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11 de Abril de 2018 às 22:14

Entidade privada e não pública

O presidente da União das Misericórdias, Manuel Lemos, tem sido uma voz permanente na defesa de que o provedor e a Mesa da Santa Casa de Lisboa devem ser eleitos como o são nas outras instituições suas irmãs.

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1. Quem diz que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é uma entidade pública não sabe do que fala. A Santa Casa faz 520 anos este ano. Foi fundada em 1498 e nos termos da lei é uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa. Sublinho: é de direito privado como milhares de outras entidades no país o são, sendo também, de utilidade pública.

 

2. Em 1783, o Estado atribuiu à Santa Casa a exploração da lotaria nacional e depois, já no século XX, entregou-lhe a exploração de apostas mútuas. No século XXI, recebeu a incumbência da exploração das apostas desportivas à cota. Em virtude destas incumbências, o provedor e a Mesa passaram a ser nomeados pelo Estado, primeiro pelo rei, depois, já na República, pelo Governo.

 

3. Em 2006, a SCML foi inscrita como entidade pública reclassificada, para efeitos estatísticos no âmbito do Eurostat.

 

As consequências e as sequelas da inscrição atrás referida não cabem neste artigo. O que cabe é a reafirmação de que a Misericórdia de Lisboa se tem empenhado, em toda esta década, na luta pela saída dessa lista em negociações que têm tido lugar, principalmente, junto do Eurostat e também do Instituto Nacional de Estatística. A Santa Casa não é a única entidade, em Portugal, a ter muitas dificuldades por força das incongruências dos regimes jurídicos gerados por essa lista. Posso dar o exemplo, entre outros, da Fundação Luso-Americana.

 

Nos anos da intervenção externa, ouvi de Carlos Moedas e do então primeiro-ministro que seria praticamente impossível conseguir-se a retirada dessa lista. Com efeito, ser EPR implica consolidar as contas no perímetro orçamental e a troika nunca deixaria terminar essa obrigação. Na prática, a Santa Casa aprova dois orçamentos, um em junho/julho para ser enviado à Direção-Geral do Orçamento, e outro em outubro para ser enviado e aprovado pelos seus órgãos estatutários. Não vou maçar os leitores com mais pormenores desse emaranhado técnico-jurídico-financeiro. Uma coisa posso e devo sublinhar: a Santa Casa é uma entidade de direito privado - como o têm confirmado estes anos vários e distintos jurisconsultos. Nasceu como a primeira das Misericórdias, é na sua origem, na sua natureza, uma Misericórdia como as outras. Tem a responsabilidade da exploração dos jogos do Estado? Sim. E é por causa disso que lhe querem chamar "entidade pública"? Em minha opinião, uma coisa não implica a outra. Não tenho ouvido nem o PCP nem o Bloco a referirem-se à Santa Casa desse modo e estranho que isso aconteça com quem tem, em princípio, um posicionamento ideológico bem distinto.

 

O presidente da União das Misericórdias, Manuel Lemos, tem sido uma voz permanente na defesa de que o provedor e a Mesa da Santa Casa de Lisboa devem ser eleitos como o são nas outras instituições suas irmãs. Não quero cometer nenhuma inconfidência, mas a possibilidade de deixar de ser o Governo a ter essa responsabilidade é admitida, como hipótese, por pessoas de variados quadrantes políticos. Agora, como provedor que mais tempo exerceu essa função desde o 25 de Abril quero lembrar que a Santa Casa de Lisboa, sendo a primeira das Misericórdias, é como tal reconhecida por todas as outras, incluindo Misericórdias de outros países do mundo. O que nunca pode acontecer é a Misericórdia de Lisboa passar a ser aquilo que alguns lhe chamaram estes dias: uma entidade pública. A Misericórdia de Lisboa será sempre privada, viverá sempre como tal, por muitos desmandos que lhe façam alguns que não a conhecem e outros que dela deviam ter uma ideia firme. Quem é provedor agora e quem o foi antes de mim, não tenho dúvidas sobre isto, estou certo de que partilha esta convicção (continua na próxima semana).

 

Advogado

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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