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Competitividade, Política Fiscal e Reforma do Estado

O incentivo a trabalhar mais e melhor, aumentando a produtividade, é inexistente (uma vez que o Estado acabará por arrecadar uma parte cada vez mais considerável dos rendimentos gerados pela sua produção).

O "World Economic Forum" (WEF) publicou recentemente o "Global Competitiveness Report" 2013-2014. Na versão deste ano, Portugal desce dois lugares no "ranking" global de competitividade, para a posição 51 entre 148 países (19.º lugar na UE). Nenhuma novidade em relação a anos anteriores: desde 2004 (posição 25) que o nosso país vem, quase ininterruptamente, perdendo posições que reflectem uma competitividade cada vez menor. Na conjuntura que atravessamos, a saída do actual programa de resgate e o regresso ao financiamento em mercado (que facilitará, e muito, o hoje muito condicionado financiamento à economia) deverão, por si só, proporcionar uma subida em futuros "rankings".


Mas há muitas áreas em que a nossa doença é estrutural e persiste desde há muito. Vou chamar a atenção para uma que me é muito cara e que parece, enfim, com mais de uma década de atraso, ir ser objecto de atenção e actuação por parte do Governo: a política fiscal. No relatório do WEF, a carga fiscal leva Portugal a situar-se na posição 139 (em 148 países – só no nível de endividamento público estamos pior, em 143.º lugar). É obra!... Sim, era possível fazer pior –, mas, convenhamos, pouco pior. Quer para os investidores, quer para os trabalhadores, a carga fiscal surge como um forte desincentivo: para os primeiros, não incentiva minimamente o aparecimento de novos projectos nem, consequentemente, a criação de (mais e melhor) emprego; para os segundos, o incentivo a trabalhar mais e melhor, aumentando a produtividade, é inexistente (uma vez que o Estado acabará por arrecadar uma parte cada vez mais considerável dos rendimentos gerados pela sua produção).

É, pois, fundamental reformar a fiscalidade em Portugal, com prioridade para o IRC e o IRS. Ora, no IRC já são conhecidas as linhas gerais da reforma que visa transformar a tributação directa sobre as empresas numa das mais competitivas da Europa em múltiplas vertentes – incluindo, naturalmente, a (substancial) descida da taxa, a simplificação dos procedimentos e das regras para os contribuintes, e o alinhamento pelas práticas internacionais mais competitivas –, mas acautelando situações condenáveis de abuso ou planeamento fiscal agressivo. Como recomendam a Comissão Europeia ou a OCDE, para citar apenas dois exemplos de instituições respeitadas na matéria.

Sei que sou suspeito para abordar este tema, uma vez que integrei a Comissão constituída para reformar o IRC; porém, mesmo que não tivesse sido esse o caso, consideraria as alterações propostas muito positivas e caminhando no sentido certo, em linha com o que há bem mais de uma década venho defendendo (considerando, até, que teria sido desejável ir mais longe na redução da taxa, para não mais de 15%, mesmo que num prazo mais alargado).

O que não deixou de me surpreender foram as muitas críticas a esta reforma nos seus vários domínios. Reparos que me têm parecido injustos, mal fundamentados e carregados de preconceitos ideológicos. Destaco, em particular, o total menosprezo do contexto competitivo em que vivemos (não, Portugal não está sozinho no mundo e a realidade dos últimos anos pouco tem que ver com o que se passava, por exemplo, nos anos 70 ou 80). E refiro-me, sobretudo, às críticas de alguns fiscalistas e a determinados sectores e actores da comunicação social (também neste jornal do qual sou colunista há mais de 10 anos), cujo posicionamento é conhecido e que parecem preferir ignorar a realidade que o WEF bem documenta e manter Portugal na situação fiscal desastrosa em que se encontra, do que caminhar, embora com largo atraso, na direcção que há tanto tempo devia ter sido trilhada. Sim, devíamos ter-nos antecipado –, mas já que, infelizmente, não o soubemos fazer, então pelo menos que não deixemos o imobilismo afectar-nos ainda mais.

Queremos ou não atrair mais e melhores investimentos e projectos empresariais?... Queremos ou não criar (mais e melhores) empregos?... Queremos ou não dinamizar a economia e aumentar o bem-estar da população?...

Pois então deixemo-nos de fantasias e demagogias, analisemos os factos e a realidade, e actuemos em conformidade... o que significa que as alterações fiscais não devem ficar-se pelo IRC – devem muito rapidamente ser estendidas ao IRS, no sentido do alívio progressivo da pesadíssima carga fiscal que as famílias portuguesas enfrentam, voltando a incentivar o factor trabalho e a manutenção (e a atracção) de recursos humanos em Portugal, bem como a favorecer a confiança, o consumo e o mercado interno, complementando a evolução positiva das exportações (por exemplo, uma baixa faseada da mesma dimensão da perda de receita estimada para o IRC até 2018).

Mas significa também que temos mesmo de baixar a despesa pública e reformar o Estado – o que nunca se conseguirá sem actuar ao nível das parcelas mais pesadas: prestações sociais e massa salarial. Uma actuação impopular e dolorosa, mas indispensável – porque, com um problema de endividamento público sério, mesmo que seja conferido algum tempo adicional (pela Troika) a Portugal para a necessária consolidação orçamental, a reforma e o alívio fiscal de que necessitamos como do pão para a boca (no IRC e no IRS prioritariamente, em minha opinião) só poderão ver a luz do dia se reformarmos as Administrações Públicas e assegurarmos a sustentabilidade da despesa pública. Todos os que de tal duvidem, ou a que tal se oponham (incluindo os Partidos da Oposição e o Tribunal Constitucional), deviam pensar melhor no assunto. A realidade é imparável – e se um país como Portugal a ela não se adapta corre o risco de ficar irremediavelmente para trás e a empobrecer. Como desde o final dos anos 90 tem vindo a acontecer. Já não chega?!...

Economista. Ex-secretário de Estado do Tesouro e das Finanças

miguelfrasquilho@yahoo.com

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