Opinião
Ventura parece uma barata tonta
A atual situação da pandemia, a disputa interna no PSD e a ameaça de crise política nos Açores são alguns dos temas abordados por Luís Marques Mendes no habitual espaço de comentário na SIC.
O ESTADO DA PANDEMIA
1. Há razões para precaução, sem dúvida. Mas não há razão para histeria. Muito menos para uma certa dramatização como o Governo fez esta semana, pensando que politicamente a pandemia lhe dá jeito. Faz algum sentido tomar decisões apenas uma semana depois do Infarmed? São duas semanas de especulação. Tudo muito artificial. Os números mostram isso mesmo. Vejamos:
· Primeiro: se compararmos a situação de hoje com a mesma realidade de há um ano constatamos: temos cerca de 1/5 dos internados de há um ano, seja em internamento geral, seja em UCI; e temos cerca de 1/6 do número de óbitos no mesmo dia do ano passado. Tudo por efeito da vacinação.
· Segundo: o mesmo se diga da nossa comparação com a Europa. Há países que estão a decretar restrições. Alguns até a confinar. Mas estão a fazê-lo porque o agravamento da sua situação se deve a baixas taxas de vacinação. É o caso da Áustria, da Alemanha, da Letónia, da Croácia ou da República Checa. Não é o caso de Portugal. A nossa alta taxa de vacinação protege-nos muito sobretudo de doença grave e de morte.
2. Claro que o nosso número de infeções está a subir. Sobretudo na população jovem. Mesmo assim, estamos a menos de metade do número de casos do ano passado. Compreende-se, porém, alguma preocupação. Estamos a chegar ao Inverno e ao Natal. Por isso, o Governo vai tomar medidas. Mas há que dizer:
· Há medidas que se justificam: acelerar a vacinação; aumentar a testagem e recomendar os auto-testes, uma ou duas vezes por semana e no Natal; alargar a obrigação do uso de máscara em recintos fechados; reforçar o controle de fronteiras; multiplicar a exigência do Certificado Digital.
· Mas há medidas que, de todo, não se justificam: restrições de circulação; restrições de lotações; restrições em restaurantes, centros comerciais ou similares; reposição da obrigatoriedade do teletrabalho.
Esperemos que haja bom senso. Precaução, sim; histeria e dramatização, não.
A VACINAÇÃO
1. Comecemos pelo estado da arte:
· Reforço das vacinas Covid: a população total a vacinar com mais uma dose é agora de 3,4 milhões; até ao momento foram vacinadas 737 mil pessoas; o objectivo oficial é chegar a 19 de Dezembro com 1,6 milhões vacinadas(maiores de 65 anos). A parte restante está por programar.
· Vacina da Gripe: há, em principio, 2 milhões de pessoas a vacinar; até ao momento foram vacinadas 1,5 milhões. O objectivo é concluir este processo em 20 de Dezembro.
2. Aqui chegados, há que realçar alguns erros da DGS que não deviam existir:
a) Primeiro erro: o atraso. Este processo de reforço da vacinação Covid está atrasado. Perdeu-se parte do mês de Outubro. Não devia ter acontecido.
b) Segundo erro: a falta de planeamento. Primeiro, a população elegível era de cerca de 1,6 milhões. Agora, de repente, duplicou: passaram a ser também elegíveis os vacinados com a Janssen. Esta gestão a conta-gotas dá cabo de qualquer organização. Não há planeamento que resista.
c) Terceiro erro: a logística. Reduziu-se a Task Force da vacinação. Desmontou-se uma grande parte dos centros de vacinação. Agora temos que voltar ao início. Fazer normas é mais fácil que vacinar.
d) Quarto erro: a comunicação. Continua a ser um desastre. Alguns exemplos:
· Pessoas com doenças graves que foram prioritárias na primeira fase da vacinação. Quando são vacinadas? Ninguém sabe.
· Vacinados da Janssen. Vão receber 2ª dose. Quando? Ninguém sabe.
· Idosos nos Lares – Têm, em regra, uma visita semanal da família. Parece que estão a acabar tais visitas. É mesmo assim? Ninguém sabe.
· A própria mensagem da vacinação. É tão trapalhona que só ajuda os negacionistas. É preciso mostrar que, se hoje não precisamos de confinar como noutros países e se não temos um elevado número de óbitos, isso se deve ao sucesso da nossa alta taxa de vacinação.
CRESCIMENTO ECONÓMICO
1. A questão mais decisiva que Portugal enfrenta – o baixo nível de crescimento económico – foi suscitada esta semana não pelo PM ou pelo líder da oposição mas por um prestigiado banqueiro: António Horta Osório (chairman do Crédit Suisse) em conferência do Negócios. Ele foi especialmente cruel:
· "É dramático que em Portugal se ganhe 1000 euros líquidos em média por mês. Na Irlanda ganha-se o dobro. Por que é que Portugal cresce 1% ano nos últimos 20 anos e a Irlanda, pequena como nós, cresce 5%?"
