Opinião
Madeira: saber continuar
Estou certo de que Miguel Albuquerque sabe que as eleições regionais não estão ganhas e tem muito trabalho pela frente para o conseguir.
1. É quase um lugar-comum - para sorte dos madeirenses - dizer que a Madeira progrediu muito nas décadas de governação de Alberto João Jardim.
Tratou-se de um progresso e de um desenvolvimento em equipamentos e infraestruturas, em proteção de direitos sociais e na área turística, entre outros domínios. A saída de Alberto João Jardim da liderança do PSD e do Governo abre um novo ciclo e não só formalmente. Uma nova liderança corresponderá, certamente, a um novo modo de governar, a uma nova forma de estar e a um novo estilo político. Mas terá de corresponder também, forçosamente, a um novo tempo na definição de novos objetivos para a governação. Poderá ser exagero, mas apetece dizer que a Madeira tem quase tudo feito em matéria de obras públicas. Faltar-lhe-á agora consolidar a subida que se verificou no nível de vida e no rendimento "per capita" e preparar o salto para um novo patamar de desenvolvimento económico e social.
Essa nova fase nos planos económico e social é indissociável de um novo relacionamento com o Estado central. Para o mal e para o bem, as várias regiões do País sofreram as consequências do ajustamento e da intervenção externa. O Governo da Madeira teve de executar um programa muito duro, específico para a situação da região. E a autonomia da Madeira coloca-se agora como se coloca ao País no seu todo, depois de afastado o espetro da bancarrota, depois de salva à tangente a continuidade dos equilíbrios económicos fundamentais, há que definir para onde se vai e por onde se vai.
2. Disse outro dia, num debate televisivo, que a escolha de Miguel Albuquerque parece uma solução adequada e compreensível para as exigências que se colocam agora à Madeira. Mas importa não esquecer, a propósito de capital que não pode ser desperdiçado, que esta disputa pela liderança, ocorrendo após o afastamento do líder histórico, não pode acarretar mais afastamentos. Refiro-me, em concreto, às pessoas que disputaram a corrida da sucessão com Miguel Albuquerque. Essas pessoas, no geral, têm muito valor e provas dadas. Daqueles que conheço melhor permito-me destacar dois nomes: João Carlos Cunha e Silva e Miguel de Sousa. Cunha e Silva foi um extraordinário braço-direito de Alberto João Jardim, quer na conceção, quer na execução. Tem uma grande capacidade de trabalho e um notável poder organizativo. Miguel de Sousa é uma referência incontornável da Região, profundamente conhecedor das realidades económicas internacionais e que tive a honra de convidar para ministro do meu Governo na véspera de Jorge Sampaio optar pela dissolução do Parlamento. Embora não conheça pessoalmente o candidato Manuel António, sei que tem também valor e obra feita, para não me referir a mais concorrentes.
Miguel Albuquerque tem demonstrado essa capacidade de unir quem esteve a trabalhar com Alberto João Jardim, com as figuras de valor que podem vir pela sua mão e serem rostos vivos do novo ciclo político que agora se vai iniciar.
3. A questão do relacionamento com Lisboa é fulcral. Miguel Albuquerque não pode ser um líder subserviente, o que não invalida que possa ter um relacionamento institucional cordato. A Madeira tem necessidades, dossiês, causas, pretensões, ambições em número suficiente para que o chefe de um Governo de uma Região Autónoma com aquelas características nunca possa deixar de ser reivindicativo. Quem pense agora que, por causa de Alberto João Jardim, reivindicar e, por vezes, reclamar ou mesmo protestar veementemente são defeitos, está completamente enganado. No novo conceito estratégico que Portugal vai necessitar de corporizar, a Região Autónoma da Madeira é um elemento bem importante. Ainda nas semanas mais recentes se referiu a importância do seu território para a definição de limites da plataforma continental de Portugal face, nomeadamente, às pretensões espanholas. Os territórios que têm autonomia não podem viver em convulsão ou indefinição permanente quanto ao seu estatuto. O que se tem passado na Catalunha durante estas décadas está algures entre a expressão de sentimentos genuínos e, por vezes, momentos de saltos em diante quando a economia ou o apoio eleitoral não estão de feição. As dificuldades por que passa a União Europeia e as interrogações que se colocam em toda a economia mundial, também nos países emergentes, reforçam a necessidade de um trabalho coeso ente o Estado central e as regiões autónomas.
Estou certo de que Miguel Albuquerque sabe que as eleições regionais não estão ganhas e tem muito trabalho pela frente para o conseguir. Os madeirenses, que pelos vistos lhe apreciaram a obra no Funchal, o estilo, a irreverência e mesmo a insubmissão, quererão, agora, certamente, ouvir as linhas da governação que lhes vai propor. Querem ouvir os madeirenses e os portugueses em geral.
Miguel Albuquerque já provou que sabe romper, agora precisa demonstrar que sabe continuar.
Advogado
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