Opinião
Vencer a batalha do "demasiado grande para falir"
As manchetes sobre os riscos dos bancos para o sistema financeiro continuam a dominar o noticiário financeiro. O Bank of America teve um fraco desempenho nos testes de stress da Reserva Federal dos Estados Unidos, e os reguladores criticaram os planos de financiamento do Goldman Sachs e do JPMorgan Chase, levando ambos a reduzirem os seus dividendos e a recompra de acções que tinham planeado. E o forte desenvolvimento do negócio de trading financeiro do Citibank levanta dúvidas sobre se a instituição estará a controlar devidamente o risco.
Estes resultados sugerem que alguns dos maiores bancos continuam em risco. Mas ainda assim, os banqueiros insistem que a tarefa pós-crise de reforço da regulação e criação de um sistema financeiro mais seguro já está quase concluída, com alguns deles citando estudos recentes sobre segurança bancária para apoiar este argumento. Então, qual é o ponto da situação: Os bancos continuam em risco? Ou será que a reforma regulatória pós-crise cumpriu o seu objectivo?
A crise financeira de 2008 destacou duas características perigosas do sistema financeiro actual. Em primeiro lugar, os governos salvam os grandes bancos, em vez de deixá-los entrar em colapso e prejudicar a economia. Em segundo lugar, e pior ainda, ser demasiado grande para falir ajuda os grandes bancos a crescer ainda mais, já que os credores e parceiros comerciais preferem trabalhar com os bancos que têm uma garantia governamental implícita.
Os bancos demasiado grandes para falir gozam de taxas de juro mais baixas do que os seus homólogos mais pequenos, porque os credores sabem que os títulos ou contratos comerciais que esses bancos emitem serão pagos, mesmo que o próprio banco colapse. Antes, durante e logo após a crise financeira de 2007-2008, isto proporcionou uma vantagem equivalente a mais de um terço do valor de mercado dos maiores bancos dos Estados Unidos.
Os resgates dos bancos demasiado grandes para falir são impopulares entre economistas, políticos e contribuintes, que se ressentem dos acordos especiais feitos com os pesos pesados financeiros. A indignação pública deu aos reguladores dos Estados Unidos e de outros países um apoio generalizado depois da crise financeira para elevarem os requisitos de capital e outros requisitos de segurança. E há mais mudanças regulatórias em marcha.
Novos estudos, incluindo alguns importantes do Fundo Monetário Internacional e do Gabinete de Responsabilidade do Governo dos Estados Unidos, demonstram que o impulso de longo prazo concedido a bancos demasiado grandes para falir, como é o caso do Citigroup, JPMorgan Chase e Bank of America está em declínio desde o pico atingido antes da crise. Estas são boas notícias. A má notícia é que os representantes dos bancos norte-americanos citam esses estudos quando dizem, nos meios financeiros e provavelmente aos seus membros favoritos do Congresso, que o fenómeno "demasiado grande para falir" foi contido e que chegou a hora de os reguladores darem um passo atrás.
Esta é uma ideia perigosa, por várias razões. Para começar, a investigação do FMI e estudos similares mostram que a probabilidade de um resgate durante a vida dos títulos já emitidos pelos bancos é agora menor. Mas os estudos não especificam porquê.
Um menor risco de resgate poderia reflectir a percepção de que a regulação já implementada é apropriada e completa. Ou os participantes do mercado de dívida podem esperar que a nova regulação, como os testes de stress, complete o trabalho. Os estudos podem estar a dizer-nos que os investidores acreditam que os reguladores estão a fazer o que é precico e que têm apoio político suficiente para implementar novas medidas de salvaguarda. Ou podem pensar que a economia está forte o suficiente para que os bancos não vão à falência antes de os títulos serem pagos dentro de poucos anos.
A segunda razão pela qual tais estudos não devem dissuadir os reguladores de uma acção contínua é que a investigação se concentra na dívida de longo prazo. Mas Não é para aí que se deve olhar hoje em dia, porque os reguladores estão a posicionar a dívida de longo prazo para assumir o golpe em caso de colapso, enquanto tornam a dívida de curto prazo dos bancos – extremamente rentável e muito mais volátil – mais propensa a ser paga na totalidade. Como resultado, os investidores escolhem os bancos demasiado grandes para falir, em vez de instituições de tamanho médio, como contra-partes para as suas operações de curto prazo, fazendo com que as carteiras de negociação dos grandes bancos – e, consequentemente, os seus lucros – aumentem.
Medir o impulso à dívida de curto prazo não é fácil. Mas o mais provável é que seja bastante grande. O recente esforço dos grandes bancos, liderados pelo Citigroup, para convencer o Congresso norte-americano a revogar uma disposição fundamental da Lei Dodd-Frank de Reforma de Wall Street e Protecção do Consumidor, de 2010, que teria empurrado grande parte das suas operações de curto prazo para filiais distantes (que não são demasiado grandes para falir) reforça essa interpretação. Os bancos sabem que receberão mais negócios se administrarem as suas mesas de negociação a partir da divisão do seu grupo empresarial que tiver mais apoio do governo.
A terceira razão para temer a confiança dos banqueiros de que a tarefa regulatória está completa é que uma vez que eles acreditam nisso, vão agir em conformidade - menos temerosos do fracasso e, portanto, dispostos a assumir mais riscos. Parece que foi isso que aconteceu antes da crise financeira, e não há nenhuma razão comercial ou psicológica para pensar que isso não vai suceder novamente.
Os reguladores não devem ser dissuadidos por lóbis dos bancos ou estudos que não medem nem o impulso de curto prazo oferecido pelo estauto de banco demasiado grande para falir nem que percentagem da percepção de uma maior segurança pode ser atribuída à regulação em vigor e à expectativa de boa regulação adicional. Na ausência de tais estudos, os reguladores devem usar seu próprio julgamento e inteligência. Se "demasiado grande para falir" também significa "demasiado grande para regulamentar", a percepção de maior segurança não vai durar muito tempo.
Mark Roe é professor na Harvard Law School
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
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Tradução: Rita Faria