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[278.] Louis Vuitton

A campanha publicitária mundial de Louis Vuitton distingue-se pela beleza formal e pela entrega total da mensagem às imagens: os anúncios não precisariam de nada para além das fotos. A autora das fotografias é Annie Leibovitz, desde há décadas uma das mais conceituadas fotógrafas do mundo.

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A sua assinatura não está inscrita nos anúncios, mas a marca não deixa que essa informação nos escape: há notícias sobre este seu trabalho na imprensa e em blogues; no youtube estão vídeos da feitura de pelo menos três dos anúncios.

As fotografias de Leibovitz são altamente preparadas, como se pode ver nos “making of”: há uma equipa extensa que apoia a fotógrafa, incluindo o operador de câmara, que produz o vídeo. Trata-se de um trabalho artístico que se enquadra numa indústria cultural, como a televisão ou o cinema.

Apesar de toda a preparação, o resultado final das fotos de Leibovitz consegue uma união surpreendente entre o ser artificial e o parecer espontâneo e verdadeiro. Ora isso é o que arte é quase sempre: artificialmente natural, a realidade dos seus materiais prende-nos. Isso não tem que ver com o naturalismo, mas no caso de Leibovitz também tem: a publicidade é, como quase toda a fotografia, realista. Mas Leibovitz consegue criar um artificialismo ténue e subtil de sonho, próprio do realismo lírico das indústrias culturais da América, seja o cinema, a música ou a literatura.

A campanha centra-se até agora em protagonistas do mundo das celebridades mundiais, da política, do desporto, das indústrias culturais (cinema e música): Mikhail Gorbachov, Keith Richards, dos Rolling Stones, os realizadores Francis e Sofia Coppola, os tenistas Andre Agassi e Steffi Graff e os actores Catherine Deneuve e Sean Connery.

Todas as imagens são de grande rigor formal, que as torna como pinturas: resultam dum grande apuro na escolha do enquadramento e da composição. Eis porque no final do vídeo, quando Leibovitz lhe mostra o resultado da sessão fotográfica, Keith Richards comenta “very rembrandtish”. São, além disso, muito evocativas, num caso até artificialmente em demasia (Deneuve numa estação de comboios oitocentista). Gorbachov olha (imaginamos nós) para os perigos do mundo da janela do carro que o leva no frenesim da viagem incessante; o mesmo para os toques de Richards na guitarra, só num quarto de hotel, como se em tournée; pai e filha Coppola fazem uma refeição de criatividade ao pôr do Sol num campo no meio do nada; o casal Agassi, terminadas as carreiras, abraça-se com ternura em casa; Connery está numa praia de paraíso, evocando-se a si mesmo nalgum filme do agente 007.

A todos une-os a fama, o dinheiro, a celebridade mundial merecida resultante duma carreira real de vitórias e derrotas, mas consagrada, feita de trabalho, de qualidade; a todos une-os o saco ou a mala Louis Vuitton, algures num canto da imagem, acessórios de ricos que as fotos pretendem dizer não serem para exibir mas para se “estar” Louis Vuitton, para se “ser” Louis Vuitton. A todos une-os terem sido escolhidos para esta campanha de uma marca de preços surreais e retratados pela fotógrafa que é justamente a número um de quantos registam as celebridades maiores do mundo das indústrias culturais. A campanha simboliza um círculo fechado em que poucos entram: alguns dos melhores do mundo, fotografados por um dos melhores fotógrafos do mundo, para uma das marcas mais caras e desejadas do mundo. Nós, os outros, que não queremos ou não podemos entrar neste pequeno grande cosmos, podemos usufruir da beleza dos anúncios e sonhar com o lirismo e a evocação que deles se soltam.

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