Opinião
Estamos no princípio do fim do ciclo Costa
As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre o fim do ciclo de António Costa, do coronavírus, do referendo à eutanásia e da subida do Chega nas sondagens, entre outros temas.
CORONAVÍRUS
- Um problema político sério para a China. Em dois planos: primeiro, afecta a imagem da China em termos internos e internacionais; depois afecta o regime político chinês. O regime está acossado:
- Vê-se no afastamento de dirigentes nas zonas mais afectadas pela situação;
- Vê-se no endurecimento de posições por parte do governo chinês – os críticos ou são silenciados ou ficam desaparecidos;
- Vê-se nos desabafos do Presidente chinês. Xi Jinping admitiu esta semana falhas e deficiências na prevenção e gestão de catástrofes como estas.
- Esta situação é delicada e vai deixar sequelas políticas sérias na China!
- Um problema económico para a China e para o mundo – A agência Standard & Poors veio esta semana prever que a economia chinesa não crescerá este ano mais do que 5% (no ano anterior cresceu cerca de 6%) e que o PIB mundial terá uma perda de 0,3 pontos. Porquê?
- Porque as exportações chinesas são afectadas (a China é o maior exportador mundial);
- Porque as importações chinesas são atingidas (as importações da China já têm um peso de 10% nas importações mundiais);
- Porque o turismo e o consumo privado são restringidos.
- Em Portugal há a destacar:
- Trabalho notável da DGSaúde e do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge;
- Sentido de responsabilidade dos portugueses que, regressados da China, por iniciativa própria aceitaram ficar em quarentena;
- Necessidade de rever a Constituição para permitir o internamento obrigatório em casos excepcionais de saúde pública (há matérias que não devem ficar apenas no quadro de decisão do cidadão).
REFERENDO À EUTANÁSIA FAZ SENTIDO?
- Nesta questão do referendo há um certo oportunismo: alguns defendem-no agora porque convém; outros recusam-no porque receiam o resultado. Eu defendi-o desde sempre. Defendi-o desde 7 de Fevereiro de 2016, há 4 anos, quando ainda nem sequer havia projectos de lei sobre a eutanásia. E voltei a defendê-lo em 2018, apesar da votação na AR ter chumbado os projectos.
- Mantenho a minha posição de principio. Não por considerar que a AR não tem legitimidade – claro que tem; não que não tenha havido debate – claro que houve, embora possa ser insuficiente. Mas por 3 outras razões:
- Primeiro: Estamos numa democracia representativa. Numa democracia representativa, os deputados representam o povo. Não se representam a si próprios. Para representarem o povo, precisam de um mandato de representação. E para terem um mandato de representação é preciso que os temas desse mandato estejam nos programas eleitorais. Ora, no caso da eutanásia, o tema estava nos programas do Bloco, do PAN ou do IL. Mas não estava nos programas do PS e PSD. Logo, os deputados do PS e do PSD não têm autoridade para decidir. Não têm mandato. Isto não é uma "chinesice" ou um formalismo. São as regras. É a substância da política.
- Segundo: a eutanásia, tal como o aborto, é muito mais um tema de consciência de cada cidadão que um tema político. Ora as questões de consciência devem ser decididas através de consulta popular e não através do Parlamento. Porquê? Porque quando se fala de decidir em função da consciência de cada um, fala-se da consciência de cada português e não apenas de cada deputado. Os cidadãos delegam orientações políticas nos deputados. Não delegam a sua consciência.
- Terceiro: esta é uma matéria muito sensível, que divide profundamente a sociedade portuguesa. Neste sentido, é um erro enorme ser uma maioria ocasional de deputados a decidir.
- Primeiro, porque uma maioria ocasional pode ser revogada por outra maioria ocasional. Com um referendo é muito mais difícil. A decisão é mais estável.
- Depois, porque uma decisão tomada por uma maioria ocasional vai deixar fracturas enormes na sociedade. Com um referendo será diferente. A sua legitimidade é maior e mais abrangente.
- E o PR? Sabe-se da sua oposição pessoal à eutanásia. Mas não se sabe o que fará. A verdade é que o PR não tem grande espaço de manobra:
- Pode querer o referendo. Mas só o pode convocar se lhe chegar a Belém uma proposta do Governo ou da AR. Algo muito difícil.
- Pode fazer um veto político à lei. Mas esse veto não tem qualquer efeito prático. A lei volta à AR e será imediatamente confirmada.
- Pode enviar ao TC. Se não o fizer, outros o farão. Falta é conhecer depois a decisão do Tribunal. Essa é a maior dúvida deste processo!!
