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10 de Fevereiro de 2022 às 11:58

Mar: a oportunidade absoluta para Portugal crescer

O mar em Portugal ganhou fama de promessa económica adiada, banhada por um "wishful thinking" bem-intencionado, mas que depois, na prática, se revela muito aquém das expectativas geradas. Mesmo o setor marítimo-turístico não escapa a esta imagem, pois a fatia de maior valor acrescentado deste mercado, a náutica de recreio, ainda se encontra subexplorada e subdesenvolvida.

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Por isso, face a esta perceção de anemia económica marinha, tem ganho terreno a visão exclusivista do mar como ativo territorial que deve ser primordialmente protegido, destinado principalmente a exploração turística e desportiva, a par de um reforço regulatório dos impactos ambientais das outras atividades económicas incumbentes (pesca, aquacultura, "shipping", portos, turismo, etc.). A existência deste grupo de atividades é "tolerada", mas com um cerco legal de operação cada vez restritivo e às vezes hostil.

 

Muita desta perceção errónea assenta em imagens sociais das profissões e das atividades do mar convencionais distorcidas e muito longe da realidade factual, alimentada pela desinformação e iliteracia que fermentam nas redes sociais, modelando a mensagem nos media oficiais: o pescador como um profissional desqualificado e de fracas competências, que opera num setor exclusivamente predador de recursos e destruidor de ecossistemas; a aquacultura como atividade que envenena o mar e o bem-estar dos animais marinhos; os portos como infraestruturas ásperas, inimigas da urbanidade e do ambiente, e mergulhadas nos conflitos laborais da estiva; o transporte marítimo como uma carreira sem futuro e lesiva do mar; a indústria naval como um setor inevitavelmente decadente e sem esperança; a energia renovável oceânica como uma fonte que nunca será competitiva a nível de custo. Isto culmina no mito latente de que o mar deverá ser tendencialmente usado para fruição contemplativa e lúdica, a par da sua necessária conservação.

 

Depois de listadas as perceções, vamos aos factos. Atualmente, um pescador é um profissional altamente qualificado, que tem de saber as tecnologias avançadas digitais, de comunicação e energéticas para conseguir realizar uma operação pesqueira eficiente, rentável e sustentável. E, com efeito, é uma comunidade aberta à inovação tecnológica geradora de benefícios e de sustentabilidade do recurso. Por exemplo, o Instituto Politécnico de Leiria em Peniche, sob a batuta do seu atual diretor, Sérgio Leandro, está a testar um sistema digital inovador, que congrega o uso integrado de telemóveis e "smartwatches", para monitorizar e controlar a apanha da percebe na região. Apesar de uma resistência inicial, a adoção da solução pela comunidade pesqueira é plena, pois o sistema penaliza quem "fura" as regras e premeia quem as segue.

 

E, já agora, o leitor sabia que o setor da transformação do pescado nacional exporta mais em valor monetário do que o setor do vinho, ou seja, acima dos 1,5 mil milhões anuais? E que a atual produção de aquacultura de dourada em "offshore" na ilha da Madeira tem uma produtividade 30% maior no Mediterrâneo, atingindo novos recordes de produção em cada ano, com um impacto ambiental marginal, devido às correntes marítimas existentes entre a Ponta do Sol e a Calheta, que impedem a deposição elevada de detritos e fomentam o crescimento de pradarias marinhas? E que a produção de mexilhão (um animal marinho filtrador) da empresa Finisterra, em Vila do Bispo, quase
decuplicou no período de dois anos?

 

Agora vamos aos portos e "shipping" (transporte marítimo). Uma das razões pelas quais Portugal não sofreu as disrupções de mercadorias que eclodiram em outras zonas do globo e da UE tem a ver com o facto de a nossa rede portuária ser pioneira e avançada na digitalização de parte do seu fluxo logístico. Isto gera muito mais eficiência na operação e agilidade, como também uma menor pegada ambiental, no "transhipment" de carga, sobretudo de contentores, estando o Porto de Sines no top 15 dos maiores portos europeus nos últimos cinco anos.

E, no que se refere ao "shipping", não só a taxa de empregabilidade da Escola Náutica Infante D. Henrique (ENIDH) se situa consecutivamente perto dos 100% nos últimos oito anos, como o Registo Marítimo de Conveniência da Madeira, gerido pela SDM, se tornou o 3.º maior a nível europeu. Por sua vez, a descarbonização do "shipping" abre novas oportunidades para o reposicionamento da indústria naval, desde novos conceitos de hidrodinâmica e de propulsão.  

 

Quanto às energias renováveis oceânicas, o parque eólico "offshore" flutuante Windfloat Atlantic, instalado em Viana do Castelo, está a produzir 45% acima do esperado. O que significa que o custo de produção desta tecnologia pré-comercial prevista em 120€ MW/h poderá ficar muito perto dos 60€ MW/h ainda em 2025. Ou seja, é expectável que a versão comercial já consiga entregar uma solução com um custo de geração energética entre os 35€-40€ MW/h ainda nesta década, tornando-se assim a eólica "offshore" flutuante numa competitiva fonte de produção em grande escala de hidrogénio verde. Eis mais uma oportunidade de diversificação industrial para o setor naval nacional.

 

Todos estes exemplos são factuais, não são intenções ingénuas, nem sonhos de vã glória. São operações que estão no terreno, muitas por teimosia empreendedora e por uma resiliência assente na paixão, mas com grande visão de negócio materializável.

 

Só que para estas iniciativas empreendedoras ganharem escala e rentabilidade, e muitas outras novas surgirem, os custos de contexto têm de diminuir, especialmente nos processos de licenciamento de investimento: têm de ser mais claros, mais simples e sem sobreposições de competências entre entidades públicas.

 

E tem de ser agora, não amanhã!

  

Porque agora é a oportunidade absoluta para a economia do mar pôr Portugal a crescer!

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