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19 de Fevereiro de 2023 às 21:42

Parece que deu um ataque de socialismo radical a Costa

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o pacote de medidas para a habitação apresentado pelo Governo, bem como sobre os abusos sexuais na Igreja e da luta dos professores.

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O CUSTO DE VIDA

 

1.     Estamos confrontados com um problema sério: o continuado aumento do custo da alimentação, quando a inflação global já está a baixar e sem que se percebam as causas desta situação. Vejamos:

·     O cabaz alimentar da Deco Proteste, com 63 produtos essenciais, teve no espaço de um ano um aumento de 24,5%. O triplo da inflação global.

·     Os aumentos são generalizados a todos os produtos básicos (carne, peixe, cereais e lacticínios) e atingem nalguns produtos aumentos da ordem dos 60%, 70% e 80%.

·     Se há um ano esta tendência era natural (início da guerra, subida dos preços da energia, mudança de cadeias de abastecimento de cereais), agora já não é compreensível. O custo dos fatores de produção está a baixar ou a estabilizar. Logo, os preços dos alimentos deviam estar a baixar ou, pelo menos, a estabilizar. Mas continuam a aumentar.

 

2.     Este problema leva-nos a uma conclusão quase inevitável: alguém está a enriquecer de forma ilegítima. Não suspeito de ninguém em particular: o produtor, o armazenista ou o retalhista. Mas tudo é muito estranho.

·     É essencial que a ASAE possa analisar, averiguar e oferecer-nos explicações claras e convincentes.

·     Até por duas razões: primeiro, esta subida do custo de vida já não é apenas um problema da população mais pobre e carenciada. É um problema que está a "esmagar" também a classe média. Segundo, o Estado vai ter de voltar a ajudar os mais afetados. Mas a mão financeira do Estado não pode existir ad eternum. Precisamos de começar a preparar o gradual regresso à normalidade.

 

 

 

PROGRAMA MAIS HABITAÇÃO

 

1.     Por que é que há uma crise séria na habitação? Três razões essenciais: pouca construção; muitas casas vazias; preços muito elevados.

·     Segundo o INE, na 1ª década deste século (2000-2010) construíram-se 988 mil alojamentos. Nesta última década (2010-2020) construíram-se apenas 169 mil. Quase seis vezes menos. Do que precisamos? De construir mais: setor privado, público e cooperativo.

·     Segundo o INE, há em Portugal 723 mil fogos devolutos. Pelo menos metade serão fogos arrendáveis. Do que precisamos? Estabilidade nas regras, previsibilidade e fortes incentivos ao arrendamento.

·     Sem isto, com pouca oferta e alta procura, os preços sobem em flecha.

 

2.     O Governo identifica bem os objetivos a atingir. E tem várias medidas positivas. À cabeça, a simplificação dos licenciamentos municipais. Uma forte ajuda ao investimento e aos investidores. Mas comete 4 pecados capitais.

·     Primeiro, o programa surge com vários anos de atraso. São 7 anos perdidos. E é só um Power Point. Previsão de metas e resultados? Nada.

·     Segundo, o programa não foi articulado com as autarquias locais. Um erro. Na construção e no alojamento local as autarquias são essenciais.

·     Terceiro, o programa mata o alojamento local. Reduzi-lo e regulá-lo era e é necessário. Matá-lo é um erro e uma injustiça.

·     Quarto, este programa, se não for revisto, mata de vez o mercado de arrendamento. A desconfiança está instalada.

 

3.     Disparate dos disparates, é a medida do arrendamento à força. Nem parece de António Costa, um socialista moderado. Parece que lhe deu um ataque de socialismo radical. Soares, Guterres ou Sócrates nunca fizeram nada disto.

·     Disparate, porque é um ataque à propriedade privada. Num país de pequenos e médios proprietários. A começar nos emigrantes.

·     Disparate, porque dificilmente "passará" no Tribunal Constitucional.

·     Disparate, porque mesmo indo por diante, é impossível aplicá-la. A logística, a burocracia e a litigância seriam intermináveis.

·     Disparate, porque uma só medida mina a credibilidade de todo o programa e a confiança dos cidadãos no Estado e no arrendamento.

 

DEBATE PÚBLICO DO PROGRAMA

 

1.     Este Programa vai ser sujeito agora a um período de discussão pública. Ainda bem. Essa é uma decisão acertada. O que se impõe fazer? Aprofundar as medidas positivas. Corrigir ou erradicar as que são negativas. Vejamos:

a)     Pontos positivos do Programa:

·     A simplificação dos licenciamentos municipais;

·     A conversão de imóveis de comércio e serviços em habitação;

·     O apoio às famílias na subida das taxas de juro;

·     O subsídio de renda e os incentivos ao arrendamento;

·     A decisão de o Estado arrendar para subarrendar a seguir.

·     A taxa fixa no crédito à habitação.

b)     Pontos negativos:

·     Há Estado a mais. O Estado é senhorio, inquilino, promotor e fiador;

·     Cria-se um novo monstro burocrático;

·     Há um golpe excessivo no alojamento local;

·     O tecto para novas rendas desincentiva o arrendamento;

·     O arrendamento compulsivo "mata" a confiança;

·     Falta envolver e apoiar cooperativas de habitação.

 

2.     Vê-se que o Governo mudou de estratégia e quer retomar a iniciativa política. Mas não começou bem. Este programa parece uma salada russa. Tem boas medidas e depois tem outras que "matam" os efeitos positivos das primeiras. E o primeiro-ministro, que anda a dar entrevistas a querer passar uma imagem de moderação, estragou a pintura com um ou dois radicalismos inúteis.

