Opinião
"O primeiro-ministro está em desespero com o processo judicial"
No seu espaço habitual de comentário na SIC, Luís Marques Mendes fala esta semana o discurso de António Costa, os casos João Galamba e Mário Centeno, as eleições em março, entre outros temas.
O DISCURSO DE ANTÓNIO COSTA
- No espaço de poucos dias, de terça-feira para sábado, o primeiro-ministro passou da dignidade para o desastre. Na terça-feira, demitiu-se com grande elevação e dignidade. É certo que não tinha alternativa depois de tudo o que sucedeu com o seu Governo. Mas saiu com dignidade e isso é de saudar.
- Já no discurso de ontem, o primeiro-ministro foi um desastre. A sua intervenção é confrangedora e até patética:
- Primeiro, ao contrário do que diz o primeiro-ministro, o problema não é a bondade dos investimentos. É a sua legalidade. É isso o que a justiça está a escrutinar. Ainda não sabemos se há crimes. Mas já sabemos que há demasiadas promiscuidades com o Governo. O primeiro-ministro devia ter dado explicações. Não deu.
- Segundo, o pretexto foram os investimentos. O objetivo foi tentar condicionar a justiça. Neste caso o Ministério Público e o Supremo Tribunal de Justiça. No caso do Ministério Público é um atrevimento. No caso do Supremo Tribunal de Justiça uma indecência. Tudo altamente censurável. Mostra que o primeiro-ministro está em desespero com o processo judicial. Mas mostra também que o primeiro-ministro não tem limites. Vale tudo.
- Terceiro, o primeiro-ministro está com medo das medidas de coação que o Juiz vai aplicar aos detidos. Está com medo de que o seu Chefe de Gabinete e o seu melhor amigo fiquem em prisão preventiva. Está com medo de que as medidas de coação o comprometam ainda mais. Por isso, falou ontem. Para deixar cair o amigo e colaborador que durante anos apoiou.
- Quarto, este é o discurso de um primeiro-ministro que usa os amigos e colaboradores quando lhe dão jeito e os descarta quando eles estão em desgraça.
4. Diogo Lacerda Machado, agora em desgraça, passou a ser o ex-amigo de António Costa. Mas quando estava em alta, o primeiro-ministro escolheu-o para negociar a TAP, a Banca e os lesados do BES. E deu-lhe o estatuto público de melhor amigo do primeiro-ministro, o que dá muito jeito para fazer negócios. Agora que está detido, deixa-o cair. Nada edificante. Do ponto de vista político, ético ou moral.
GALAMBA E CENTENO
- Ainda que por razões bem diferentes, os casos João Galamba e Mário Centeno são ambos uma vergonha.
- João Galamba é uma vergonha desde o início. Nunca devia ter sido Ministro, porque é um imaturo. Devia ter saído em maio por indecente e má figura. Só não saiu então porque o primeiro-ministro o "usou" para bater o pé ao Presidente da República. E, depois do que sucedeu esta semana, já devia ter saído: ou pelo seu pé, se tivesse um pingo de vergonha, ou por decisão do primeiro-ministro.
- É inadmissível a arrogância com que se apresentou na Assembleia da República na passado sexta-feira. A reafirmar que não se demitia, mesmo depois de ser suspeito de vários crimes e constituído arguido. Foi tão provocador que até parece que tem o primeiro-ministro na mão. Que condiciona e manda no primeiro-ministro.
- Diz-se que sai na terça-feira, depois de uma reunião do primeiro-ministro com o Presidente da República. Espera-se que sim. Mas eu recordo que, para demitir um ministro, não é preciso reunir com o Presidente da República. Basta vontade política do primeiro-ministro.
- Por razões diferentes, é certo, mas Mário Centeno teve também esta semana um comportamento muito pouco edificante.
- Centeno é Governador do Banco de Portugal. Uma entidade independente. Já foi polémica a sua ida do Governo socialista diretamente para o Banco. Agora, a convite de António Costa, enquanto líder do PS, admitiu sair do Banco de Portugal para voltar ao mesmo governo socialista, agora como primeiro-ministro.
- Não interessa agora saber se Centeno é um Comissário político do PS, um delegado do PS ou apenas amigo do PS. O que importa é que Centeno trata o Banco de Portugal como um apeadeiro para as suas ambições políticas. Esteve no Banco de Portugal; saiu do Banco de Portugal; voltou ao Banco de Portugal; e agora queria voltar a sair do Banco de Portugal. Isto é desprestigiante para a imagem de independência do Banco.
ELEIÇÕES EM MARÇO
- O Presidente da República decidiu dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas. É uma decisão com riscos. Mas não havia alternativa.
- Primeiro, por uma questão de coerência. O Presidente da República tinha definido doutrina. A saída do primeiro-ministro implicava devolver a palavra ao povo. Tinha de cumprir o prometido. Doutra forma era a sua própria descredibilização que estava em causa.
