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Luís Marques Mendes 02 de Maio de 2021 às 21:12

Marques Mendes: Um dos objetivos da entrevista de António Costa é “tentar refazer a geringonça para aprovar o OE”

No seu habitual comentário semanal na SIC Notícias, Marques Mendes fala sobre o fim do estado de emergência, a vacinação e a entrevista de António Costa ao DN/JN/TSF, entre outros temas.

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FIM DO ESTADO DE EMERGÊNCIA

 

  1. Antes das boas notícias, uma contradição semântica incontornável: deixámos o estado de emergência e entrámos em estado de calamidade. Como o termo calamidade tem o significado que tem, até parece que a situação piorou. Não bate a bota com a perdigota. Tudo isto porque o estado de calamidade não foi feito para pandemias. Só que como não há uma lei de emergência sanitária, o estado de calamidade é uma espécie de "barriga de aluguer".

 

  1. Posto isto: passámos do pântano para o oásis em poucos meses:
  • O número de internados e doentes em UCI está hoje mais baixo do que quando o desconfinamento começou;
  • O número de mortos é, felizmente, muito reduzido;
  • Somos, há várias semanas, o melhor país da EU. O que, desde logo, vai ter uma vantagem para Portugal e para o Governo português: vai permitir fazer no Porto, já na próxima sexta-feira e sábado uma Cimeira dos líderes da UE, com Merkel, Macron, Mario Draghi e todos os demais. Se a situação não estivesse controlada, esta cimeira não existiria presencialmente, o que retiraria brilho à Presidência Portuguesa da UE.

 

  1. Este volte-face deve-se a três factores essenciais: à prudência do Governo( até a ideia de exames semanais é avisada); à responsabilidade das pessoas; e à vacinação. O Almirante Gouveia e Melo dinamizou o processo, deu-lhe força e retirou-lhe polémica.
  • Há que usufruir deste alívio que se começa a viver. É bom por todas as razões: sanitárias, económicas e anímicas.
  • Mas é fundamental não embandeirar em arco. A situação está controlada mas não está resolvida. O vírus anda por aí.

 

A VACINAÇÃO

 

  1. O grande facto da semana tem a ver com a vacina da Janssen: a DGS decidiu que só é recomendável para maiores de 50 anos. Considerou que, abaixo desta faixa etária, tem riscos semelhantes aos da AstraZeneca. Respeita--se obviamente esta decisão técnica. Mas ela tem consequências: primeiro, corremos o risco de dispormos de menos 6,9 milhões de vacinas( menos 4,6 milhões da AstraZeneca e menos 2,3 milhões da Janssen); segundo, é inevitável o processo de vacinação das pessoas abaixo dos 50 anos atrasar-se por falta de vacinas. A vacinação dos mais novos vai atrasar-se pelo menos um mês.

 

  1. O segundo facto criado pela DGS – que passou bastante despercebido – é que abaixo dos 50 anos, quem quiser tomar voluntariamente esta vacina pode fazê-lo. Tem é que dar o seu consentimento. Passamos a ter uma vacina facultativa. Acredito que muita gente nova a vá usar: os seus riscos são reduzidíssimos; só há dois países da UE, além de Portugal, que aprovaram restrições (Irlanda e Suécia); nos EUA ela está a ser usada; e só é necessária uma toma.

 

  1. Assim, como fica a vacinação nas próximas semanas e meses?
  2. Até 23 de Maio – Vacinação dos 60 aos 69 anos (1,2 milhões de pessoas). Quatro vacinas disponíveis.
  3. De 24 de Maio a 13 de Junho – Vacinação dos 50 aos 59 anos (1,4 milhões de pessoas). Três vacinas disponíveis.
  4. A partir de 14 de Junho – Vacinadas pessoas abaixo dos 50 anos e até aos 18 anos (3,9 milhões). Duas vacinais disponíveis (Pfizer e Moderna).

 

  1. Finalmente, quatro esclarecimentos:
  2. Infetados com Covid 19. Começarão a ser vacinados a partir de 23 de Maio. A partir do dia em que ficam vacinadas as pessoas acima dos 60 anos.
  3. Professores. A vacinação dos professores do ensino básico e secundário ainda em atraso já começou esta semana e prolongar-se-á pelas duas próximas. Falta vacinar cerca de 50 mil.
  4. Apesar das decisões da DGS, muitos lares continuam a tratar os idosos como prisioneiros. A não permitir a sua saída à rua. Não é aceitável. Nem as instituições o podem fazer nem as autoridades o devem permitir.
  5. AstraZeneca. Como será a 2ª toma para quem tem menos de 60 anos? Ainda não há uma decisão da DGS. Deverá haver nos próximos dias, depois de chegarem a Portugal novos estudos que estão a ser ultimados no RU. A solução pode ser: 2ª dose da Astra ou uma vacina alternativa.

 

DOENTES NÃO COVID

 

  1. Agora que começamos a regressar à normalidade possível – desde logo dentro dos hospitais – há que tratar de um tema que tem sido relegado para segundo plano – os doentes não Covid.