3. Este deve ser o grande tema da próxima campanha eleitoral. Não pode ser a pandemia. O nosso futuro colectivo depende da resposta a este desafio.
a) Há 20 anos que estamos estagnados. Temos crescimentos medíocres. Ao contrário, os países de Leste ultrapassam-nos. Já foram cinco nas últimas duas décadas. O último foi a Lituânia, já durante o Governo PS. Parece que a Polónia também já nos ultrapassou. Comparativamente, estamos mais pobres.
b) Isto não é um problema estatístico. É um problema para as pessoas de "carne e osso". Sem forte crescimento económico não crescem os salários , não se melhoram os empregos, os jovens de maior talento fogem de Portugal.
c) Se a Irlanda cresce, se os países de Leste crescem, por que é que nós não crescemos? A receita é conhecida: baixar impostos para atrair investimento; exportar mais; melhorar a gestão das empresas; apostar na competitividade e na produtividade.
d) Os partidos têm que ter propostas para este desafio. E, se forem preguiçosos, façam ao menos um exercício simples: vejam as conclusões do Congresso da SEDES que está a realizar-se por áreas temáticas. Notável o exemplo da SEDES – propostas estruturadas, concretas e bem fundamentadas.
ELEIÇÕES INTERNAS NO PSD
1. Tem sido uma campanha morna. A falta de debates contribui para isso. Mas não é uma campanha que prejudique a imagem do PSD. Bem pelo contrário. Dá-lhe visibilidade e protagonismo. O PSD não está a perder com esta campanha.
2. Ninguém sabe quem vai ganhar. Não há sondagens aos militantes do PSD. Pode ganhar Rio. Pode ganhar Rangel. Mas nos últimos dias houve sinais negativos para Rui Rio e sinais favoráveis a Paulo Rangel.
a) Primeiro: a maior Distrital do país em número de militantes (Porto) decidiu por unanimidade apoiar Paulo Rangel. A novidade é que no passado esta Distrital esteve sempre com Rui Rio. Agora, mudou para Rangel. O mesmo já tinha sucedido com outras (caso da Guarda). Mudaram para Rangel.
b) Segundo: há várias personalidades de referência do Partido que no passado apoiaram Rio e agora ou apoiam Rangel ou ficam neutrais:
· Amândio de Azevedo, um fundador do PSD e amigo de Sá Carneiro, apoia agora Rangel, quando antes sempre apoiou Rio; Francisco Pinto Balsemão, Manuela Ferreira Leite, Nuno Morais Sarmento – antes apoiaram Rio, agora deixam de o apoiar, ficando neutrais.
· O caso mais emblemático é mesmo Nuno Morais Sarmento. É actual vice-presidente de Rui Rio. o vice-presidente mais político de todos. Foi sempre seu apoiante. Decidiu ficar neutral. Na prática, decidiu não apoiar Rio.
c) Terceiro: mesmo assim, é difícil fazer previsões. Cada militante pensa e decide pela sua cabeça.
VENTURA QUER CRISE NOS AÇORES
1. Aparentemente não vai cair o Governo dos Açores. O deputado do Chega, pelo que se viu da sua declaração, decidiu não seguir as orientações de Ventura. Na prática, o deputado açoriano do Chega, desautorizou o líder do Chega.
2. Se o Chega fizer cair o Governo, é um favor que faz ao PSD. A Região vai para eleições e o PSD ganha-as com facilidade. Primeiro, porque o Governo está bem visto na população; segundo, porque tem tomado medidas populares (redução de impostos); terceiro, porque já nas últimas autárquicas o PSD subiu bastante.
3. Finalmente, tudo isto mostra que André Ventura não é um líder credível e confiável. É inteligente. Tem discurso assertivo. Mas não se pode levar a sério.
· Primeiro, parece um dirigente estudantil. Actua com base em birras, amuos e chantagens. Há um ano queria viabilizar o Governo nos Açores. Um ano depois quer derrubá-lo. Sem ofensa, parece uma barata tonta.
· Este homem quer abrir uma crise política nos Açores, a seguir à crise política que há no país? Isto não é próprio de uma pessoa responsável.
· Em vésperas de legislativas, isto é um monumental tiro no pé. O futuro líder do PSD tem de fazer a separação entre os eleitores do Chega e o líder do Chega. Tem de falar para os eleitores do Chega, que merecem respeito. E esvaziar André Ventura, que não é confiável.
CRAVINHO NO PARLAMENTO
1. O Ministro da Defesa foi ao Parlamento esclarecer o Caso Miríade. Foi pior a emenda que o soneto. Foram só trapalhadas e contradições. Vejamos:
· Até agora, a versão oficial é que havia pareceres jurídicos a aconselhar o Ministro a não falar com o PM e PR. Afinal era tudo mentira.
· Até agora, a versão governamental é que o MDN não tinha informado o PR e o PM por causa do segredo de justiça. Agora, a versão mudou – o Ministro não informou porque não se apercebeu da gravidade do caso.
· Cada semana que passa mais uma contradição, mais uma trapalhada.
2. A sensação que fica é que, quando o Governo deu a informação à ONU, ou se esqueceu de a dar também ao PR ou não a quis dar ao PR. E agora, para evitarem um conflito institucional, andam com explicações esfarrapadas, trapalhadas, mentiras e mentirinhas. Uma vergonha.
3. Se a versão do Ministro estivesse certa, era caso para dizer que seríamos o único país do mundo em que um Ministro era mais credível para ter acesso a informação delicada do que um PM e um PR. Podia confiar-se no Ministro para guardar um segredo. Já não se podia confiar no PM nem no PR. Bonito atestado de desconfiança que o Ministro está a passar ao PM e ao PR.