Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
04 de Abril de 2021 às 21:42

"Nada será como dantes" entre Costa e Marcelo e conflito tem consequências "imprevisíveis"

No seu habitual comentário semanal na SIC Notícias, Marques Mendes analisa o desconfinamento, a vacinação, os apoios sociais, o conflito Costa/Marcelo e a tragédia de Cabo Delgado.

  • 14
  • ...

O DESCONFINAMENTO

 

  1. Amanhã, 5 de Abril, é simultaneamente um dia de esperança e um dia de preocupação:
  • Esperança, porque iniciamos a segunda fase do desconfinamento depois de dois meses e meio de fortes restricções.;
  • Preocupação, porque este desconfinamento está carregado de riscos: os risco dos contágios na Europa que tem vindo a aumentar; o risco da Páscoa que potencia sempre mais contactos; o risco da escassez de vacinações, não por culpa nossa mas por falta de vacinas. Estamos de certa forma no fio da navalha.

 

  1. Temos, é evidente, uma margem de segurança e, por isso, o Governo fez bem em manter o desconfinamento que estava definido:
O número de internados e doentes em UCI tem continuado a diminuir, enquanto que o número de novos infetados está estável;

O Rt tem vido paulatinamente a subir, está próximo do 1, e só daqui a 15, 20 dias saberemos quais as consequências da Páscoa e desta nova abertura.

Não tenhamos dúvidas. Há um risco sério de poder haver paragens nas próximas semanas fases de desconfinamento, face ao agravamento destes indicadores. Está nas nossas mãos evitá-lo.

 

 

A VACINAÇÃO

 

  1. Chega ao fim no próximo dia 11 de Abril a primeira fase do plano de vacinação. Há que dizer que, no essencial, correu bem. Inicia-se, a seguir, a fase mais decisiva – a da vacinação em massa. Vai ser uma fase bem diferente da anterior. Importa fazer um breve balanço e explicar as mudanças essenciais para o futuro.

 

PLANO DE VACINAÇÃO

Balanço e mudanças

 

Número de vacinas contratualizadas

  • No início eram 22 milhões.
  • Agora são 35,8 milhões.

 

Vacinas previstas para Abril, Maio e Junho

  • Mês de Abril – 1.8 milhões.
  • Mês de Maio – mais de 3 milhões
  • Trimestre completo – 8,9 milhões.

 

Pessoas vacinadas até 3 de Abril

  • 280 milhões com uma dose.
  • 550 mil pessoas com vacinação completa.

 

Mudança nos critérios de vacinação na próxima fase

  • A idade passará a ser o critério principal.
  • Será a vacinação por faixas etárias. Dos mais velhos para os mais novos.
  • Exemplos: faixa dos 70 anos. Faixa dos 60 anos. Assim sucessivamente.

 

Haverá algumas excepções a este critério

  • Pessoas que, independentemente da idade, apresentem doenças com risco elevado para a Covid 19.
  • Segundo a DGS: pessoas transplantadas; pessoas com doenças neuromusculares; pessoas com doença oncológica activa.

 

Prioridades da fase 2 do Plano anterior serão reajustadas

  • É o caso de pessoas entre os 50 e os 64 anos com diabetes, hipertensão, doença renal, insuficiência hepática e outras.
  • Estas anteriores prioridades serão ajustadas face à rapidez da vacinação por faixas etárias.
  • Vacinação pela idade pode até ser mais favorável.

 

A vacinação em massa – Como se vai processar?

  • No dia 18 inicia-se a inscrição para a vacinação em massa.
  • A inscrição será feita em plataforma electrónica do Portal da Saúde.
  • As pessoas podem escolher a data e o ponto de vacinação que desejam.
  • Recebem depois um SMS a confirmar hora e local.
  • Quem não usar a plataforma será contactado pelos meios tradicionais.

 

Grandes objectivos a alcançar:

  • Ter toda a população acima dos 65 anos vacinada até fim de Maio.
  • A partir de Maio vacinar 100 mil pessoas/dia (agora são 60/ 70 mil).
  • Ter 162 grandes postos de vacinação.

 

  1. Uma palavra sobre os idosos. A Ministra do sector veio dizer, aqui na SIC, que ainda não é tempo de abrir os lares a visitas. Até agora, os idosos não podiam ter visitas porque não estavam vacinados; agora que estão vacinados têm que aguardar até à imunidade de grupo. A isto chama-se insensibilidade, egoísmo e falta de respeito. É tratar os idosos como números numa folha de Excel e não como pessoas numa sociedade solidária.

 

 

APOIOS SOCIAIS

 

  1. Comecemos por abordar o mérito ou demérito das medidas, que é o mais importante para as pessoas. Com excepção do Governo, e só de forma parcial, ninguém contestou a justiça das medidas, da direita à esquerda:
Primeira: apoio a trabalhadores independentes, empresários em nome individual e sócios gerentes. A grande mudança é que a perda de rendimento a compensar pela Segurança Social é com base no rendimento de 2019 e não do rendimento de 2020. É injusto? Não. Parece óbvio e justo.

Segunda: regras excepcionais para a contratação de profissionais de saúde, com vista a permitir a recuperação de cuidados médicos suspensos com a pandemia. Os partidos alargaram essas regras para cobrirem também a recuperação de outras listas de espera. É injusto? Não. Parece justo.

