Opinião
E nós?
Os americanos dizem que têm tudo pronto, nomeadamente as Forças Armadas, e que, se for dada ordem hoje, podem começar hoje. Já têm muitas doses da vacina embaladas e prontas a seguir para todo o país. Estão só à espera da aprovação das entidades reguladoras. E nós?
Seja o que for que suceda daqui em diante na transição de mandatos no cargo de Presidente dos EUA, já aconteceram situações suficientes para que tenham de tirar consequências.
O sistema eleitoral, em si, já é suficientemente anacrónico nas regras que estabelece para a designação do novo Presidente. Como se sabe, o sufrágio não é direto cabendo o voto direto a um colégio eleitoral de representantes dos vários estados. E o apuramento desses representantes não é proporcional: basta um candidato ganhar com um voto de diferença para ficar com todos os representantes desse estado. Por isso mesmo, basta que isso aconteça num ou dois grandes estados - a diferença ser pequena - para que o novo Presidente possa ter mais "grandes eleitores", mas ter menos votos dos eleitores "comuns". Como se sabe, isso já aconteceu, nomeadamente na disputa entre Hillary Clinton e Donald Trump. Só isso faz pouco sentido democrático. Pode ser a tradição, mas o mundo atual não se compadece com tradições que desvirtuem a vontade dos povos e, ainda por cima, sejam instigadores de tensões sociais. As sociedades contemporâneas são, no geral, cada vez mais polarizadas e uma maioria escolher um Presidente e ser outro o empossado é um convite à agitação e mesmo aos confrontos.
Estas eleições demonstraram também casos surgidos com outras regras do sistema eleitoral como as que permitem o "earlier vote" (voto antecipado), o voto por correspondência e o voto por correio. Não entrando na perigosa disputa entre razões e argumentos do atual processo eleitoral em curso, penso ser óbvio que, tal como está, o sistema se presta a muita confusão que pode acabar em muita impugnação. Não é só agora. Já referimos a eleição anterior e, por exemplo, também em 2000, com grandes diferenças de atitudes, mas houve um grande imbróglio com o apuramento de votos entre George W. Bush e Al Gore. Para defesa da credibilidade das suas instituições a que ainda é a maior potência mundial tem de fazer o necessário para não dar mais espetáculos ao mundo como o que tem acontecido nesta eleição. E ainda não acabou.
Em contraste absoluto, pela imagem que transmite, assisti ontem a uma magnífica reportagem sobre o processo logístico que os EUA têm já organizado e pronto a ser acionado, para a distribuição, mal haja autorização, das vacinas da covid-19. Verdadeiramente impressionante. Esses são os Estados Unidos que conhecemos e, ressalvando as diferenças das matérias e dos processos, é uma eficácia semelhante que deve ter a escolha do titular do cargo mais poderoso do mundo.
Importa, pois, sobretudo nas situações mais exigentes, mais complexas e mais importantes, planear com tempo e agir com eficácia. E, quando se prova que não correu bem ou que as regras de organização e funcionamento têm uma forte probabilidade de dar errado, há que extrair as consequências e mudar essas normas e esse sistema.
Em Portugal, noutro plano, o que se passou com a vacina da gripe é um exemplo de um processo que correu de modo inaceitável. Foi dito que haveria vacina para todos e estabelecido um calendário para os diferentes grupos profissionais, etários e outros. O Chefe do Estado fez questão de se mostrar a ser vacinado, para dar o exemplo. E, depois, afinal, não há vacina para a maioria das pessoas, muitas delas que todos os anos se vacinam e, logo este ano, não conseguem. Como é possível? Tenho evitado criticar a atuação dos responsáveis por estas matérias, dada a gravidade da situação que o mundo vive. Mas este caso é absolutamente inaceitável. Há que tirar as devidas ilações e preparar os desafios que estão à porta, como deve ser. É bom que vejam o que outros já têm preparado, como mostrou a reportagem que referi.
Pensem bem no modelo organizativo. Aí não dá para tolerar falhas, hesitações ou erros nem para aceitar desculpas. Pensem bem e ajam a tempo. Hoje, já devia estar muito avançado. Os americanos dizem que têm tudo pronto, nomeadamente as Forças Armadas, e que, se for dada ordem hoje, podem começar hoje. Já têm muitas doses da vacina embaladas e prontas a seguir para todo o país. Estão só à espera da aprovação das entidades reguladoras. E nós?
Advogado