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23 de Maio de 2018 às 21:11

Árvores e floresta

Hoje em dia, ainda por cima, com a força da comunicação, é mais fácil que grupos mais ou menos restritos consigam provocar mudanças em regras de conduta até então pacíficas.

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A mudança da moral coletiva, por movimento espontâneo ou induzido, suscita, muitas vezes, questões bem complexas. Já escrevi antes sobre este tema, mas os acontecimentos que têm ocorrido, justificam que a ele volte.

 

Hoje em dia, ainda por cima, com a força da comunicação, é mais fácil que grupos mais ou menos restritos consigam provocar mudanças em regras de conduta até então pacíficas. E há épocas com circunstâncias excecionais que justificam procedimentos não aceites fora desse quadro.

 

Quando me licenciei, os meus dois primeiros trabalhos foram a docência, como monitor - que já era - e depois como assistente estagiário, e adjunto de um ministro, no governo Mota Pinto.

 

Nesse governo, à beira dos anos 80, recordo-me de que um ministro tinha como secretária a própria mulher e como chefe de gabinete um cunhado.

 

Hoje em dia, desde há décadas, isso não é aceite e é objeto de veemente censura. Mas, nessa época, ainda com Conselho da Revolução e com fortes crispações ou mesmo conflitos, os gabinetes tinham de ser constituídos por pessoas de total confiança. E, naquela altura, era tudo suspeito, uns por serem "fascistas", outros por serem "comunistas". Por isso, todas as cautelas eram poucas.

 

 Pouco tempo mais tarde, no governo do Bloco Central, o gabinete de uma ministra muito respeitada - e cuja integridade continuou sem mácula vida fora - adjudicou uma campanha de publicidade a uma empresa do irmão da referida ministra. As razões terão sido as mesmas que atrás referi. Mas, enquanto anos antes, ter familiares no gabinete não provocou reação, desta vez, o assunto - mais complexo - foi levantado e muito polemizado, embora mais tarde, já no ciclo do Independente, ou seja, no final dos anos 80.

 

 Resumindo: o que era aceite num tempo pode passar a ser recusado noutro. A evolução das sociedades é feita destes saltos e nada tem de surpreendente. A questão é a capacidade de se entender essa realidade ou, pelo contrário, a propensão para a ignorar considerando-se a moral de hoje como aquela que sempre vigorou. Obviamente tem de se julgar à luz da moral de hoje, mas é preciso compreensão, ponderação e equilíbrio.

 

Hoje em dia, tudo é cada vez mais suspeito ou proibido. Admitir comportamentos naturais que decorriam da premissa simples de que as pessoas, por regra, são sérias gera receio e, por isso, são afastados. Hoje em dia, quando se faz um telefonema a pedir o mais simples dos favores, tem de se pensar duas vezes se configurará, ou não, algo de ilegítimo. Ouve-se muitas pessoas a manifestarem essa preocupação com medo de dizerem seja o que for ao telefone. Pedem uma conversa pessoal, desnecessariamente porque têm medo.

 

Tudo é cada vez mais proibido e de tudo se desconfia dando origem a um ambiente coletivo em que se sentem bem os mais invejosos, os mais incapazes e os mais complexados.

 

 Não é assim que as sociedades dão saltos grandes rumo ao progresso. Tudo ser estranho, desconfiar-se de toda a gente e haver cada vez mais suspeitos de desonestidades não ajuda nada. O contrário, sim: traz felicidade e cria energia positiva.

 

Sejam ministros ou chefes de governo, líderes ou outros dirigentes de partidos de oposição, por regra, são sérios. O contrário só pode ser exceção. De outro modo, é impensável. Acresce que não são só pessoas que estão ou estiveram na vida política. De quase todos os setores da sociedade, o país vai recebendo notícias de problemas graves, principalmente de corrupção. É no desporto, é na banca, é na magistratura, é na Segurança Social, são empresários, autarcas, até na área dos museus, é em messes militares, alguns elementos policiais. Sinceramente, dá que pensar.

 

Por um lado, tudo isto dá o conforto, que tem sido reconhecido de que as autoridades fazem tudo para descobrir e punir os prevaricadores. Mas, por outro lado, é tudo quando olhamos para a nossa sociedade. Poucas classes escapam, talvez mesmo que só uma… Acreditemos que estamos a ir para melhor.

 

Advogado

 

Artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico

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