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20 de Outubro de 2024 às 21:38

Marques Mendes sobre PS: portugueses recompensam quem age com sentido de responsabilidade

No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala de Ricardo Salgado em tribunal, a redução de juros pelo BCE e a viabilização do Orçamento do Estado pelo PS, entre outros temas.

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RICARDO SALGADO EM TRIBUNAL

 

  1. A polémica instalou-se na sequência do espetáculo mediático:
  • Ricardo Salgado devia ter sido dispensado de ir ao primeiro dia do julgamento? A mim não me chocava essa decisão, a partir do momento que os relatórios médicos dizem que "a presença de Ricardo Salgado num tribunal seria irrelevante, porque não tem capacidade cognitiva para responder a questões complexas".
  • Mas também não me choca a decisão tomada pelo tribunal: ir apenas à primeira sessão e ser dispensado de todas as outras. O que me choca é que, neste caso, não tenha entrado como saiu: de forma recatada e resguardada. Para evitar o espetáculo mediático a que assistimos. Para defender a sua dignidade e para defender também a sua mulher e a sua família, que nestes momentos são igualmente os grandes sofredores.
  • Percebo a ideia: mostrar ao país que os relatórios médicos não são uma invenção. Ou seja: ver para crer. Mas é uma violência. Era preciso agir com mais bom senso e humanidade.

 

  1. Questão diferente é esta: será que o julgamento devia ser anulado, no que a Ricardo Salgado diz respeito, face ao seu estado de saúde?
  • Mais do que uma questão de opinião, é uma questão legal: na lei portuguesa, só a morte dos arguidos é causa de extinção do procedimento criminal. Logo, o julgamento tem de ser feito. E ainda bem. Doutra forma suscitavam-se acusações sérias de impunidade. Claro que há um problema de efetividade das garantias de defesa por parte de Ricardo Salgado. Sem dúvida. O que exige, pois, do Tribunal um dever de cautela acrescido na ponderação da prova feita em julgamento. Fazer justiça, sim, mas fazer justiça com uma especial ponderação de factos e provas.

O MEGAPROCESSO BES

 

  1. O caso BES tem outra dimensão: a morosidade da justiça. Desde o início da investigação até hoje passaram 10 anos. Daqui até ao trânsito em julgado do processo poderão passar outros 10 anos. Ou muito próximo disso. Só o julgamento pode levar três ou quatro anos. Apesar da enorme complexidade deste processo e da investigação competente do MP, um ciclo temporal destes é absolutamente lamentável.

 

  1. Uma das razões desta morosidade está na lógica dos megaprocessos. São grandes de mais e, com isso, atrasam a justiça.
  • Neste caso BES, além de 18 arguidos, temos 215 volumes, 89 mil páginas e 1.235 horas de gravações. Um processo quase ingerível.
  • Mas o caso BES não é uma exceção: só na comarca de Lisboa temos desde 2013: 140 megaprocessos; e destes só 49% foram dados por concluídos. Em 11 anos.
  • Nos megaprocessos com trânsito em julgado, 31% demoraram mais de 10 anos a obter trânsito em julgado e 6% chegaram mesmo a ultrapassar os 15 anos de existência.
  • Nos megaprocessos ainda sem trânsito em julgado, a situação ainda é mais arrepiante: 37% já levam mais de 10 anos; e 9% já ultrapassam os 15 anos. Sem esquecer três casos "exemplares" na morosidade: um com 21 anos, ainda não concluído; um com 18 já terminado; um com 16 anos ainda em curso.

 

  1. A única boa notícia neste tema tem a ver com os bancos. Como disse Vítor Bento, presidente da APB, a situação do BES, BPN ou BPP seria hoje impossível de acontecer. Muita coisa mudou para melhor: primeiro, mudou radicalmente a supervisão, quer do BCE, quer do BP; depois, os bancos estão hoje bem capitalizados; terceiro, mudou a elite gestora dos bancos. Hoje, há mais profissionalismo e transparência.

A REDUÇÃO DE JUROS

 

  1. O BCE acabou de fazer uma nova redução das taxas de juro. Há poucos meses era impossível prever duas reduções praticamente no espaço de um mês. E, todavia, sucedeu. A razão principal tem a ver com a inflação.
  • No mês de setembro a taxa de inflação na Zona Euro situou-se abaixo dos 2%. Embora se admita que pode voltar a aumentar. A verdade, porém, é que com o resultado de setembro, o BCE já tem algum respaldo para decidir o que decidiu.

 

  1. A questão, porém, é mais séria e mais profunda. O BCE está preocupado com a inflação, como é seu dever legal, mas está preocupado também com o crescimento anémico na Europa e, em especial, na Alemanha. Os dados, de resto, nas três principais economias da Zona Euro são, todos eles, bastante preocupantes:
  • A Alemanha está entre o crescimento anémico e o risco de recessão. A previsão para este ano é de um crescimento de 0,3% do PIB.
  • França navega entre um crescimento baixo (1,1%) e uma derrapagem financeira, fruto de um défice de 6,1% e de uma dívida pública brutal (112,9% do PIB).
  • Itália oscila entre um crescimento modesto (1% do PIB) e uma dívida galopante (135,8%), a segunda maior da Zona Euro.

