Opinião
Zoologia económica
O mundo está um verdadeiro zoológico. A questão já não é só de rinocerontes ou de cisnes negros. Os mercados mundiais já parecem mais um elefante numa loja de porcelana. Ao mais pequeno movimento, à mais pequena notícia, temos "loiça partida".
Entre a enorme valorização verificada no segundo semestre do ano anterior e no primeiro mês deste ano e a queda abrupta desta semana, nas bolsas mundiais, há um traço comum: irracionalidade. E essa irracionalidade leva a que vários analistas, na procura da razão, distorçam a realidade. Ainda esta semana, diziam alguns que esta queda se deve consideravelmente ao previsível aumento das taxas de juro resultante da subida da inflação em curso. Adiantavam que a reserva federal pode fazer subir as taxas mais depressa do que o previsto e daí também, esta fuga repentina dos investidores com transferência do mercado accionista para a dívida pública. Ora não é verdade. Há bem mais de um ano que o mundo espera subidas de taxas de juro, mais pela Fed do que pelo BCE. E elas foram sendo adiadas ou muito mitigadas.
No meio dessa irracionalidade, há quem considere justificável o aumento acelerado do valor das ações por vários motivos, nomeadamente pelo efeito de crescimento conjugado de diferentes economias e pelo baixo custo do crédito, que dá maior folga às empresas. Seja pelo que for, os índices que medem a dimensão dessas valorizações, quando comparados com os rácios de 1929 ou de 2000, dão para assustar. Só que, ao mesmo tempo, quando se pensa nas razões que terão levado a estes movimentos negativos dos últimos dias, elas são positivas. Baixou o desemprego, aumentou o poder de compra, melhorou a situação líquida das empresas, o que, por si só, levará ao aparecimento da inflação há tanto desejado, como sinal e consequência de que terminou uma quase estagnação da economia com tímidos crescimentos na casa de 1%. Naturalmente, o que se passa com as medidas do Governo nos Estados Unidos, nomeadamente o significativo corte no IRC, o aumento do lucro nas empresas, o grande volume de investimento nas infraestruturas, além dos efeitos ambíguos do protecionismo comercial, tudo gera uma ansiedade que se traduzirá nos exageros, quer das subidas quer das descidas das bolsas mundiais. E a Europa, no meio disto tudo? Mais calma, mais fleumática, à espera do novo governo alemão, mas sem conseguir ficar imune aos desvarios de Wall Street ou do índice Nikkei. E Portugal?
Há muito tempo que escrevo e digo que a pedra de toque da atual maioria política é o conteúdo de uma eventual revisão da legislação laboral. No mais, numa economia fortemente dependente, resta-nos rezar para que tudo corra bem lá fora tratando simultaneamente de fazer bem o trabalho de casa. Há empresas, com alguma dimensão, que numa semana perdem e recuperam, 30 a 40 % do seu valor no extraordinário mercado de capitais da praça de Lisboa. Irracionalidade por irracionalidade, também queremos disputar a primazia. Entre o rinoceronte cinzento, o cisne negro dos lados do Oriente e o elefante arco-íris da loja de porcelana dos mercados de capitais, tenhamos confiança de que a arca de Noé se salvará e que talvez até nem haja tormenta tão cedo. Apesar de tudo, o crescimento da economia chinesa estabilizou, o sistema financeiro europeu está um pouco mais resistente, as economias mais frágeis europeias vão resistindo à diminuição do volume de dívida comprada pelo BCE, há novo governo na Alemanha, a Comissão Europeia reviu em alta o crescimento para Portugal para 2018. Costuma-se dizer, que uma andorinha não faz a primavera, mas neste caso já são várias as que se anunciam.
Advogado
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