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Daniel Traça - Professor na Nova SBE 30 de Setembro de 2020 às 09:20

Confiança, complementaridade e compromisso

Em poucos anos, todas as empresas que sobreviverem serão mais inovadoras, mais ágeis, mais focadas no seu propósito, mais sustentáveis, numa palavra, será uma nova cultura organizacional para o futuro.

Com o país prestes a receber montantes elevadíssimos da UE no apoio à recuperação dos efeitos da pandemia, a urgência de assegurar maior eficácia na aplicação dos fundos está na mente de todos os portugueses. Um dos pontos importantes é assegurar que as empresas nacionais respondem à altura ao desafio, por forma a promover a criação de emprego e de riqueza que permitirá um crescimento sustentável do nível de vida dos portugueses. Apesar de o debate público continuar preso no dilema estéril entre o papel do público e do privado na recuperação, vítima do beco ideológico em que nos metemos, a transformação estratégica em direção ao futuro assenta numa parceria dinâmica entre as empresas e o Estado. Esta é a lição óbvia dos sucessos recentes na Europa e no mundo.

Neste sentido, a recuperação e a resiliência do país exige uma transformação do nosso tecido empresarial assente em três pilares fundamentais: mais exportação, mais digitalização e mais sustentabilidade. Se as grandes empresas, com gestão profissional têm hoje estratégias e recursos para trabalhar estas dimensões, a enorme maioria do nosso tecido é de média dimensão, frequentemente gerido por empresários com pouca formação e insuficiente consciência dos desafios criados pela disrupção dos nossos dias.

Na realidade, os desafios de transformação frequentemente vistos como problemas tecnológicos de implementação deste ou daquele software ou da criação de um site ou plataforma, são sobretudo estratégicos e culturais. Se a tecnologia ou sustentabilidade são os detonadores da mudança, as ondas da explosão implicarão uma completa alteração da economia e de todas as empresas que dela fazem parte. Em poucos anos, todas as empresas que sobreviverem serão mais inovadoras, mais ágeis, mais focadas no seu propósito, mais sustentáveis, numa palavra, será uma nova cultura organizacional para o futuro. As empresas que se neguem ou que atrasem esta transformação pagarão o preço da sobrevivência. E o dano colateral será para a economia nacional, para o emprego e para a vida dos portugueses.

Esta é a transformação central para a resiliência da economia portuguesa. Esta deve ser a preocupação fundamental de qualquer plano estratégico que aposte no futuro do país. Esta é também a oportunidade criada pelos recursos que no próximo quinquénio estarão ao nosso dispor. Mas para isso é necessário que o país reconheça a confiança, a complementaridade e o compromisso que são exigidas na relação entre o Estado e as empresas. Confiança na vontade de trabalhar em conjunto de forma eficaz, no respeito pela contribuição fundamental de cada um, é o ponto de partida. Complementaridade no reconhecimento que a economia nacional é apenas tão forte quanto as suas empresas que são os agentes de criação de riqueza, emprego e bem-estar, mas que cabe ao Estado dotar a infraestrutura física e institucional, agregar a vontade nacional e coordenar a agenda. Compromisso no sentido em que o apoio dos contribuintes às empresas deve ter como contrapartida resultados palpáveis no caminho da internacionalização, da digitalização e da sustentabilidade, por forma a assegurar um retorno apropriado dos apoios concedidos.

Este compromisso é mais difícil quando se reconhece que a transformação que assegurará o sucesso destas empresas no novo mundo é cultural e estratégica. É difícil monitorizar a implementação de um determinado software subsidiado por fundos públicos. É impossível monitorizar a transformação estratégica ou cultural das empresas, fundamental para que esse software ou outros investimentos gerem resultados. A única forma de o fazer será exigir e contratualizar resultados com base em métricas objetivas; por exemplo: exportações, clientes digitais, cortes de emissões.

Estas transformações exigem das empresas, e sobretudos dos empresários, um exercício de humildade e de generosidade: a disponibilidade para pôr o futuro da empresa à frente do seu ego, do seu poder, do seu controlo. Estou convencido de que se porá um desafio geracional, com a passagem de testemunho a gerações mais novas, mais alinhadas com os desafios da modernidade. Será também um desafio de profissionalização, com a nomeação para os cargos executivos de gestores preparados e de governanças eficazes.

Tal transformação não implica de todo um corte geracional. A experiência acumulada e o conhecimento das empresas são fundamentais para o seu sucesso. A transformação geracional e a profissionalização serão sempre graduais e as estruturas de governança podem ser estabelecidas de forma a assegurar tal equilíbrio. Mas é importante reconhecer que em tempos de mudança acelerada no contexto externo, é necessário mudar o contexto interno. Como disse Jack Welch, “quando a mudança externa é mais rápida que a mudança interna, o fim está próximo”.

A verdadeira estratégia para o país exige a confiança, a complementaridade e o compromisso de mudança no privado como no público. Este trabalho de convergência nacional é crítico para assegurar mais sucesso, mais resiliência e mais progresso nesta nova etapa de desenvolvimento do país. A responsabilidade cabe ao Estado, nomeadamente aos decisores políticos e aos quadros da administração pública, e a cada uma das empresas em Portugal, nomeadamente aos seus gestores e empresários. Os recursos ao nosso dispor podem ajudar nessa transformação, mas a vontade de fazer diferente em direção ao futuro tem de estar primeiro em cada um de nós.

 

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