- Segundo, por uma questão pragmática. Um primeiro-ministro nomeado sem ir a votos é um primeiro-ministro diminuído. Diminuído por não ter legitimidade eleitoral. E um primeiro-ministro diminuído é um primeiro-ministro fraco, sem autoridade, instável e precário. Só faltaria saber quando era "dissolvido". Era uma questão de meses. Até Santana Lopes – faça-se-lhe essa justiça – já depois de deixar de ser primeiro-ministro, reconheceu que, se pudesse voltar atrás, preferia ter tido eleições antecipadas. Ele percebeu que só uma eleição legitima a sério um primeiro-ministro.
- Terceiro, por uma gestão política. Esta maioria está unida, mas está minada por graves suspeitas de corrupção. Perdeu muita da sua credibilidade e legitimidade. O que se vive hoje é pior que o pântano de António Guterres. Dar a voz ao povo era obrigatório.
- Se não se desse a palavra ao povo, essa decisão seria vista como um golpe. Um golpe de secretaria, feito nas costas do povo. O povo não compreenderia. Seria mais combustível para o CHEGA, que faria de imediato uma nova campanha, alegando que os políticos têm medo do Povo. Teria sido um desastre. As eleições antecipadas têm riscos. Mas são o mal menor. A menos má das soluções.
MONTENEGRO/ PEDRO NUNO SANTOS
- Será, quase seguramente, Pedro Nuno Santos. É aquele que, de longe, mais apoios congrega nas bases e nas estruturas do PS. Mesmo assim, é de saudar a candidatura de José Luís Carneiro: pela coragem; pelas suas qualidades políticas – foi um dos melhores Ministros do Governo; e pela postura ética exemplar que tem tido na vida pública, como autarca e governante.
- Caso se confirme esta minha previsão, temos a partir de janeiro uma disputa entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos. Um dos dois será primeiro-ministro. Eu diria que saiu a "sorte grande" a um e a outro.
- Primeiro, saiu a "sorte grande" a Luís Montenegro. Muitos estavam à espera que lhe corressem mal as europeias para o substituírem na liderança do PSD. Corria o risco de não chegar às eleições legislativas. Agora, tem uma probabilidade forte de ser primeiro-ministro. Mas convém que não se deslumbre com a oportunidade. Sem coligação pré-eleitoral com a IL e com a desmotivação que vai nos eleitores laranjinhas, a vitória não é garantida. Não são favas contadas. Para ganhar, Montenegro tem de fazer mais e melhor.
- Segundo, também saiu a "sorte grande" a Pedro Nuno Santos. Se ganhar a eleição a Luís Montenegro, é quase um herói. O contexto político é péssimo para o PS. Mas, se perder, ninguém o vai culpar pela derrota. A culpa é sobretudo da situação gerada, da qual ele não é responsável: suspeições de corrupção no governo, demissão do primeiro-ministro, eleições antecipadas inesperadas. Os problemas de Pedro Nuno Santos são outros: os milhões para a TAP; a trapalhada com a indemnização a Alexandra Reis; e as contradições no caso do Aeroporto. São as suas maiores fragilidades.
O CHEGA PODE SUBIR DE VOTAÇÃO?
- Claro que pode. Este ambiente de suspeita corrupção no Governo é "dinheiro em caixa" para o Chega. O curioso é isto: o primeiro-ministro passa a vida a mostrar-se preocupado com o Chega. Mas é ele, António Costa, com estes comportamentos e estas promiscuidades que dá combustível ao Chega.
- A questão mais importante para evitar o crescimento do Chega não é fazer leis. É escolher bem as pessoas: competentes, integras e sérias. Há anos que PS e PSD não levam a sério a ética, a integridade, a seriedade e o combate á corrupção. São muito permissivos e até oportunistas. Agora foi o PS. No futuro será o PSD. PS e PSD deviam passar a ter mais cuidado na escolha de deputados, ministros, SE e membros dos gabinetes governativos. Não deviam escolher apenas pessoas de confiança. Deviam escolher também pela ética, pela seriedade, pelo caráter. Os dois partidos ou arrepiam caminho ou teremos novas vítimas no futuro. E aí o Chega cresce.
- Mesmo assim, acho que nas eleições de março o Chega não vai subir tanto quanto se imagina. Eleições legislativas não são tão favoráveis ao Chega como seriam ou serão eleições europeias:
- Em legislativas, há uma escolha essencial: a escolha de um candidato a primeiro-ministro. E isto favorece PS e PSD. São os únicos que podem "eleger" um primeiro-ministro.
- Em legislativas, há muito voto útil. À direita e à esquerda. E o voto útil não favorece o Chega. Bem pelo contrário.