Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
A análise de Luís Marques Mendes ao que marcou a última semana da vida nacional e internacional. Os principais excertos da sua intervenção na SIC.
O REGIME DE PRIVILÉGIO PARA A CGD
- Por que surgiu este regime de privilégio? Por três razões:
a) Primeiro: porque os gestores da Caixa pediram. Estão no seu direito.
b) Segundo: porque o Governo aceitou o pedido. E não devia ter aceitado. O Governo colocou-se de cócoras perante os gestores. E não o devia ter feito. Pensou que ninguém descobria a marosca. E agora está metido num valente imbróglio.
c) Terceiro: António Costa tenta agora "tirar o cavalinho da chuva", dando a entender que nada tem a ver com o assunto. É falso. Tudo isto foi feito porque António Costa concordou e sancionou.
- O Governo tentou esconder o regime de privilégio que criou para a CGD. Esta é a primeira coisa grave. É que tudo isto foi feito às escondidas, de forma camuflada, para ninguém perceber.
- O Governo escondeu este regime de privilégio de toda a gente – dos seus parceiros de coligação, da Assembleia da República e sobretudo dos portugueses.
- As provas são claras: o Governo aprovou a 8 de Junho e Mário Centeno explicou à imprensa o que se pretendia fazer com o DL. O que diz a imprensa do dia seguinte, invocando as explicações de Mário Centeno? Que o DL era para resolver o problema salarial. Nunca o Ministro fala em escrutínio.
- Conclusão: o Governo não agiu de boa-fé. Agiu com reserva mental. Desviou as atenções para a questão salarial porque sabia que, se contasse a verdade toda isso provocaria uma tempestade política. Por isso, durante quase três meses, nada se soube. Até a questão ter sido aqui levantada.
- Faz sentido este regime de privilégio? Não. Um regime de privilégio em questões de escrutínio é um golpe no Estado. Nos princípios do Estado de direito (resposta às alegações do Governo).
a) Primeiro: a desigualdade entre gestores. Por que é que há um regime de privilégio em matéria de escrutínio para a CGD e não também para a CP, a Carris, o Metro, ou qualquer outra empresa pública? Elas são todas diferentes – nos desafios, nas responsabilidades e até nos salários. Mas têm que ser iguais no escrutínio dos seus gestores. Por uma única razão: são, todas elas, empresas do Estado.
b) Segundo: a Caixa responde perante o acionista. Diz o Ministro das Finanças: a Caixa já responde perante o Governo, enquanto representante do acionista. Logo, não é preciso mais escrutínio. Mentira pegada. Responde perante o acionista, como qualquer outra empresa pública, em matéria de gestão, desempenho e resultados. Mas no controle de rendimentos e património, os gestores do Estado respondem, todos eles, perante uma entidade independente (o TC).
c) Terceiro: o argumento da devassa. O argumento mais pitoresco que ouvi em defesa do privilégio da CGD foi a da devassa. Os gestores da CGD não apresentam declarações ao TC para evitar a devassa. Mas também há devassa nos políticos e ninguém vai acabar com as suas declarações de rendimentos. Também há devassa no segredo de justiça e ninguém vai acabar com ele. Em suma: este não é um argumento. É um pretexto para defender um privilégio.
- O que deve suceder agora?
a) A melhor solução seria a de os gestores da Caixa tomarem a iniciativa e disponibilizarem-se a apresentar voluntariamente as declarações de rendimentos. Com mudança ou sem mudança ao DL do Governo. António Domingues deve ser factor de solução e não de bloqueio. Primeiro, porque nesta matéria não lhe assiste razão; segundo, porque está a deixar passar uma imagem de arrogância que não é positiva; terceiro, porque está isolado (nem sequer o PS sustenta esta posição); e, sobretudo, porque um gestor competente também é para estes momentos complexos e tumultuosos e não apenas para os tempos normais.
- Até porque (e digo-o em primeira mão) eles próprios já apresentaram à IG de Finanças a declaração sobra as participações que detêm noutras empresas.
b) A solução alternativa está já em marcha. É a Assembleia da República alterar o DL do Governo. E neste momento BE, PCP, PSD e CDS estão unidos neste objectivo. E já não podem recuar.
c) Uma coisa é certa: era bom desbloquear este assunto nas próximas 24 ou 48 horas.
O INCENDIÁRIO SCHÄUBLE
Três apontamentos sobre as declarações do Ministro das Finanças alemão:
- Primeiro: são declarações inaceitáveis. Um ministro de um país estrangeiro meter-se na política interna de outro país é sempre qualquer coisa de inaceitável. Seria a mesma coisa que Augusto Santos Silva criticar a Sra. Merkel pelo desastre que foi o seu apoio à Sra. Georgieva na eleição do SG da ONU.
- Segundo: estas declarações são um brinde para António Costa. Ainda que possam fazer mossa na imagem externa de Portugal, no plano interno só ajudam António Costa. Na política doméstica uma crítica do governo alemão é dinheiro em caixa para quem é criticado.
- Terceiro: estas declarações são um incómodo para Passos Coelho. Que veio, e bem, censurá-las. É que passa a ideia de que o PSD e Passos Coelho são umas "marionetas" ao serviço de Merkel, de Schäuble e do governo alemão. Ou seja, se a intenção é ajudar Passos Coelho, sai o tiro pela culatra.
