Opinião
A reconstrução do mercado monetário
No mês passado, na conferência da Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) dedicada ao mercado monetário, os membros lamentaram a persistente fragilidade do mercado. De facto, quase seis anos depois da corrida ao mercado monetário que quase colocou o sistema financeiro dos Estados Unidos – de facto, mundial – de rastos, os riscos mais críticos que desencadearam essa crise não foram ainda controlados.
O núcleo do mercado monetário soluciona a necessidade de uma empresa ou instituição sem fins lucrativos: guardar dinheiro que pode ser acedido praticamente de imediato. Por exemplo, uma universidade tem de colocar de parte uma fatia das propinas pagas pelos alunos para cobrir despesas inesperadas. Mas esse montante é superior a 250 mil dólares, o valor máximo que o Governo garante numa única conta. Procurando mais segurança para o seu dinheiro, a universidade pode virar-se para as obrigações do Tesouro dos Estados Unidos.
O processo é simples. A universidade deposita o dinheiro num banco por um período curto de tempo – frequentemente por apenas um dia – e o banco dá obrigações do Tesouro norte-americano como colateral. Se o banco não devolver o dinheiro no dia seguinte, a universidade pode vender as obrigações, manter o dinheiro que lhe é devido e dar o que sobra ao banco. É quase tão seguro como um depósito bancário garantido pelo Governo.
Se apenas as universidades estivessem envolvidas nestas práticas, o mercado monetário não teria crescido o suficiente para prejudicar a economia tão profundamente em 2008 e 2009. Mas as grandes empresas que aguardam por investir os seus excedentes fazem o mesmo tipo de depósitos com os bancos – milhões de dólares de cada vez – devido à mesma falta de vontade para confiar apenas na promessa dos bancos de salvaguardar qualquer montante superior a 250 mil dólares.
Além disso, os aforradores comuns utilizam o seu dinheiro para comprar acções nos fundos de mercado monetário, tendo obrigações do Tesouro norte-americano como colateral e promessas de pagamento no dia seguinte. E os hedge funds deixam o dinheiro que recebem dos investidores no mercado monetário enquanto aguardam pelo surgimento de investimentos de longo prazo promissores.
Em suma, o mercado monetário não é constituído apenas por algumas instituições a gerirem alguns milhares de milhões de dólares em dinheiro. É um mercado de biliões de dólares. De facto, era um mercado de quatro biliões de dólares mesmo antes da crise financeira, com uma redução para menos de três biliões de dólares durante a crise que perturbou a actividade económica.
Mas a dimensão do mercado monetário não é a única razão para a sua fragilidade. Outro problema é que os bancos não são as únicas instituições que o gerem.
A chave para fazer as transacções do mercado monetário funcionarem é o mutuário ter obrigações do Tesouro que possa oferecer ao "depositante" como colateral. Posto isto, qualquer instituição suficientemente grande que tenha estas obrigações pode imitar o papel de um banco – e muitas instituições não-bancárias fazem-no frequentemente, muitas vezes escondidos dos reguladores. O mercado monetário estende-se bem para além do sistema bancário regulado nos chamados "banco-sombra".
O problema final é que essas instituições não bancárias estão tão pouco capitalizadas que não oferecem apenas obrigações do Tesouro norte-americano sólidas como colateral. Dão também títulos mais fracos como agregados de hipotecas. Estes títulos não são obrigações do Governo norte-americano, não têm qualquer garantia do Governo e não mantêm o seu valor intrínseco numa situação de crise.
Quando surge uma crise e os credores não podem devolver o dinheiro pelo que, os "depositantes" preparam-se para vender os colaterais. Mas enquanto os preços das obrigações do governo norte-americano podem suportar uma venda em grande escala, as obrigações hipotecárias não – especialmente se, como durante a crise financeira recente, o mercado imobiliário enfraquecer. A perspectiva de venda colocou a solvência de muitas instituições financeiras em risco, o que fez com que o Governo dos Estados Unidos tenha resgatado o mercado monetário, o mercado das obrigações hipotecárias e os infames Fannie Mae e Freddie Mac que avalizaram muitos títulos hipotecários.
Há três formas de tornar o mercado monetário mais seguro. A primeira é fazer com que as instituições quase-monetárias sejam mais seguras através de um aumento do seu capital. A segunda é limitar a dimensão total das transacções não reguladas que qualquer instituição pode conduzir.
E a terceira é permitir este tipo de operação apenas mediante a apresentação de colaterais muito sólidos, como obrigações do Tesouro – não títulos garantidos por créditos hipotecários, que podem perder valor rapidamente durante uma crise, o que acaba por exigir um resgate do Governo. O Governo deve decidir que tipo de colaterais vai garantir numa crise, em vez de estar encostado à parede quando os mercados, as instituições e os colaterais que nunca garantiu apoiar estão prestes a entrar em colapso.
Não se pode confiar que as instituições de mercado monetário podem assumir sozinhas estes passos sistémicos orientados para a segurança. As transacções são muito lucrativas nos tempos económicos comuns, e estas instituições sabem que, se surgir outra crise, o Governo vai novamente ser obrigado a apoiar o mercado e as instituições financeiras mais fracas.
Cabe por isso aos políticos reduzir os riscos financeiros que o mercado monetário gera. Mas a manutenção de instituições bancárias sombra, que não têm os estatutos dos bancos tradicionais e não estão sujeitos a regulação bancária, complica os seus esforços.
Uma solução completa deveria focar-se em evitar que todas as instituições dessem garantias débeis como colaterais. Como Ed Morrison, Christopher Sontchi e eu propusemos no final do mês passado, na conferência da Fed, os reguladores norte-americanos devem mudar as regras para proibir que títulos garantidos por hipotecas ou títulos frágeis sejam utilizados extensivamente no mercado monetário, a menos que o Governo decida garanti-los de forma total. O colateral mais débil pode ser usado em outro local – não apenas para guardar dinheiro durante uma noite. Para isso, títulos mais seguros deviam ser exigidos.
Se os políticos norte-americanos adaptarem a sua abordagem, o tom da próxima conferência sobre mercado monetário pode ser muito mais optimista.
Mark Roe é professor na Harvard Law School.
Direitos de autor: Project Syndicate, 2014.
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Tradução: Ana Laranjeiro