Opinião
O futebol como espelho das diferenças económicas e sociais
Mesmo quando a maçã caiu em cima da cabeça de Newton, ela caiu de uma árvore. Primeiro é preciso plantar, semear, e depois tratar do que se planta e semeia.
1. O que se tem passado nestas semanas com o mundo do futebol oferece vários motivos de reflexão.
Em primeiro lugar, o que se passa no mercado de transferências. Cada vez mais, as equipas portuguesas vêem "voar" os seus melhores jogadores, muitas vezes por somas astronómicas, enquanto só conseguem contratar outros - suplentes em equipas estrangeiras - a "custo zero" ou a título de empréstimo. Por vezes, lá despendem um ou alguns milhões, mas é coisa rara. Repito: os melhores vão por dezenas de milhões e os reforços são suplentes de outras equipas e vêm, normalmente, por empréstimo. E falo de equipas portuguesas de topo porque, das outras, nem vale a pena falar.
Isto não acontece só entre as equipas portuguesas e os clubes dos países mais desenvolvidos da Europa. Espanha é um grande país, mas ainda com os níveis de rendimento inferiores a outros parceiros da UE e tem atravessado uma crise profunda. Onde é que a diferença entre os níveis de desenvolvimento das economias dos dois países justifica uma tão grande diferença entre as capacidades aquisitivas dos clubes das ligas principais?
Os clubes espanhóis com os seus meios de merchandising, com a capacidade comercial que dispõem comportam-se como autênticos "reis Midas" do futebol. Os clubes portugueses, cada vez mais, como entidades carecidas de apoio e dependentes da generosidade alheia. Como é possível tão grande diferença? É que em Espanha nem estamos a falar só dos principais clubes daquele país. Os málagas, os sevilhas e os valências são autênticos potentados face aos maiores clubes portugueses.
2. O Mundial, que está agora a acabar, é também mais uma prova de como o mundo do futebol confirma as realidades sociais. Escrevo este texto no dia a seguir à debacle do Brasil perante a Alemanha, e lá vem ao de cima, mais uma vez, o conjunto de motivos que leva a senhora Angela Merkel e outros dirigentes alemães de diferentes quadrantes políticos a sorrirem com orgulho e, por vezes, com um certo ar de superioridade: é que tem uma organização absolutamente insuperável e uma capacidade de trabalhar as suas respetivas potencialidades, e ainda de seguir à risca planos de restruturação (como aconteceu recentemente com a aposta na formação). Será por acaso que Itália, Portugal, Espanha, para não falar de Inglaterra, tiveram uma tão fracassada presença no Brasil 2014?
Tudo isto tem muito que ver com a capacidade organizativa, com o rigor, com a exigência, com a persistência no trabalho. Os frutos, salvo milagre, não caem do céu. Mesmo quando a maçã caiu em cima da cabeça de Newton, ela caiu de uma árvore. Primeiro é preciso plantar, semear, e depois tratar do que se planta e semeia.
Sem entrar em detalhes porque não quero, e em certa medida não devo, o que se passa dentro do futebol português, a nível da respetiva organização, os espectáculos a que continuamos a assistir, as divisões radicalizadas que continuam a grassar, tudo isso contribui muito para que a distância entre as nossas equipas e de outros países seja tão grande. Então se nós temos dos melhores jogadores do mundo, dos melhores treinadores do mundo, porque não somos capazes de ter redes de comunicação e de transmissão de jogos para os quase oitocentos milhões da comunidade ibero-americana, ou para os mais de trezentos milhões que falam português, que garantam níveis de audiência bem superiores àqueles que os nosso jogos têm hoje? Parece impossível?
É muito difícil sem dúvida, mas com planeamento, com estratégia, com método, com trabalho concertado entre diferentes setores, com as entidades do futebol, com os financiadores, com os meios de comunicação, com os anunciantes, e "last but not least" com o poder político, como podia ser diferente a força real também no plano económico do futebol português. Só dá mais por isso quem acompanha de perto as notícias, por exemplo, do mercado das transferências, e depara com o espetáculo, em muitos aspetos confrangedor, da "pesca à linha" por parte de clubes portugueses de nomes que ninguém conhece, mas que os sócios e os adeptos, com inesgotável generosidade vão acreditando que sejam valores reais. E várias vezes os dirigentes acertam e conseguem "pescar" bem, valorizar os seus ativos e vendê-los com boas mais-valias. Durante muito tempo, foi o FC Porto quase sozinho a fazer isso e o Sporting episodicamente. Hoje em dia, são mais clubes que salvam os seus orçamentos anuais com vendas resultantes desse trabalho de prospeção e valorização de ativos futebolísticos. Mas a verdade é que o fosso vai sendo cada vez maior e não deveria ser tão grande.
Advogado
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