RIO VS PASSOS
É muito cedo para falar de disputa de liderança no PSD. A ocorrer, isso só acontecerá no início de 2018. Depois das eleições autárquicas. Mas uma coisa é certa: esta semana as coisas começaram a mudar dentro do PSD. Em três planos:
- Primeiro: Passos Coelho, no fim do Conselho Nacional, desafiou os seus críticos a avançarem contra ele. Não se sabe em quem estaria a pensar. Mas é uma mudança de posição.
- Segundo: surgiu esta semana um novo movimento dentro do PSD. Um movimento de jovens chamado "Portugal não pode esperar". É um sinal positivo e interessante de uma geração mais jovem que quer debater, inovar e participar.
- Terceiro: o Expresso noticia que Rui Rio estará a fazer contactos com vista a uma eventual candidatura. Não sei se é verdade ou não. O que sei são duas coisas:
a) Primeiro: Rui Rio nunca escondeu a sua ambição de poder ser líder do PSD;
b) Segundo: não há mudança de liderança se não existir descontentamento com a liderança que existe. E é isso que vai ser avaliado daqui a um ano.
LICENCIATURAS FALSAS
- Dois cursos aldrabados, duas demissões em gabinetes ministeriais (uma no gabinete do PM, outra no Ministério da Educação). O que é que isto significa? Quatro coisas:
a) Primeiro: que estamos perante duas aldrabices. E que os Ministros e Secretários de Estado deviam ser mais rigorosos a avaliarem os curricula académicos das pessoas que contratam;
b) Segundo: que há muita gente nas juventudes partidárias que não sabe fazer nada, que nunca tirou um curso, que não tem habilitação profissional e depois inventa licenciaturas para poder alcançar um emprego;
c) Terceiro: que continua em Portugal a mania dos títulos académicos. A obsessão do Dr. e Eng.º . Um mau princípio. Falta de crescimento cultural e democrático.
d) Quarto: que pessoas que agem assim têm muito descaramento. Inventam e aldrabam, pensando que as coisas não se descobrem. É tudo uma questão de tempo. A verdade, mais tarde ou mais cedo, vem sempre ao de cima.
- O segundo plano de análise é este: do Verão para cá, não há semana que passe que não haja uma trapalhada no Governo. Ou é a Caixa, ou é o MF que foge a dar informação ao Parlamento, ou são os impostos, ou é o Ministro da Educação. É assim que se vai minando a credibilidade do Governo.
MARCELO EM CUBA
Esta deslocação do Presidente a Cuba merece registo em três aspectos muito singulares:
- Primeiro: é uma visita com uma coincidência política histórica. Marcelo esteve em Cuba no preciso dia em que as Nações Unidas aprovaram, pela primeira vez em mais de 50 anos, uma Resolução condenando o bloqueio económica a Cuba. Isto é histórico. E o PR estava lá.
- Segundo: é uma vista com um lado romântico. Trata-se do encontro entre Marcelo e Fidel Castro. Compreendo este interesse. Fidel Castro, goste-se ou não das suas ideias, é uma personalidade que exibe fascínio. Eu próprio fui testemunha disso há 15 anos quando o conheci pessoalmente.
- Terceiro: é uma visita com interesse económico para Portugal.
- Cuba é um país em profunda transformação.
- Está a abrir-se muito ao investimento estrangeiro (já há, por exemplo, investimento francês em Cuba).
- E pode constituir mais uma boa oportunidade de negócio para as empresas portuguesas.
AS MORTES NOS COMANDOS
- Finalmente vieram a público as principais conclusões do inquérito à morte de dois militares que estavam em formação nos Comandos. A primeira palavra que se impõe é para as chefias militares – prometem um inquérito e cumpriram. Fizeram o inquérito e divulgaram as suas conclusões.
- Quanto às conclusões há a destacar três aspectos lamentáveis:
a) Primeiro: a violência extrema destes cursos de formação. Diz-se nas conclusões que os dois jovens que vieram a falecer, já meio desfalecidos, "foram mandados rastejar até à ambulância". Ora isto, a ser verdade, é uma desumanidade, uma selvajaria. Isto não é uma prática própria de homens, mas sim de animais.
b) Segundo: a negligência médica. Do que veio a público, constatou-se que os dois jovens que faleceram estiveram duas horas sem assistência médica. Isto não é minimamente aceitável.
c) Terceiro: abandono dos doentes. Do que também foi divulgado, constata-se que o médico que viu os dois jovens saiu da base militar, não se fez substituir por outro médico e deixou os doentes ao cuidado dos enfermeiros. Como bem disse o Bastonário da Ordem dos Médicos, tudo isto é inaceitável.
- Uma nota final: faço votos que as autoridades – militares e judiciais – cumpram as leis e sejam implacáveis a punir o que tiver de ser punido e quem tiver de ser punido. É que uma coisa é a disciplina e o rigor. Outra coisa é o abuso e a desumanidade. Não é suposto que um jovem, saudável e em boas condições físicas, venha a morrer em treinos militares.