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[432.] Hope

Autorizando os anúncios da marca de roupa interior Hope com Gisele Bündchen

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Autorizando os anúncios da marca de roupa interior Hope com Gisele Bündchen, o Conselho de Auto-Regulação Publicitária do Brasil (CONAR) não só defendeu a liberdade de expressão na publicidade como reiterou a aceitação da sensualidade feminina como forma de expressão que pode ser alheia ao machismo e a visões negativas.

Nos anúncios, a modelo aparece uma primeira vez, vestida, num fundo branco que realça a sua presença, e fala para a câmara como se para o namorado ou marido. Diz-lhe alguma coisa que se sabe de antemão desagradável para o companheiro (estourou o cartão de crédito, espatifou o carro, trouxe a mãe dela para viver com eles). Ao dizer a frase, aparece a seu lado a palavra "errado" com um visto. Bündchen reaparece dizendo o mesmo, mas desta vez em roupa interior, e a seu lado surge o visto na palavra "certo". O anúncio é apresentado como uma "lição" dada pela marca à mulher brasileira: "Hope ensina". No final, a voz-off masculina regressa para dizer a conclusão da "aula": "Você é brasileira. Use o seu charme".

O governo brasileiro decidiu interromper a passagem da campanha por espelhar estereótipos negativos da mulher. Encarregado de decidir, o CONAR considerou que esses estereótipos são comuns na sociedade brasileira, pelo que não "desmerecem a condição feminina". À conta da "polémica", milhões em todo o mundo puderam também ver a beleza de Bündchen nos anúncios.

As diferentes e legítimas apreciações dos anúncios incluem quer a do governo brasileiro, quer a da CONAR, que parece vingar na sociedade. As notícias sobre o caso em diversas televisões incluíam "vox populi" em que homens e mulheres brasileiros não viam ofensa nos anúncios. Uma mulher disse para uma TV que as mulheres devem usar os meios à sua disposição para obterem daí benefício. Isto é, a sensualidade seria uma forma de poder. Deste ponto de vista, a mulher que der a má notícia ao companheiro toda vestida é burra; se o fizer em roupa interior é esperta. A narrativa dos reclames pressupõe que a opção "certa" dá à mulher o poder sobre o homem e que este terá de pôr nos pratos da balança a má notícia e a beleza disponibilizada, pelo menos ao olhar.

Esta concepção de um poder feminino no controle da sua sensualidade é velho de milénios, mas esbarrou com uma justa oposição quando o feminismo se tornou uma forma de expressão e de luta, a partir do século XIX, mas em força no século passado. Tratava-se de um poder diminuto, amiúde associado a formas de exploração da mulher pelo homem, excluindo outros poderes e diferenciando-a em vez de a igualizar ao homem.

O acesso da mulher, mesmo que ainda limitado, ao topo da sociedade, incluindo no Brasil, possibilita o regresso de exibição da sensualidade feminina como forma de conquistar o homem, de poder, exercido individualmente, podendo surgir nesta campanha como uma "lição" dada à mulher brasileira, "bonita por natureza", para usar o charme como meio para obter o desejado.

Naturalmente, a visão negativa dos anúncios resulta de que Bündchen é uma mulher com um corpo único entre muitos milhões de mulheres, sugerindo expectativas que não se realizariam com essas outras; além de que há muitas que não querem usar a sensualidade daquela forma; e, sendo a "professoral" voz-off masculina, é o homem que dá a lição à mulher. Deste modo, as visões a respeito da ideologia dos anúncios são inconciliáveis. Cabe aos espectadores escolher. E isso só é possível com a liberdade de expressão aplicada à publicidade.



eduardocintratorres@gmail.com
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