A SONDAGEM SIC/EXPRESSO
- Primeira novidade – A subida do Chega. Ela é consequência de três realidades:
- A excepcional mediatização que o Chega teve neste início de mandato;
- A crise no PSD e no CDS que deixa um espaço maior para um partido de direita radical poder crescer;
- A tendência europeia de crescimento do populismo. Também ela chegou a Portugal.
- Segunda novidade – A descida do PS. Ela é fruto de três outras situações:
- Primeiro, o erro cometido pelo PM de não ter feito um Governo novo. Manteve as mesmas caras gastas e estafadas. Foi um erro. E quando, um dia, fizer uma remodelação profunda, já vai ser tarde de mais.
- Depois, o erro de um Governo que não tem causas. Está esgotado. Já não tinha grandes causas na parte final do Governo anterior. Continua a não ter. Faz gestão corrente e navegação à vista.
- Finalmente, os ciclos políticos são cada vez mais curtos. O ciclo político de António Costa teve quatro anos de escala ascendente. Atingiu o pico. Agora já está em escala descendente. Estamos no princípio do fim do ciclo António Costa.
- Visita ao futuro – O futuro vai ser ainda mais desgastante:
- Saída de Mário Centeno – Vai ser um rombo brutal na credibilidade e eficácia do Governo;
- Orçamento para 2021 – Vai ser uma nova dor de cabeça para o Governo;
- Presidência da UE – Vai dar prestígio lá fora mas vai reforçar o desgaste cá dentro, porque leva o Governo a descolar da realidade;
- Eleições autárquicas – Vai ser outro momento de desgaste para o PS, porque o natural é baixar de votação em relação ao passado.
- Sucessão de António Costa no PS- Quando se der vai ser um processo cheio de desgaste.
Com tudo isto não me surpreende que o PSD vá ganhar as próximas eleições se elas forem em 2023. É um cenário muito provável. Nessa altura já não haverá António Costa à frente do PS e o desgaste do Governo será enorme.
PSD/CDS FAZEM COLIGAÇÃO?
- Os líderes do PSD e do CDS reuniram-se formalmente esta semana. Este passo significará o princípio de novas coligações no futuro?
- Em matéria de eleições legislativas, não me parece. O mais provável é que ambos os partidos queiram ir separados às eleições, deixando qualquer entendimento para o pós-eleições.
- Em matéria de eleições autárquicas, sim. É do interesse de ambos multiplicarem o número de coligações nas autarquias.
- Sem o apoio do CDS, o PSD tem dificuldade em "segurar" várias Câmaras a que hoje preside e mais dificuldade em ganhar novos Municípios.
- Sem o apoio do PSD, a posição do CDS no plano autárquico que já hoje é diminuta ficará ainda mais enfraquecida.
- O caso destas autárquicas para o PSD e CDS é Lisboa.
- Ganhar o Porto é praticamente impossível com a recandidatura de Rui Moreira. O Presidente da CM do Porto está numa posição muito segura. E a verdade é que esta recandidatura é praticamente inevitável.
- Lisboa é, pois, a grande oportunidade. Fernando Medina é derrotável. Recorde-se que perdeu a maioria absoluta nas últimas eleições, apesar das condições excepcionais que teve. E em 2021 pode mesmo perder as eleições. Desde que:
- Haja uma ampla coligação, liderada pelo PSD;
- Haja um candidato mobilizador. E o PSD tem várias figuras para esse desafio.
ECONOMIA A CRESCER
- Uma boa notícia. Segundo o INE, o PIB português cresceu 2% em 2019. Isto significa que crescemos mais do que a média europeia e mais do que a própria previsão do Governo (1,9%).
Mesmo assim, convém não embandeirar em arco. Primeiro, crescemos acima da média europeia porque a média europeia é baixa, fruto dos maus crescimentos dos grandes países, a começar pela Alemanha. Segundo, continuamos a crescer menos que os países de leste, os países que são do nosso campeonato.
- Uma má notícia. As previsões de crescimento feitas pela Comissão Europeia. Se analisarmos estas previsões, em articulação com um notável ensaio do Prof. Abel Mateus (no jornal Observador), chegamos a conclusões preocupantes:
- Em 2000, início do século, em termos de PIB per capita, Portugal estava em 16º lugar no quadro dos países da UE.
- Estamos neste momento na 21ª posição. Baixámos 5 posições.
- Dentro de poucos anos, vamos voltar a baixar de divisão. Vamos ser ultrapassados pela Polónia e pela Hungria.
- Lá para 2025 passaremos a estar entre os 5 países mais pobres da UE e a ter apenas um país – a Bulgária – claramente atrás de nós.