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[299.] Seat Leon Línea R.

Um anúncio pode parecer simples, como este do Seat Leon Línea R. Mas analisá-lo dá carga de trabalhos. O aspecto mais atractivo do reclame é a citação intertextual do já famoso trabalho gráfico de Shepard Fairey representando Barack Obama. O piloto WTCC Tiago Monteiro surge na parte superior do anúncio com as mesmas cores e a mesma mancha gráfica da pintura de Fairey.

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Um anúncio pode parecer simples, como este do Seat Leon Línea R. Mas analisá-lo dá carga de trabalhos. O aspecto mais atractivo do reclame é a citação intertextual do já famoso trabalho gráfico de Shepard Fairey representando Barack Obama. O piloto WTCC Tiago Monteiro surge na parte superior do anúncio com as mesmas cores e a mesma mancha gráfica da pintura de Fairey.

As manchas coloridas seguem à risca o original: branco e azul claro nas partes iluminadas, vermelho e azul muito escuro nas partes sombreadas. Só o fundo do lado sombreado mudou de encarnado para azul escuro no anúncio, pois não só não era preciso sugerir a bandeira americana, como no caso de Obama, mas os publicitários precisavam de reservar o vermelho da paixão para a faixa separadora das duas partes do anúncio, para o carro e para o rasto de “autoemoción” que ele deixa atrás de si.

As fotos escolhidas para trabalhar o grafismo também se assemelham na posição subjectiva do observador: parece que estamos um pouco abaixo dos retratados, o que os engrandece. Em ambos trabalharam-se os olhos para atribuir aos retratados um olhar profundo, para além do horizonte.

Mas há uma distinção importante: enquanto Obama está orientado da esquerda para a direita, Monteiro aparece da direita para esquerda. No caso do então candidato presidencial, o efeito é simples. Fazemos a leitura das imagens da esquerda para a direita, pelo que Obama aparece a olhar para o que está para vir, para os quatro anos seguintes. Estará então o piloto português olhando para o passado?

Vejamos o anúncio invertido. Parece desequilibrado, a aparência mudou. Trata-se de um efeito estudado pelos historiadores da arte: a distribuição desigual de peso dos elementos na esquerda e na direita do campo visual. Por isso, ao inverter-se o anúncio parece que o carro e Monteiro estão mais pesados, a “cair” para a direita, enquanto no anúncio correcto tal não sucede. Naturalmente, se tivessem preferido virar os elementos para a direita, os publicitários teriam reequilibrado o anúncio, ajustando a posição dos elementos na composição. Mas porque viraram o anúncio para a esquerda? A explicação pode estar no efeito psicológico da imagem consoante ela está da esquerda para a direita ou vice-versa.

Na minha opinião subjectiva, se Monteiro e o carro estivessem virados para a direita apontariam, como Obama, para o futuro, mas esse não era o objectivo dos publicitários. No anúncio o que interessa é o agora. O texto coloca as acções no presente: “Seat Leon Línea R. Todos podem admirá-lo. Mas só 130 conduzi-lo.” Mais à frente: “também tu podes ter um dos 130 (…) visita um Concessionário e garante que és um dos eleitos”. E ao lado: “Vem testá-lo”. O anúncio pretende colocar o observador dentro do carro. A orientação do carro e do piloto na composição garantiram esse efeito psicológico: ao contactar com o anúncio, o nosso olhar entra para o carro, ele vem em nossa direcção. No caso da imagem invertida, Monteiro olharia para o futuro, mas o carro estaria saindo da imagem — saindo da vida do observador. Além disso, como está, a porta que se abre ao observador é a do condutor. No inverso seria a do pendura.

Este anúncio também serve para se analisar a relação entre a imagem e o texto. A paródia visual do “presidente” Tiago Monteiro resulta do slogan: “Só para eleitos.” Eis o efeito das palavras: o piloto é um eleito, como Obama; não é só na política que poucos são os eleitos (o que remete para uma citação profunda do Evangelho segundo S. Mateus, 22:14: “muitos são chamados, mas poucos escolhidos”); este carro é para poucos (por stock limitado, o que não é dito); o observador pode ser um dos eleitos, como Obama ou Monteiro. Que, no caso do anúncio, o “eleito” tenha de comprar o carro para o ser, é um pormenor, bem próprio da retórica publicitária. Qualquer eleição tem custos, não é?






























































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