Opinião
Humilde júbilo
Inaugurou-se neste dia 8, dia da Padroeira de Portugal, o Ano do Jubileu. Foi convocado a título extraordinário pelo Papa Francisco. A título extraordinário porque na Igreja Católica os anos do Jubileu são por regra de 25 em 25 anos, ao contrário do Jubileu hebraico, que era de 50 em 50 anos.
Por exemplo, no ano de 1800 não foi convocado o Jubileu por causa das consequências na Europa da Revolução Francesa e dos anos agitados que lhe seguiram. Mas em 1825 houve celebrações do Jubileu, embora de modo curto. Durante todo o resto do século XIX não mais foram convocadas celebrações de Jubileu. Em 1900 voltou a acontecer com o Papa Leão XIII que fez a famosa Encíclica 'Rerum Novarum' e que pretendia assinalar também a entrada num novo século. Em 1925, com o Papa Pio XI, houve ano de Jubileu, sob o lema de reconciliação e de paz, muito inspirado nos tempos de restabelecimento de uma relação consolidada entre a Igreja Católica, e nomeadamente o Vaticano, e o Estado italiano - ele próprio também tendo conhecido durante muitos anos, inúmeras vicissitudes, nomeadamente na sua configuração. Em 1950, com o Papa Pio XII foi convocado o Jubileu sob o lema do perdão, corporizando aquilo que a Igreja sentia necessário depois dos tempos do fim da II GM e do início de um novo ciclo na vida da Europa e do mundo. Em 1975, com o Papa Paulo VI, foi convocado também o Jubileu, celebrando e consolidando a renovação e a alegria trazidas pelo Concílio Vaticano II. Em 2000, com o Papa João Paulo II, celebrou-se o segundo aniversário milenar da Encarnação e a entrada no terceiro milénio. Foram celebrações que tiveram lugar durante cerca de quatro anos antes de 2000, culminando nesse ano tão simbólico. Em princípio, agora seria só em 2025, mas o Papa Francisco entendeu que devia convocar um Jubileu extraordinário neste ano de 2015 a 2016, sob o lema da Misericórdia.
Esta é uma história breve dos jubileus mais recentes, mas é bom que a generalidade dos cidadãos, crentes e não crentes, tenham a noção daquilo que se fala, principalmente quando é algo muito falado e, especialmente, quando é ao nível da Igreja e de uma religião por tantos professada.
Aqui há uns anos, a propósito de uma campanha de recolha de alimentos para aqueles que são mais desfavorecidos e passam fome, discutiu-se muito sobre qual a palavra devida para falar do fazer bem a alguém carenciado. Discutiu-se, nomeadamente, se é mais adequado falar em caridade ou em solidariedade. Houve alguns que entenderam que falar em caridade seria preconceituoso, seria próprio de uma visão classista, elitista, quase socialmente arrogante. O que importa é que ambas sejam praticadas com Misericórdia, ou seja, fazer o Bem com o coração, chegar perto de quem necessita que lhe demos a mão. Se o Papa, e um papa como Francisco I, decidiu fazer este chamamento universal para um ano de Jubileu, sob este lema do fazer Bem, é porque a Igreja na sua proverbial sabedoria sobre as dinâmicas mais profundas dos tempos sabe quanto faz falta essa prática nos tempos de hoje.
Quem trabalha em misericórdias e também, naturalmente, quem as dirige tem de fazer tudo para avaliar se o trabalho que é desenvolvido está à altura da razão pela qual as misericórdias nasceram. As misericórdias nasceram porque os Estados e os privados não chegam. Mas o Ano do Jubileu que o Papa convocou não é das misericórdias ou para as misericórdias é, sim, pela Misericórdia, como atitude, como prática, como necessidade, como passo e caminho no sentido do próximo.
Os anos de Jubileu têm de facto uma história e a perspetiva da História é sempre muito importante para compreender as realidades em tempos tão agitados como aqueles que vivemos. É bom que cada ser humano possa compreender o que está em causa com as imagens que vai vendo e com as palavras que vai ouvindo.
Advogado
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