécia, que é a favor das condições do resgate ao país, seja capaz de formar um governo de maioria. [N.R]

Pelo contrário, os Estados Unidos têm seguido políticas macroeconómicas expansionistas e orientadas para o crescimento desde a crise financeira de 2007 e 2009, apesar dos enormes défices orçamentais. Até agora, a julgar pela recuperação modesta nos EUA em comparação com a ausência de recuperação na Europa, a política de acomodação norte-americana está a revelar um melhor desempenho do que a austeridade europeia.

Mas a simples escolha entre expansão e austeridade não mostra o quadro na sua totalidade. As políticas macroeconómicas interagem, no terreno, com realidades microeconómicas de maneiras poderosas, embora essas interacções sejam subtis e raramente comentadas. Em suma, a estrutura microeconómica europeia faz com que as políticas macroeconómicas baseadas no crescimento sejam menos eficazes na União Europeia do que nos Estados Unidos.

Aqui está o porquê: a flexibilização macroeconómica, através da descida das taxas de juro ou da injecção de dinheiro na economia, tem como objectivo o aumento da actividade económica. Com a circulação de mais dinheiro, as empresas voltam a contratar e pedem aos actuais funcionários para trabalharem durante mais horas. Os empresários em dúvida para começar, ou não, um negócio decidem seguir em frente e os bancos emprestam-lhes dinheiro para iniciar um novo negócio viável.

Os trabalhadores contratados e as novas empresas gastam dinheiro, o que leva a mais contratações, a mais lançamentos de empresas e ainda a mais consumo. A economia cresce, conseguindo maiores receitas fiscais, o que ajuda os governos a colocarem as suas finanças em ordem. O país emancipa-se dos seus problemas económicos.

Mas a União Europeia não pode estar sob este cenário de um modo tão fácil como os EUA. As regras a nível microeconómico na UE geram fricção que abranda este tipo de expansão.

As mais estritas normas laborais na União Europeia são bem conhecidas e são frequentemente citadas. A rigidez do mercado de trabalho europeu significa que é difícil, em muitos países da UE, reduzir o número de funcionários de uma empresa. Em antecipação a essa dificuldade, as empresas começam por estar reticentes a contratar, até que estejam certas de que a procura a longo prazo para os seus produtos é suficiente para justificar contratações a longo prazo. Daí que, mesmo quando têm acesso a dinheiro e a empréstimos mais facilitados, muitas firmas continuem a rejeitar a contratação de mais funcionários em larga escala, com receio de que tenham de entrar em grandes despesas numa futura crise.

O recente perfil sobre o primeiro-ministro italiano, Mario Monti, no "The Economist", por exemplo, mostra que Itália continua a estar bloqueada por regras laborais que tornam as empresas mais relutantes em expandirem a sua força de trabalho além de 15 trabalhadores (para lá deste número, torna-se mais difícil despedir). Para funcionar sem problemas, as políticas macroeconómicas exigem regras microeconómicas compatíveis.

Há alguma ironia no facto de o maior defensor da austeridade seja o Governo alemão de Angela Merkel, já que a Alemanha, particularmente sobre o seu antecessor no governo social-democrata de Gerhard Schroeder, fez muito mais para liberalizar as regras laborais e empresariais do que qualquer outro governo da União Europeia. A política expansionista e baseada no crescimento poderia funcionar muito melhor na Alemanha do que em muitos dos países da Zona Euro para os quais está a ser prescrita.

As regras que impedem o lançamento de novas empresas podem representar um obstáculo ainda mais importante para que a expansão monetária não se torne efectiva. É simplesmente demasiado difícil lançar muitos géneros de empresas em vários locais e expandir aquelas que já foram iniciadas. As licenças que são necessárias não são sempre facilmente obtidas. A papelada em torno de uma empresa nova é ainda mais pesada do que nos EUA. Na realidade, embora o processo tenha ficado mais facilitado nos últimos anos, na Europa, o Banco Mundial estima que ainda demore o dobro do tempo a iniciar uma pequena empresa na Grécia e em muitos dos países da União Europeia do que nos Estados Unidos – e quatro vezes mais em Espanha.

Apesar de a relativa ausência de mega sucessos empresariais ao estilo do Facebook na Europa ser várias vezes lamentada, as dificuldades em abrir um cabeleireiro, retalhistas de bens básicos e simples empresas de vendas por encomendas podem ter um efeito global igualmente profundo.

Tomemos por análise o licenciamento de táxis. Muitas pessoas podem conduzir um táxi, incluindo muitos que estão desempregados. Mas nem todos conseguem autorização para o fazer em muitas grandes cidades da Europa e dos EUA. Imaginem que grande parte da economia se organizava como a indústria de táxis. A maioria dos estímulos económicos não iriam criar mais táxis até que as restrições à entrada fossem reduzidas.

Magda Biano, Sílvia Giacomelli e Giacomo Rodano, investigadores do Banco de Itália, consideram que estas barreiras institucionais à expansão continuam a ser consideráveis em Itália. Uma fábrica pode até conseguir um acesso mais facilitado a financiamento e pode até assistir a uma maior procura para os seus produtos, mas ao invés de contratar mais trabalhadores, pode decidir aumentar os preços. Um potencial concorrente pode considerar entrar nesse mercado, mas dadas as substanciais barreiras de regulação à entrada, pode acabar por decidir permanecer no seu actual ramo de negócio.

Uma política monetária expansionista integrada neste ambiente pode falhar. Talvez por essa razão, o novo presidente da França, François Hollande, é a favor de usar o governo para alcançar resultados específicos – por exemplo, ao contratar 60 mil novos professores.

Pode-se imaginar um grande plano para a Europa, com políticas macroeconómicas expansionistas combinadas com a flexibilização dos impedimentos microeconómicos. Mas as actuais empresas e os trabalhadores já empregados preferem manter o "status quo", e podem inibir, com a sua poderosa influência, os decisores políticos de actuarem. Pode haver muito disto na política grega e na política de outros países da União Europeia.

N.R: O texto foi escrito um dia antes de anunciada a constituição do novo executivo, formado pelo Nova Democracia, pelo socialista Pasok e pela força Esquerda Democrática.

Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org

Tradução: Diogo Cavaleiro



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