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Confiança no futuro

Creio que as boas notícias virão, também da Europa: as experiências com a Troika deverão ser aproveitadas para tornar os necessários ajustamentos futuros mais realistas; a união bancária está finalmente a avançar.

 

Portugal está a um mês de terminar o Programa de Assistência Económica e Financeira a que se encontra submetido desde Maio de 2011. E de o terminar favoravelmente - porque foi evitado um segundo resgate. Como, afinal, todos queríamos que acontecesse.

 

Foram 3 anos muito duros e exigentes - como já se sabia que seriam. E que nunca poderiam ter sido muito diferentes, independentemente de quem estivesse a governar-nos. Porquê? Porque quem pede ajuda financeira fica numa posição bastante frágil perante os credores; e também porque a condicionalidade subjacente à ajuda de que dispusemos foi inicialmente mal projectada e, depois, insuficientemente corrigida para se tornar realista. Com responsabilidades maioritárias dos credores: os devedores devem sempre dar o seu melhor para atingir os objectivos acordados e, dessa forma, tentar recuperar credibilidade e ultrapassar a situação em que caíram.

 

E o futuro? Repleto de dificuldades, bem o sabemos. A condicionalidade e a monitorização apertada dos nossos parceiros europeus irão manter-se até que tenhamos reembolsado 75% do montante total que nos foi emprestado (ou seja, até cerca de 2035). E existem também os objectivos do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Tratado Orçamental Europeu para cumprir. Para tanto, é preciso tornar a despesa pública sustentável - o que só se conseguirá combatendo, de forma estrutural, os efeitos da demografia (quebra da natalidade e envelhecimento da população) e da economia (ritmo mais lento de crescimento) - tanto em Portugal como na Europa .

 

Ao mesmo tempo, é fundamental prosseguir a transformação estrutural da economia - que, sem podermos dispor de política monetária e cambial, nos permita ser competitivos à escala europeia e à escala global. Continuando a actuar em áreas tão diversas como, entre outras, a qualificação dos recursos humanos, o mercado de trabalho, a justiça, a Administração Pública, e mobilidade (infra-estruturas ferroviárias e portuárias), concorrência, ou “last but not least”, a "menina dos meus olhos": a política fiscal (aliviar fiscalmente a sociedade é prioritário para conseguirmos potenciar o crescimento económico -, mas está intimamente ligado aos progressos na redução estrutural na despesa pública).

 

Mas creio que nem só de dificuldades o nosso futuro será feito. Felizmente as notícias económicas têm sido progressivamente mais positivas desde meados de 2013: a recuperação chegou com um dinamismo inesperado (pelo menos para mim, confesso) - e os indicadores avançados e de confiança de diversas instituições (Banco de Portugal, Comissão Europeia, INE, OCDE...) não deixam antever qualquer inversão desta tendência - pelo contrário! Positivo é também o facto de o investimento ter invertido a tendência de queda desde meados de 2013 - com o peso do investimento mais reprodutivo (em máquinas e equipamento) a aumentar (descendo o menos reprodutivo investimento em construção); ora, só o investimento permitirá manter o dinamismo das exportações - que, apesar dos evidentes progressos dos últimos anos, que elevaram o seu peso para mais de 40% do PIB (ajudadas, também, claro, pela recessão que enfrentámos), continuam ainda longe dos registos de países europeus comparáveis (Áustria, Bélgica, Dinamarca, Eslováquia, Holanda, Irlanda ou República Checa, entre outros). É, assim, fundamental, continuar a melhorar as condições que permitam que investimento e exportações possam ser (ainda) mais dinâmicos do que os últimos dados conhecidos sugerem: só com investimento poderemos criar mais e melhores empregos (e combater eficaz e duradouramente o desemprego); só com investimento será possível exportar cada vez mais e melhorar as condições de vida da população (numa pequena economia aberta, as naturais limitações do mercado interno conferem às exportações um papel fundamental na criação anual de riqueza).

 

Além disso, creio que as boas notícias virão, também da Europa: as experiências com a Troika deverão ser aproveitadas para tornar os necessários ajustamentos futuros mais realistas; a união bancária está finalmente a avançar (evitando o envolvimento dos Estados em resgates bancários, como aconteceu com a Irlanda); o BCE parece, enfim!, poder vir a ter uma política monetária mais activa e próxima da do Fed - incluindo a utilização de instrumentos de estímulo não convencionais, como a compra de dívida pública e privada ("quantitative easing") - para combater os riscos de uma inflação demasiado baixa. O que é de saudar, porque irá, sem dúvida, beneficiar a Zona Euro e, como tal, Portugal (1).

 

Tudo somado, pode concluir-se que tivemos de mudar de vida - e o "antes do resgate" não voltará. Estamos a fazer, com atraso, e por pressão dos credores, as mudanças que não soubemos fazer, por nossa iniciativa, nem quando aderimos ao Euro, nem nos anos que se seguiram (2). Muito já foi feito; muito continua por fazer. Mas, como acima escrevi, apesar das dificuldades que continuarão, inevitavelmente, a existir, há boas razões para termos confiança no futuro.

 

Nota: Depois de 11 anos consecutivos como colaborador do Jornal de Negócios, interrompo agora os meus escritos na coluna "Pensar Economia", por força de novas funções que iniciarei em breve. Foi para mim um privilégio colaborar com este jornal de referência no panorama nacional ao longo das Direcções de Sérgio Figueiredo, Pedro Santos Guerreiro e Helena Garrido, por ordem cronológica. E, evidentemente, foi uma honra ter sido acompanhado por si, caro leitor. Como se costuma dizer, o futuro a Deus pertence mas, na parte que me toca, não se trata de um "adeus". Se me permite, caro leitor, "até já!". 

 

(1) A evolução económica recente nos EUA e na Zona Euro é elucidativa: entre 2009 (ano da recessão global) e 2013, o PIB real e o emprego evoluíram, respectivamente, 9.4% e 2.9% nos EUA, e 2.5% e -1.5% na Zona Euro... Uma disparidade para a qual em muito contribuiu a condução da política monetária.

 

(2) É claro que a muito imperfeita arquitectura do edifício da moeda única europeia em nada ajudou, sobretudo na procura de soluções adequadas -, mas a verdade é que houve países da Zona Euro que não tiveram problemas... logo, os que os tiveram, como nós, devem, antes de tudo, procurar em casa as razões desses problemas. 

 

Economista. Ex-Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças

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