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[376.] Fula

A campanha alegre do óleo Fula pressupõe a concorrência, não mencionada, de produtos alternativos, como o azeite, ou formas de cozinhar que prescindam da fritura.

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Isso não está nos anúncios, mas intui-se na radicalização da relação proposta entre o observador e o óleo e na centragem da campanha numa característica negativa associada ao produto.

O que vemos no anúncio televisivo? Meia de dúzia de pessoas vão passando pelo ecrã, uma a seguir à outra, fazendo caretas e agitando a mão à frente do nariz para evitar a inalação de mau cheiro. Pelo menos duas das caras terão recebido tratamento digital na pós-produção para ficarem mais caricatas. O fundo é cor de sol e de óleo de fritar. Cada pessoa aparece em grande plano, de frente para o espectador.

A mensagem do mau cheiro é, para um óleo de fritar, de uma assinalável brutalidade masoquista, pois é ele mesmo identificado como produtor de cheiro desagradável, mas a proposta única de venda do "novo Fula" contraria o honesto masoquismo: a redução do cheiro a fritos. É essa proposta que permite a alegria do anúncio: o Fula propõe-se evitar as caretas resultantes do cheiro a óleo com uns fritos espectaculares.

A alegria é acentuada por um extracto do dueto de Papageno e Papagena, da ópera A Flauta Mágica, de Mozart. O dueto entre as duas aves imaginárias é usada fora do contexto, mas a qualidade do momento de divertimento musical resulta sempre bem, como acontece nas cinquenta mil utilizações pela publicidade de diversos extractos dos concertos As Quatro Estações, de Vivaldi.

Todavia, assinale-se a falta de imaginação dos publicitários no uso do dueto da Flauta Mágica, dado que a SIC Notícias tem usado o mesmo excerto em autopromoções repetidamente repetidas, com o mesmo exacto dispositivo visual (planos frontais de pessoas) e o mesmo objectivo: criar um divertimento, nesse caso com figuras conhecidas da política e do jornalismo.

O plano frontal dos anúncios, incluindo o de Fula, recupera exactamente o sentido da música de Mozart, pois coloca frente a frente, de cada lado do ecrã, duas pessoas, um actor no anúncio e o espectador em casa. No dueto da Flauta Mágica, Papageno e Papagena também são quase sempre apresentados frente a frente e muito próximos entre si, pois se trata do reconhecimento e do nascimento do amor entre eles. No anúncio, propõe-se um novo amor entre observador e o óleo.

O reclame de Fula precisava de resolver um tema não implicado até quase ao final: o da utilidade do óleo. Só mereceria a pena enfrentar o cheiro remanescente - dado que o anúncio não promete a sua eliminação, apenas a redução - se o óleo servisse para alguma coisa de bom. Isso resolve-se de duas formas. Primeiro, vê-se uma explosão de batatas fritas que substitui uma mulher à beira de rebentar, e deixa ver uma garrafa do óleo no lugar dela. O fundo monocromático do estúdio, as batatas fritas e a garrafa partilham o mesmo exacto tom de amarelo. Depois, a contradição cheiro versus comida apetitosa resolve-se na frase de fecho do anúncio: "Para quem ama os fritos, mas odeia o cheiro".

Esta afirmação é verdadeiramente radical: utiliza verbos tão fortes como amar e odiar em referência a um auxiliar de cozinha como o óleo e aos cozinhados que dele resultam; e usa o verbo odiar, raríssimo em publicidade, para tratar de um efeito que ainda subsiste quando se usa o próprio óleo anunciado, pois, como vimos, o novo Fula, reduz, mas não promete eliminar o cheiro.

Com uma ajuda sem preço de Mozart, a campanha procura ultrapassar o melhor possível as dificuldades inerentes ao produto resultante da mudança de hábitos sociais e alimentares.

et@netcabo.pt




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