 

  1. As consequências da pandemia, neste particular, são brutais:
  2. Só em 2020 tivemos: menos 11,5 milhões de consultas presenciais nos Centros de Saúde; menos 26 milhões de actos de diagnóstico; menos 126 mil cirurgias; menos 400 mil rastreios oncológicos.
  3. Sem esquecer que em Janeiro e Fevereiro deste ano, com a nova vaga Covid, a situação voltou a agravar-se muito.

 

  1. Não suscito esta questão para criticar ninguém. Mas para exprimir um alerta e duas preocupações:
  2. Um alerta: o Ministério da Saúde têm de concentrar agora os seus melhores esforços na recuperação das listas de espera de doentes não Covid. Esta tem de ser uma grande prioridade nacional.
  3. Primeira preocupação: o Governo publicou em Março uma portaria a pedir às Regiões de Saúde que definissem incentivos aos profissionais de saúde para a recuperação destas listas de espera. Decisão correcta. Só que estamos no final de Abril e ainda nada aconteceu.
  4. Segunda preocupação: os médicos dos Centros de Saúde queixam-se da sobrecarga de funções por cauda da vacinação. Se têm de ajudar na vacinação, não podem atender doentes nos Centros de Saúde. É preciso encontrar soluções alternativas.

 

ENTREVISTA DO PM

 

  1. Esta entrevista do PM ao DN/JN/TSF tem dois objectivos claros:
  2. Primeiro: tentar refazer a geringonça para aprovar o OE. Ela desfez-se no último Orçamento. O PM está a tentar recuperá-la para o próximo. Por isso, promete diálogo e espírito de negociação; e distribui charme e simpatia pelo BE e PCP. Que diferença em relação a últimas entrevistas em que o PM destratava e desqualificava o Bloco. Noblesse oblige!!
  3. Segundo: encostar o PSD ao Chega para consolidar o Centro. António Costa sabe que é no Centro que se ganham eleições. Daí os ataques violentos ao PSD. É óbvio que o PM exagera nas críticas a Rio. É até um pouco deselegante. Mas o PSD tem-se colocado a jeito nos sinais de aproximação ao Chega. E se deixar consolidar esta ideia perde tudo: perde o centro; perde os eleitores moderados do centro; perde a natureza de grande partido, passando a partido médio; e perde eleições.

 

  1. Em suma, António Costa deu uma entrevista para distribuir jogo: à esquerda e à direita. Mas a entrevista, que globalmente não é má, é demasiado táctica para um PM.
  • Falta uma ideia de fundo para o país. Na economia. No social. Na educação. Na ciência. Falta uma ideia para mobilizar as pessoas, a classe média, os jovens, os investidores, os agentes culturais.
  • Agora que a pandemia está controlada, que o PRR está em Bruxelas, era preciso lançar um objectivo, uma causa, uma ideia, uma meta. Este é o défice da entrevista.

 

CRAVINHO E O COMBATE À CORRUPÇÃO

 

  1. O ex-Ministro João Cravinho disse uma coisa óbvia: que no tempo de Sócrates o PS não teve vontade de combater a corrupção. A ex-Ministra Constança Urbano de Sousa, em nome do PS, fez uma declaração infelicíssima:
  • Primeiro, foi deselegante com Cravinho, quase a roçar a má educação; depois, foi injusta para com alguém que é uma referência do PS e do combate à corrupção; finalmente, parece que vive em estado de negação. Todo o país sabe que Sócrates nunca teve vontade de combater a corrupção. Negar isto é negar a evidência.

 

  1. Este episódio mostra bem o incómodo que vai no PS com esta questão. E este incómodo não vai desaparecer enquanto o PS não tomar uma posição de princípio. A teoria de António Costa, "à política o que é da política, à justiça o que é da justiça", fez sentido em 2014. Mas já não faz sentido hoje.
  • Hoje sabe-se o que não se sabia em 2014. Que Sócrates vivia acima das suas posses, com dinheiro ilícito e não declarado, na dependência de um lobista empresarial, em situação suspeita de promiscuidade.
  • Ora, isto não é justiça. É política. É um comportamento político inaceitável num PM. E sobre este comportamento político o PS deve ter uma posição. Tal como o PSD, se a questão se colocasse com o PSD. Os partidos existem para se pronunciarem sobre questões políticas.

 

  1. Combate à corrupção: uma sondagem desta semana diz que 2/3 dos portugueses não confiam nos juízes e na justiça. Perante esta constatação gravíssima, direi três coisas:
  • Primeiro: os anúncios de medidas feitos pelo Governo e por alguns partidos são bem intencionados mas são insuficientes.
  • Segundo: é preciso um pacto político entre partidos. E não só entre PS e PSD. Para reganhar a confiança na justiça.
  • Terceiro: é preciso coragem para fazer três coisas prioritárias: legislar sobre o enriquecimento injustificado, mesmo que seja na versão da ASJP; reforçar fortemente os meios humanos e materiais de investigação criminal porque boas leis sem meios para investigar dá em nada; atacar a sério a relação entre autarquias e financiamento partidário. É por aqui que passa grande parte da corrupção em Portugal.

 

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