Opinião
Nem o Governo acredita no apelo de Costa para aumento de salários
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre os preços dos combustívei, o apelo de António Costa para as empresas aumentarem salários e a adesão da Ucrânia à UE, entre outros temas.
A VACINAÇÃO
A DGS anunciou a nova fase da vacinação: contra a COVID e contra a gripe. Começa a 5 de setembro e tem três novidades em relação ao que hoje existe:
Segunda, o intervalo a respeitar entre a infeção por COVID e a toma da vacina passa a ser de apenas 3 meses (hoje é de 4 meses);
Terceira, os residentes em lares terão este ano uma nova vacina contra a gripe: a vacina tetravalente reforçada, uma vacina recente, com produção mundial limitada e que garante maior proteção. Por isso é que se vai concentrar na população mais frágil dos lares de idosos.
Parece-me que a DGS agiu bem. Quer nas mudanças que introduziu, quer no anúncio com bastante antecedência. Uma dúvida apenas: acho que a vacina da gripe devia ser recomendada para maiores de 50 anos, à semelhança do inverno do ano passado. Quem o puder fazer, tanto melhor.
Entretanto, o processo actual de vacinação vai em bom ritmo:
Nos lares já estão vacinados 50 mil utentes, 75% do total dos lares;
Fora dos lares, na população dos 80 ou mais anos, já 40% estão vacinados;
O objetivo é terminar esta fase no fim deste mês de Junho.
OS PREÇOS DOS COMBUSTÍVEIS
Todo o país anda "incomodado" com os preços dos combustíveis. E com razão. É, em grande medida, o efeito da guerra. Mas, se a guerra tem consequências para todos, a resposta dos governos não é igual. Vejamos o caso da Península Ibérica: a guerra que afecta Portugal e Espanha é a mesma. Mas a resposta dos governos é diferente. Em conclusão: os combustíveis em Portugal são mais caros que em Espanha. Fiz um levantamento e cheguei a essa conclusão.
É assim na fronteira de Valença-Tui, a Norte do país: esta semana, em Valença, o gasóleo era 18 cêntimos mais caro que em Tui e a gasolina 23 cêntimos mais cara;
É assim na fronteira de Vila Real de Santo António-Aiamonte, a Sul: esta semana, o gasóleo era 23 cêntimos mais caro em Portugal e a gasolina 39 cêntimos mais cara;
É assim também noutras localidades, designadamente em Madrid, na comparação com Lisboa, e em outras zonas fronteiriças.
E tudo porquê? Porque, segundo os dados mais recentes divulgados por Bruxelas (Weekly Oil Bulletin, de 6 de junho), a carga fiscal em Portugal é mais alta que em Espanha. Vejamos:
Na gasolina, o peso fiscal em Portugal é de 46%. Em Espanha é de 40%.
No gasóleo, a proporção é semelhante: 38% em Portugal contra 35% em Espanha.
Para esta diferença contribui em muito a decisão tomada em abril pelo governo espanhol de atribuir aos automobilistas em Espanha um desconto de 20 cêntimos por litro.
Em conclusão: a guerra é a mesma. As consequências são diferentes.
MELHORES SALÁRIOS?
O primeiro-ministro fez um apelo às empresas para que, até ao final da legislatura, o salário médio nacional suba na ordem dos 20%. A ideia é boa, mas nem os ministros a levam a sério. É o caso do ministro da Economia. Disse Costa Silva ao Expresso: "O primeiro-ministro não dá ponto sem nó, mas como vamos lá chegar não sei". Ou seja, nem o ministro acredita nas intenções do primeiro-ministro. Até o ministro duvida das intenções do primeiro-ministro.
O apelo de António Costa não é mesmo para levar a sério. Parece uma manobra de diversão política. Vejamos:
O primeiro-ministro pede às empresas que façam aumentos salariais mais altos, mas dentro de casa o Governo fez o contrário: aumentou os funcionários públicos no mínimo dos mínimos.
O Governo sabe que para haver salários mais altos é preciso que o país cresça mais e que aumente a produtividade. Ora, não é conhecida nenhuma nova política do Governo para fomentar o crescimento e a produtividade.
O Governo podia ajudar à subida de salários, baixando os impostos sobre o trabalho. Só que até agora fez o contrário. Como diz a OCDE, a carga fiscal sobre o trabalho em Portugal tem vindo a aumentar e não a diminuir.
GOVERNO DESORIENTADO?
Surpreendentemente, apesar de estar no início do mandato, o Governo dá vários sinais de desorientação. E não é só na descoordenação entre o primeiro-ministro e o ministro da Economia. Há sinais também noutras áreas:
Saúde: a degradação nos hospitais está a acentuar-se. Agora, com particular destaque, nos serviços de obstetrícia. Há cada vez mais falta de médicos. Fogem para o privado. E não se vê uma reforma capaz de estancar esta degradação. Se a ministra não começa a remodelar o SNS, acabará ela própria remodelada mais tarde ou mais cedo.
Descentralização: a trapalhada total. São autarcas contra autarcas e autarcas contra o Governo. Todas as semanas há sempre mais uma correcção. O Governo anda sempre a correr atrás do prejuízo.
Combate à corrupção: outra trapalhada. Entrou em vigor a nova autoridade para atuar na prevenção da corrupção. Chama-se Mecanismo Nacional Anticorrupção. Sucede que o novo organismo não tem órgãos, não tem quem o dirija, não tem funcionários nem sede. Só existe no papel.
Novo aeroporto: a última trapalhada. Primeiro, era no Montijo. Depois, talvez em Alcochete. A seguir, haveria um estudo de avaliação ambiental estratégica. Agora, pode voltar a ser no Montijo e cair a avaliação ambiental. Mais uma enorme trapalhada.
Nada disto é bom. Nos momentos difíceis, o país precisa de um governo sólido. É nestes momentos que se veem os líderes.
UCRÂNIA NA UE?
Estamos a duas semanas de a UE tomar uma decisão de capital importância: conceder ou não conceder à Ucrânia o estatuto de candidata à UE. É já no Conselho Europeu este mês de junho.
A minha opinião é esta: se a UE não der à Ucrânia o estatuto de país candidato à UE comete um erro político enorme:
Mostra falta de solidariedade num momento muito delicado da guerra;
Dá um trunfo inesperado e incompreensível à Rússia e a Putin;
Será um sinal grave de divisão na UE, sabendo-se que os países de Leste vão ser categóricos na defesa da posição ucraniana.
Entretanto, há muito que se lhe diga relativamente à posição de Portugal:
Primeiro: Portugal devia estar na linha da frente da defesa da Ucrânia como candidata à UE, até por uma razão de coerência: quando, nos anos 80 do século passado, precisámos da ajuda da Europa, a Europa esteve connosco.
Segundo: é muito preocupante o silêncio do Governo sobre esta matéria. Não é um bom sinal.
Terceiro: esta matéria exige um debate sério na Assembleia da República. Já era tempo de esse debate ser requerido por algum partido ou pelo Governo.