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16 de Junho de 2024 às 21:25

"Viabilizar o OE é seguramente a atitude mais racional e inteligente para o PS"

No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a UE pós-eleições, António Costa na Europa, orçamento e educação, entre outros temas.

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A EUROPA PÓS-ELEIÇÕES

  1. Há quatro grandes conclusões a tirar à escala europeia destas eleições:
  • A primeira é a mais positiva: o centro voltou a vencer na Europa. A moderação ganhou ao populismo. As famílias políticas do centro-direita e do centro-esquerda continuam a ter a maioria absoluta dos deputados no Parlamento Europeu.
  • A segunda é má, mas menos má: a extrema-direita subiu na Europa, mas subiu menos do que se previa e, sobretudo, subiu de forma irregular. Há países em que cresceu muito. Há países em que cresceu pouco ou nada. Há países em que até perdeu. Não há uma tendência europeia. Cada país é um caso diferente.
  • A terceira é que os socialistas estão em recuo na UE. Em 27 Chefes de Estado e de Governo, têm apenas quatro. Menos até que os liberais. E nesta eleição para o PE, tiveram apenas três vitórias. Em 27 Países.
  • Finalmente, a pior de todas: o sismo em França e na Alemanha. Os dois motores da UE estão "gripados". Na Alemanha, pela primeira vez no pós-guerra, a extrema-direita vale mais que qualquer um dos três partidos do governo. Em França, Macron, muito fragilizado, abre caminho a Le Pen na Presidência do país. Um susto que pode fazer implodir a UE, tal como ela existe.
  1. No entretanto, a UE prepara-se para, já amanhã, começar a escolher os seus "top jobs". Nestes momentos, pode haver sempre surpresas, mas as decisões mais prováveis são: as reconduções de Ursula von der Leyen na Comissão Europeia e de Roberta Metsola à frente do Parlamento Europeu e as estreias de Kaja Kallas, primeira-ministra da Estónia, como Alta Representante para a Política Externa e de António Costa no Conselho Europeu.

 

ANTÓNIO COSTA NA EUROPA?

  1. Depois do apoio do Governo português e do chanceler alemão, a escolha de António Costa tornou-se ainda mais provável. Mas, ainda não há certezas e a UE já nos habituou a reviravoltas de última hora. Não é provável, mas é preciso atenção.
  • Uma coisa é certa: no Conselho informal de amanhã não deverá haver ainda consensos definitivos sobre os vários cargos. Pode haver três imponderáveis: primeiro, Emmanuel Macron, que pode querer arrastar este processo para depois das eleições em França; segundo Meloni, que liderando uma país grande e não tendo qualquer cargo para Itália, pode levantar dificuldades; terceiro, Sanchez que, apesar de apoiar António Costa, tem sempre uma velada esperança de chegar a um cargo europeu.
  1. Confirmando-se a escolha de António Costa, será uma decisão prestigiante para Portugal. Como sucedeu com Guterres e Barroso.
  • Claro que, no plano interno, António Costa deixou muitos anticorpos como primeiro-ministro. Desde logo pela forma como chegou ao governo, em 2015. O que leva a que alguns, cá dentro, "torçam" o nariz á sua ida para Bruxelas. A verdade, porém, é que um País como Portugal só se prestigia quando ocupa grandes cargos internacionais. Seja através de uma figura do PSD ou do PS.
  • Acresce ainda a acusação de que António Costa não serve para a UE porque não tem o perfil que a Europa precisa. Por exemplo, não é um reformador. Também aqui a acusação peca por exagero. Se o ex-primeiro-ministro fosse ocupar um cargo executivo na UE, tipo Comissão Europeia, as dúvidas eram legitimas. Só que o cargo que ele se propõe exercer é um cargo diferente: um cargo de coordenação, de diálogo, de fazedor de pontes de entendimento. Ora, nesse perfil, António Costa encaixa perfeitamente.

EFEITOS DAS ELEIÇÕES EM PORTUGAL

  1. Em Portugal, há, sobretudo, três ilações a tirar destas eleições:
  • A primeira e mais importante: ninguém tem vantagem em provocar uma crise e eleições legislativas antecipadas. Não tem vantagem a AD. Provavelmente voltaria a ganhar, mas continuaria longe de uma maioria absoluta. E não tem vantagem o PS. Mesmo que lograsse ganhar, não conseguiria maioria para formar governo. Assim, se houver racionalidade e bom senso, o mais provável é que este Governo dure, pelo menos, até 2026.
  • Segunda, terminou a ideia de que o Chega era um partido em permanente ascensão. Afinal, teve um pesado recuo. Se este recuo foi um percalço ou é uma tendência só o futuro o dirá. Mas há uma coisa óbvia: o "controle" do crescimento do Chega vai depender muito do Governo. Se o Governo governar bem, o Chega terá dificuldade em crescer. Se o Governo falhar, o Chega voltará a crescer.
  • Terceira, o futuro da IL. Até agora, tudo lhe tem corrido bem. Em legislativas e europeias. Mas, mais ano menos ano, a IL estará perante um desafio novo: ambicionar chegar ao Governo. A IL vai ter de começar numa coligação com a AD. Não agora. Mas por ocasião de próximas legislativas. No futuro vai ser inevitável uma coligação entre a AD e a IL. Importante para a estabilidade do País.
  1. Finalmente, o Presidente da República é também, indiretamente, um vencedor destas eleições. Muito provavelmente, não vai ter de fazer uma nova dissolução até ao final do seu mandato. Ao contrário do que se temia. Não há certezas. Mas é a sensação que fica.

 

ORÇAMENTO E EDUCAÇÃO

  1. O Orçamento do Estado (OE) é o próximo embate entre AD e PS. Para Pedro Nuno Santos, o grande desafio é viabilizar o OE. Para Montenegro, o desafio é negociá-lo. Viabilizar e negociar são coisas distintas, mas complementares.
  2. Viabilizar o OE é seguramente a atitude mais racional e inteligente para o PS. Primeiro, porque é isso o que o povo quer: estabilidade; depois, porque PNS tem vantagem em só ter eleições nacionais depois das autárquicas, que pode vencer; terceiro, porque viabilizando o OE evita divisões internas, em especial nos seus autarcas; finalmente, porque desse modo evita o risco de uma derrota eleitoral, podendo comprometer a sua liderança.
  3. Para o Governo, o desafio é negociar o Orçamento. De outra forma, corre o risco de ter o OE viabilizado, mas de ficar com um OE desfigurado: ele é viabilizado na generalidade e é desfigurado a seguir, na especialidade, através de coligações várias da oposição. Se o negociar, pode ter um OE coerente. Assim, o Governo vai ter de decidir duas coisas: primeiro, se negoceia com o PS ou com o Chega; depois, se negoceia antes da apresentação do OE ou só mais tarde. O melhor é negociar previamente, já em setembro, como costumava fazer António Guterres. E o parceiro privilegiado deve ser o PS.
  1. Entretanto, o Governo tem de manter o ritmo intenso de decisões das últimas semanas. Foi o que fez esta semana o Ministro da Educação, com o importante pacote de 15 medidas para ter mais professores nas escolas e menos alunos sem aulas. Foi uma boa decisão, rápida e assertiva. E há outras importantes na calha: o pacote contra a corrupção, prometido pelo primeiro-ministro; a redução do IRC; a revisão do regime de atualização de pensões; a revisão do estatuto dos ex-combatentes.

 

A IMIGRAÇÃO

  1. A decisão que o Governo tomou em matéria de imigração é correta do ponto de vista político. Primeiro, porque era preciso dar um sinal para combater o populismo que se alimenta da imigração; depois, porque era necessário dar outro sinal para os que, apesar dos números, criaram a perceção de insegurança ligada à imigração; finalmente, porque era prioritário privilegiar a legalização dos imigrantes que já cá estão.
  1. Mas do ponto de vista da economia, é uma decisão muito arriscada. A partir de agora vão entrar em Portugal menos imigrantes. E, todavia, nós precisamos de mais imigração. As empresas não têm mão-de-obra suficiente. Em especial, quando os investimentos do PRR estão a atingir a velocidade de cruzeiro. Os números provam isso mesmo:
  • Em 10 anos, de 2014 a 2023, o número de trabalhadores estrangeiros cresceu nove vezes. São já mais de 20% as empresas que recorrem a imigrantes. Porque precisam de mão de obra.
  • Há três setores muito dependentes de imigrantes: a agricultura, o turismo e a construção. Com o PRR, o setor da construção ainda vai precisar de mais trabalhadores estrangeiros.
  • E convém recordar o retrato da nossa imigração: na idade, são sobretudo jovens (média de 33 anos); no género, 63% são homens e 37% são mulheres; na residência, estão sobretudo concentrados na AM Lisboa, AM Porto, Algarve e Litoral Alentejano; lamentavelmente, têm salários 15% mais baixos que os dos portugueses; apesar de qualificações mais altas que os trabalhadores nacionais (67% com ensino secundário ou superior, contra apenas 60% dos portugueses com tais qualificações).
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