 

 

ABUSOS SEXUAIS NA IGREJA

 

1.     Este relatório é aterrador. Um verdadeiro sismo na Igreja portuguesa. A Igreja traiu as crianças que jurou proteger. E traiu os seus próprios princípios e valores. Há aqui um lado negativo; um lado positivo; e desafios de futuro.

a)     O lado negativo é o passado negro agora investigado: abusos sexuais sem qualquer controle; vítimas indefesas e desamparadas; padres abusadores sem qualquer punição; responsáveis da Igreja que encobriram e não denunciaram; falta de vontade de esclarecer e investigar.

b)     O lado positivo é o presente virtuoso. Primeiro: uma comissão que fez um trabalho notável – muito profissional e muito independente. Nem a favor, nem contra a Igreja. Ao lado da verdade. Segundo: uma estrutura da Igreja, que, depois de muitas hesitações e vários tiros nos pés, parece agora, finalmente, querer mudar de vida.

 

2.     O futuro é agora o mais decisivo. Perante este sismo, a Igreja não pode ficar-se por palavras, pedidos de desculpa e de perdão. Exigem-se atos concretos. Sem isso, a Igreja não recupera autoridade e credibilidade.

·     Primeiro, apoio efetivo às vítimas. Seja apoio psicológico, seja apoio através de compensações financeiras.

·     Segundo, mão pesada para os abusadores. Padres suspeitos de abusos que ainda estão no ativo têm de ser imediatamente afastados. Sem isso, ninguém acredita em mudança.

·     Terceiro, escrutínio exigente e ação firme sobre eventuais encobridores. As suas responsabilizados são igualmente brutais.

·     Finalmente, pode discutir-se o fim do celibato e o direito dos padres a casarem. Nada contra. Mas esse debate não deve ser misturado com a questão dos abusos sexuais. Com celibato ou sem celibato, nada justifica um crime hediondo como agredir sexualmente uma criança.

 

O ESTADO DA OPOSIÇÃO

 

1.     A maioria absoluta é uma máquina trituradora de líderes. Agora, a vítima foi a líder do BE. Mais uma prova de que a geringonça foi um bom negócio para António Costa, mas um mau contrato para o BE e o PCP.

·     Catarina Martins esteve no melhor e no pior do BE dos últimos anos. O melhor foram os excelentes resultados eleitorais de 2015 e 2019. O pior foi a ideia de derrubar o Governo Uma estratégia desastrosa.

·     Catarina Martins sai da liderança do BE mas não sai da política. Ela pode ser, em 2026, a candidata presidencial apoiada pelo Bloco.

·     Mariana Mortágua é a sucessora natural. É competente, combativa e assertiva. Vai fazer subir o BE porque o partido desceu muito. Falta saber se conseguirá atingir o patamar eleitoral de Catarina Martins.

 

2.     O PSD, que já mudou de líder, tem pela frente um desafio e um problema:

·     O desafio é o de acelerar a apresentação de causas. É cedo para apresentar um Programa Eleitoral de Governo. Mas Luís Montenegro não pode fazer, apenas, um discurso de crítica e de "bota abaixo". Tem de ter propostas. Como teve agora na habitação. Num tempo em que o Governo se degrada, os cidadãos esperam mais da oposição.

·     O problema é político e de comunicação. Nas últimas semanas, o PSD teve duas boas iniciativas: na educação e na habitação. Em particular na habitação. O programa do PSD está bem feito, bem estruturado e tem boas propostas. Mas o país não conhece nenhuma medida. A mensagem não passa. O que passa é todo o ruído em torno do Chega e de eventuais entendimentos com o Chega. Convém que o PSD resolva esta questão antes que seja tarde.

 

A LUTA DOS PROFESSORES

 

1.     A luta dos professores mantém-se num impasse. Perante este impasse, alguns sindicatos e associações vieram "exigir" a presença do primeiro-ministro nas negociações. Alguns fazem este pedido com boa intenção. Querem desbloquear o impasse. Outros fazem-no com reserva mental. Querem "matar" politicamente o ministro. Em qualquer caso, essa exigência é impossível de satisfazer.

·     Nenhum primeiro-ministro participa em negociações desta natureza. Fazê-lo não era só desautorizar o ministro. Era remodelar o ministro. E nenhum primeiro-ministro substitui um ministro nestas circunstâncias negociais.

·     Coisa diferente é a presença do ministro das Finanças nas negociações. Não é habitual. E provavelmente não vai mesmo suceder. Mas, neste caso especial, talvez ajudasse à eficácia das negociações. Algumas das questões em negociação podem ter implicações noutros setores e noutras carreiras. Neste contexto, a visão transversal do ministro das Finanças poderia fazer sentido. E aqui não haveria desautorização do ministro da Educação.

 

2.     No entretanto, há três questões a realçar:

a)     Primeiro: serviços mínimos. Concorde-se ou discorde-se, é a lei que os prevê e foi um tribunal arbitral a decidir.

b)     Segundo: parecer da PGR sobre a greve do STOP. Não parece ser muito conclusivo. Mas, uma vez homologado, tem de ser cumprido.

c)     Terceiro: um factor de esperança. O Presidente da República veio dizer publicamente que talvez até à Páscoa haja um acordo. Temos aqui um farol de esperança. Bem necessário. Os professores precisam de melhorar a sua vida; e as escolas precisam de recuperar a normalidade.

 

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