Terceira: apoio aos pais que estão em teletrabalho com filhos em casa, até aos dez anos.
Os partidos alargaram até aos 12 anos (2º ciclo). É injusto? Não. Até o PS reconheceu a justiça da medida, ao abster-se. 

  1. Do ponto de vista financeiro, estas medidas também não parecem um problema. Traduzem-se em aumentos de despesa de pequena monta, a ponto de o Ministro das Finanças ter reconhecido que são medidas acomodáveis no orçamento, não sendo necessário um Orçamento Rectificativo.

 

  1. Se são medidas globalmente justas, de pequena monta e financeiramente sustentáveis, porque é que surgiu este conflito? Por que é que Governo e partidos não se entenderam? É um conflito artificial e sem sentido. Até pode haver um problema jurídico, mas também houve no último Orçamento Suplementar e tudo se resolveu sem conflito, a contento de todos.

 

 

CONFLITO COSTA/MARCELO

 

  1. Este caso tem muito tem muito de previsível e imprevisível. Previsível é a decisão do PR de promulgar as leis e a do PM de as enviar para o TC. Como previsível será a decisão do TC: provavelmente decidirá pela inconstitucionalidade e arruma-se a questão jurídica.

 

  1. Imprevisível são as consequências políticas de tudo isto. E não são poucas.
Primeiro; no plano da relação entre PR e PM. Essa relação sofreu um "beliscão" sério. Não vale a pena disfarçar. O PM transformou aquilo que era uma divergência normal entre PR e Governo, num conflito entre os dois órgãos de soberania. E não foi pela decisão de enviar os três diplomas ao TC. Foi pela forma como o fez. O PM não se limitou a assumir uma divergência. Fez questão de afrontar, beliscar e desafiar o PR.

- Podia ter anunciado a decisão numa nota informativa. Como o PR fez com a promulgação. Ao contrário, optou por fazer uma comunicação ao país, com toda a solenidade, para valorizar o confronto com o PR. Com um discurso cheio de remoques e críticas ao PR do princípio ao fim. Críticas de falta de rigor e de falta de respeito pela Constituição.

- Isto não vai abrir uma crise política. Mas vai azedar a relação entre Belém e S. Bento. Nada será como dantes.

Segundo: no plano da relação entre o Governo e os parceiros da geringonça. Aqui é onde o PM mais perde. Costa pensou no imediato. Esqueceu o médio prazo. No imediato marcou uma posição forte. No futuro vai sofrer consequências:  vai ter mais coligações negativas; o próximo OE, se viabilizado, vai ser uma manta de retalhos; a relação do Governo com o PCP e BE vai ser ainda mais difícil. Quem semeia ventos colhe tempestades.

 

  1. Questão de fundo: por que é que surgiu este conflito? A norma travão é um pretexto. A verdadeira razão chama-se PODER. Guerra de poder. António Costa acha que depois da eleição presidencial Marcelo está mais livre, tem mais poder e quer ser mais interventivo. Logo, quer bater-lhe o pé para o condicionar. Não faz sentido. O problema do PM não é o PR. É não ter maioria na AR. E quem não tem maioria tem de dialogar mais. Por muito que lhe custe. 

 

O CONFLITO DE CABO DELGADO

 

  1. É um conflito que já leva mais de três anos e que ameaça não ter fim à vista. Ainda esta semana o ex-Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, em entrevista a um jornal, alertava que "os terroristas de Cabo Delgado vão chegar a Maputo". Do que é que estamos a falar?
  • De uma rede activa e sofisticada do DAESH, que chegou à Tanzânia e ao norte de Moçambique, que beneficia da fragilidade do Estado moçambicano e de um certo amadorismo das FA de Moçambique;
  • De um conflito já com proporções enormes quer no plano humanitário (estima-se mais de um milhão de pessoas a precisar de apoio urgente), quer no plano da reputação do estado moçambicano – basta pensar que estamos na região onde há grandes investimentos no gás natural e um dos maiores investidores (a francesa TOTAL) anunciou já a sua retirada da região por falta de condições de segurança.

 

  1. Apesar desta tragédia humanitária, não se trata de uma situação fácil de resolver. Desde logo porque o Estado moçambicano, apesar das suas fragilidades, recusa a ideia de apoio militar activo estrangeiro. Oficialmente, Moçambique só aceita apoios para formação das suas Forças Armadas.
  • É o caso do apoio de Portugal – 70 militares portugueses que vão dar formação a comandos e fuzileiros. É o caso da UE que irá enviar também uma força de formação para apoio das F.A. moçambicanas.
  • Mas são forças de formação. Não são forças de combate no terreno. Oficialmente, no terreno, só há FA de Moçambique. Oficiosamente talvez haja sul-africanos.

 

  1. Moçambique vive a tempestade perfeita: crise económica e financeira; crise climática (cheias de 2019); crise social profunda; crise pandémica; crise de segurança. Dificilmente sai desta tempestade sem forte ajuda do exterior. Mas, para isso, é preciso que as autoridades não continuem a desvalorizar a situação.
Ver comentários
Saber mais Marques Mendes
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio