Opinião
A dor de viver em Portugal
Para viver, todo o mundo; para morrer, Portugal. A frase é do Padre António Vieira e foi glosada, num poema belíssimo, pelo Ruy Belo
«Para viver, todo o mundo; para morrer, Portugal.» A frase é do Padre António Vieira e foi glosada, num poema belíssimo, pelo Ruy Belo, amigo de cuja decência e grandeza guardo saudades, e recordações inapagáveis de longas conversas. Morreu muito novo, o grande poeta. E morreu desesperado por uma vida violenta, para a qual não estava preparado. Muitos de nós, também o não estavam, mas há pessoas mais frágeis e sensíveis, e o Ruy era uma delas.
Anos depois, não muitos, o Mário Ventura Henriques, jornalista de primeira linha, baseado na frase e no conceito, escreveu, no "Diário Popular", onde éramos redactores, uma reportagem, "Viver é morrer em Portugal." A Censura cortou o texto de alto a baixo. Era uma declaração de paixão pelo País e um grito d'alma de quem apenas queria viver no sossego e na paz. Mário Ventura juntou a palavra à prática. Foi duas vezes preso. Da segunda só foi libertado com o 25 de Abril.
A verdade e a realidade, tomando estas duas noções com todas as precauções devidas, não se associam aos políticos nem aos seus sequazes. Eis porque a frase de Vieira faz todo o sentido. Já sou suficientemente antigo para possuir uma experiência que se cola à carne e à alma. E para poder dizer da pouca confiança que nutro pelos políticos. Dir-me-ão: há excepções. Mas são tão raras e, cedo, tão cercadas, assediadas e vilipendiadas, que desistem. Na nossa História, os exemplos são muitos. Acaso, o maior deles seja Alexandre Herculano, cuja integridade o levou a ausentar-se para Vale de Lobos, Santarém, e dizer a frase célebre: "Isto dá vontade de morrer!"
Bulhão Pato, nas suas "Memórias", conta episódios impressionantes pela emoção e pela lucidez do grande historiador. Pato era visita assídua do autor de "Lendas e Narrativas", primeiro na Ajuda e, depois, em Vale de Lobos, e assistiu ao definhar das esperanças e dos sonhos do homem que ambicionou resgatar Portugal da mesquinhez, da ignorância e da malquerença.
A "desistência" pertence às nossas idiossincrasias. E, a juntar a estas características, o poder da Igreja conservadora, o reaccionarismo das classes dirigentes, e a indiferença pelos destinos da pátria, embora elas se proclamem muito patriotas. Ao que assistimos, depois das exaltações e das utopias e ilusões do 25 de Abril, é à recomposição das velhas chagas retrógradas. Nada mais. Os próprios ataques ao PREC comportam, em si mesmo, o ódio à mudança, a defesa do imobilismo e da irracionalidade.
As decisões deste Governo mais não são do que reflexo desse imobilismo e dessa irracionalidade. O esmagamento da classe trabalhadora, a destruição daqueles a que chamávamos os «remediados», e a ameaça real à média burguesia, são sintomas dessa regressão. E como a média burguesia começa a sentir-se atemorizada, já se manifestam sinais de surpreendente indignação. Como as ilustradas pelas declarações de Francisco Van Zeller, antigo presidente da CIP, que incitou as pessoas a protestar na rua.
Estamos numa encruzilhada dramática. E ninguém sabe como sair dela. Para aonde ir? Os caminhos indicados por Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, dois desabusados ineptos, empurram-nos para o abismo. E Portugal é um dos elos mais fracos desta corrente de transmissões. A estratégia deste Governo não se baseia na luta contra a corrente. Foi penoso ver os sorrisos de Pedro Passos Coelho distribuídos pela senhora Merkel, quando o primeiro-ministro português fez o périplo da subserviência moral e deixou-nos completamente estarrecidos.
Gente advertida está cansada de dizer que há outras soluções para o problema. Mas as soluções passam, naturalmente, por questionar o sistema e combater os princípios de uma economia que feriu de morte a política europeia e mundial. Por outro lado, quem manda na Europa não é apenas a Alemã nha e a França, o que já seria pesadíssimo, mas, também, o Partido Popular Europeu, tendencialmente de Direita e de Extrema-Direita. A troika que por aí está, rigorosa e exactamente a governar Portugal, mais não é do que porta-voz desses interesses acumulados. E Passos Coelho, muito contente, diz e repete que foi muito mais além nas decisões tomadas. O dr. Cavaco concorda com estas políticas desastrosas e nem um sinal de dissência ou de divergência aparece nas notas absurdas e mal escritas que, de Belém, através da net, ele envia para o mundo.
Na verdade, entrámos no universo do delírio. Um Governo bom é aquele cuja mão não se sente; ora, valha a verdade, a mão deste Governo tem uma carga insuportável, e o seu trajecto está longe de se atenuar. Os Executivos têm-se sucedido, uns após outros, e a nossa vida torna-se cada vez mais difícil. Desta vez, porém, as dificuldades são insustentáveis. Chegámos a esta situação sem que dela fôssemos responsáveis. Não tivemos Governos à altura dos nossos talentos nem dos nossos permanentes sacrifícios. Pedem-nos tudo e nada nos dão.
É de mais!
b.bastos@netcabo.pt
Anos depois, não muitos, o Mário Ventura Henriques, jornalista de primeira linha, baseado na frase e no conceito, escreveu, no "Diário Popular", onde éramos redactores, uma reportagem, "Viver é morrer em Portugal." A Censura cortou o texto de alto a baixo. Era uma declaração de paixão pelo País e um grito d'alma de quem apenas queria viver no sossego e na paz. Mário Ventura juntou a palavra à prática. Foi duas vezes preso. Da segunda só foi libertado com o 25 de Abril.
Bulhão Pato, nas suas "Memórias", conta episódios impressionantes pela emoção e pela lucidez do grande historiador. Pato era visita assídua do autor de "Lendas e Narrativas", primeiro na Ajuda e, depois, em Vale de Lobos, e assistiu ao definhar das esperanças e dos sonhos do homem que ambicionou resgatar Portugal da mesquinhez, da ignorância e da malquerença.
A "desistência" pertence às nossas idiossincrasias. E, a juntar a estas características, o poder da Igreja conservadora, o reaccionarismo das classes dirigentes, e a indiferença pelos destinos da pátria, embora elas se proclamem muito patriotas. Ao que assistimos, depois das exaltações e das utopias e ilusões do 25 de Abril, é à recomposição das velhas chagas retrógradas. Nada mais. Os próprios ataques ao PREC comportam, em si mesmo, o ódio à mudança, a defesa do imobilismo e da irracionalidade.
As decisões deste Governo mais não são do que reflexo desse imobilismo e dessa irracionalidade. O esmagamento da classe trabalhadora, a destruição daqueles a que chamávamos os «remediados», e a ameaça real à média burguesia, são sintomas dessa regressão. E como a média burguesia começa a sentir-se atemorizada, já se manifestam sinais de surpreendente indignação. Como as ilustradas pelas declarações de Francisco Van Zeller, antigo presidente da CIP, que incitou as pessoas a protestar na rua.
Estamos numa encruzilhada dramática. E ninguém sabe como sair dela. Para aonde ir? Os caminhos indicados por Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, dois desabusados ineptos, empurram-nos para o abismo. E Portugal é um dos elos mais fracos desta corrente de transmissões. A estratégia deste Governo não se baseia na luta contra a corrente. Foi penoso ver os sorrisos de Pedro Passos Coelho distribuídos pela senhora Merkel, quando o primeiro-ministro português fez o périplo da subserviência moral e deixou-nos completamente estarrecidos.
Gente advertida está cansada de dizer que há outras soluções para o problema. Mas as soluções passam, naturalmente, por questionar o sistema e combater os princípios de uma economia que feriu de morte a política europeia e mundial. Por outro lado, quem manda na Europa não é apenas a Alemã nha e a França, o que já seria pesadíssimo, mas, também, o Partido Popular Europeu, tendencialmente de Direita e de Extrema-Direita. A troika que por aí está, rigorosa e exactamente a governar Portugal, mais não é do que porta-voz desses interesses acumulados. E Passos Coelho, muito contente, diz e repete que foi muito mais além nas decisões tomadas. O dr. Cavaco concorda com estas políticas desastrosas e nem um sinal de dissência ou de divergência aparece nas notas absurdas e mal escritas que, de Belém, através da net, ele envia para o mundo.
Na verdade, entrámos no universo do delírio. Um Governo bom é aquele cuja mão não se sente; ora, valha a verdade, a mão deste Governo tem uma carga insuportável, e o seu trajecto está longe de se atenuar. Os Executivos têm-se sucedido, uns após outros, e a nossa vida torna-se cada vez mais difícil. Desta vez, porém, as dificuldades são insustentáveis. Chegámos a esta situação sem que dela fôssemos responsáveis. Não tivemos Governos à altura dos nossos talentos nem dos nossos permanentes sacrifícios. Pedem-nos tudo e nada nos dão.
É de mais!
b.bastos@netcabo.pt
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