Opinião
Implementar estratégia é o que faz a diferença
Depois de tantas crises financeiras e de décadas de crise económica com um crescimento anémico da produtividade, tal arquitetura, a funcionar, seria a verdadeira bazuca para transformar Portugal para os portugueses. A ver se é desta…
A consequência menos expectável da pandemia é que o país começa, finalmente, a querer implementar uma estratégia para o longo prazo. O investigador holandês Geert Hofstede, que analisou as culturas de 34 países (incluindo todos os países mais desenvolvidos), caracterizou Portugal como o quarto país com menor "orientação para o longo prazo" e aquele com maior "aversão à incerteza". Não é por isso de estranhar que as estratégias, as visões e as ambições de desenvolvimento não se enquadrem facilmente com o "ethos" nacional. O mais longe que chegamos são noitadas de "brainstorming" de grupos de notáveis, normalmente em vésperas de eleições, de onde sai uma lista de ações a desenvolver com um título empolgante que vende bem na campanha eleitoral, mas que cai no esquecimento no dia seguinte à tomada de posse.
Mas a pandemia parece ter acordado os portugueses para a necessidade de pensar o futuro, para que este seja aquilo que os portugueses querem. António Costa Silva reuniu ideias importantes para a década na sua "Visão Estratégica", que hoje todos podemos comentar e melhorar. Independentemente do mérito, o que é inexplicável é que se tenha de produzir num tempo tão curto um documento tão importante, que devia ser o requisito permanente de qualquer Estado. Sem planeamento não há escolhas eficazes. Mas o importante não são os planos, que provavelmente terão de ser alterados já daqui a um ano. É o planear que permite conhecer as escolhas estratégicas de que dispomos e tomar as melhores decisões a cada momento.
Mais que um plano, temos também agora um Banco de Fomento, capaz de implementar o músculo financeiro que chegará da Europa. A existência de um banco de desenvolvimento, habilitado a captar e afetar recursos nacionais e europeus aos projetos dinamizadores de crescimento económico é outro dos aspetos fundamentais para o crescimento acelerado. Foi assim em virtualmente todos os milagres asiáticos. Mas será uma tarefa hercúlea criar uma instituição, com a urgência que a atualidade criou. Ainda assim, mais vale tarde do que nunca, sobretudo se a qualidade do seu trabalho for consequente e a sua influência perene.
Contudo, um documento de 120 páginas e um banco de desenvolvimento não chegam para uma estratégia de sucesso. O que é verdadeiramente difícil é implementar uma estratégia, sobretudo no contexto cultural que é o nosso - como disse Peter Drucker (e não podia vir mais a propósito): "Culture eats Strategy for breakfast." Para ter sucesso na implementação de uma estratégia de desenvolvimento, é preciso: credibilidade, convergência, responsabilização e monitorização.
A credibilidade é necessária pois qualquer estratégia vive do compromisso das pessoas e das instituições adjacentes (públicas e privadas) com a mesma, que só participarão se acreditarem. É fundamental não esquecer que a estratégia e a coordenação podem vir do Estado, mas o sucesso na economia depende sempre da convergência com um setor privado dinâmico, inovador e capitalizado (incluindo empresas, empreendedores e instituições financeiras) em torno de projetos estratégicos transformadores.
A responsabilização e a governação da implementação são importantes para assegurar liderança, capacidade de ajustar o plano à realidade e a prestação de contas perante o país, dado que a estratégia trará resultados para além do ciclo político de quatro anos. Neste contexto, o processo político de aprovação da estratégia deve vincular todos aqueles que, na próxima década, têm potencial de estar no poder, definindo indicadores de curto, médio e longo prazo que permitirão saber como estamos a evoluir e se é necessário ajustar. Sem estas condições, o risco é que volte a imperar a cultura de curto prazo e que esta estratégia seja, mais uma vez, uma lista de compras sem impacto real no desenvolvimento da nossa economia e sociedade.
Assim, para além da "Visão Estratégica" e do Banco de Fomento, é importante criar uma entidade de desenvolvimento estratégico para coordenar, monitorizar e ajustar a estratégia, à semelhança do Economic Development Board (EDB) de Singapura. Ou, em alternativa, declinar estas responsabilidades num organismo competente já existente. Tal entidade deve ter uma governação transparente e estável e alguma independência do poder político (implicando um compromisso entre governo, assembleia e presidente), deve dotar-se de recursos humanos de elevada qualidade (com o enquadramento institucional que o permita), deve trabalhar em proximidade com as universidades (promovendo investigação sobre a economia portuguesa e monitorizando o impacto da estratégia), deve dialogar com os setores privado e associativo de forma eficaz para desenvolver projetos de parceria entre os diferentes atores (deixando de lado preconceitos ideológicos e focando nas competências e nos resultados), deve ter uma relação privilegiada com os parceiros e as instituições europeias (de onde chegará financiamento), e deve coordenar com outras agências com responsabilidades específicas (por exemplo, o AICEP, o IAPMEI ou as CCDR).
Desenhar uma arquitetura institucional para fazer face ao nosso atavismo cultural como um dos países com menor "orientação para o longo prazo", como nos descreve Hofstede, é um projeto com um potencial sem precedentes na nossa história económica recente. Na Irlanda, que nos faz companhia na cauda do ranking de Hofstede, foi o desenvolvimento de uma arquitetura deste tipo que promoveu o milagre económico. Depois de tantas crises financeiras e de décadas de crise económica com um crescimento anémico da produtividade, tal arquitetura, a funcionar, seria a verdadeira bazuca para transformar Portugal para os portugueses. A ver se é desta…
Professor na Nova SBE