 

  1. Em termos económicos a situação da UE é mesmo muito crítica. Basta atentar nesta realidade: em 2023, o PIB mundial cresceu 3,3%; o PIB da China cresceu 5,2%; o PIB dos EUA cresceu 2,5%; o PIB da Rússia, mesmo estando o país em guerra e sujeito a sanções do Ocidente, cresceu 3,6%. A UE não foi além de um medíocre crescimento de 0,6%. As propostas de Mário Draghi são mesmo muito necessárias e urgentes.

PS VIABILIZA O OE

 

  1. O PS até podia e devia ter anunciado mais cedo a sua decisão. Teria evitado divisões internas, que deixam sempre as suas marcas. Mas o que fica para a história é a decisão. E a decisão está certa.
  • Primeiro, foi uma boa decisão para o País. Evita uma crise política que ninguém compreendia nem aceitava.
  • Segundo, foi uma boa decisão para o PS. Evita levar o partido a eleições, num momento que não lhe seria nada favorável.
  • Terceiro, foi uma boa decisão para si próprio. Pedro Nuno Santos ganha estatuto e credibilidade com esta decisão. Como sempre tenho dito, os portugueses recompensam sempre quem age com sentido de responsabilidade, pensando no País.

 

  1. Em termos de balanço deste processo, há três vencedores e um perdedor. Vencedores, além de PNS, há mais dois: o PR e o PM.
  • O PR é um vencedor. Conseguiu o desfecho que pretendia e pelo qual lutou. E conseguiu sobretudo quando esteve silencioso, trabalhando nos bastidores. O silêncio, muitas vezes, é de ouro. Em particular para um PR.
  • O PM é o grande vencedor. Primeiro, porque vai ter o OE aprovado. Para um PM de um governo minoritário, a aprovação de um OE é sempre uma vitória. Depois, porque mostrou diálogo, moderação e sentido de Estado.
  • O perdedor é o Chega. O facto de esta negociação ter sido longa teve uma vantagem: permitiu que as pessoas vissem a instabilidade absoluta do Chega. Propôs tudo e o seu contrário. Desde as legislativas, o Chega perde sempre: perdeu nas europeias, na eleição do PAR e no OE. Fica a ideia de que nunca faz parte de solução nenhuma.

O CONGRESSO DO PSD

 

  1. Foi um congresso de descompressão. Depois de meses de alta tensão por causa do OE, o ambiente descomprimiu. O congresso foi o exemplo disso mesmo: um congresso descontraído, sereno e tranquilo. Um congresso em que Luís Montenegro voltou a surpreender:

  • Primeiro, surpreendeu com a desgovernamentalização do seu núcleo duro partidário.
  • Segundo, surpreendeu com escolha de Leonor Beleza para sua vice-presidente, o que se traduz num reforço importante para a sua direção.
  • Surpreendeu com o discurso de encerramento. Um discurso virado para fora. Foi o momento mais alto do congresso. O PM apresentou uma espécie de programa de ação para os próximos meses com várias novidades: no domínio da água, da segurança, da educação, do combate à violência doméstica e especialmente na ideia de criar uma espécie de nova Expo 98 na área metropolitana de Lisboa.

 

  1. No meio destas surpresas, LM tem ainda um desafio orçamental: o OE está viabilizado, mas ainda não está garantido que não seja desfigurado. É ainda um risco.
  • Não creio que o PS queira perder nas próximas semanas o capital de credibilidade que ganhou esta semana.
  • Mesmo assim, considero prudente que os dois líderes falem um com o outro, tentando evitar novos impasses.

 

UCRÂNIA, EUROPA E MOÇAMBIQUE

 

  1. Na política externa, passam-se desafios muito preocupantes.
  • O primeiro vem da Ucrânia. A guerra está num impasse. A resistência ucraniana está nos limites. Zelensky mostra o seu desespero. O plano para a vitória que nos últimos dias apresentou à Europa e à NATO é um ato de desespero. O que a Ucrânia quer, sobretudo, é um convite formal para entrar na NATO. Para ter mais força para negociar com a Rússia um processo de paz.
  • Só que há um problema: uma boa parte dos países da NATO torce o nariz. Quer apoiar a Ucrânia, sim, mas quer evitar a todo o custo uma guerra entre a Rússia e a NATO. Dificilmente Zelensky consegue o apoio para a sua causa. Ucrânia na NATO só mesmo depois da guerra. É a jurisprudência das cautelas a funcionar.

 

  1. Entretanto, se na Ucrânia há desespero, na Europa há pânico. Pânico com as eleições nos EUA. Primeiro, pelo risco sério de Donald Trump ser eleito e, com isso, a Europa sentir um abalo sério na relação transatlântica. Afinal, Trump despreza a Europa e a NATO. Segundo, porque a Europa não está ainda preparada (se é que alguma vez vai estar) para prescindir do apoio dos EUA, especialmente em matéria de segurança. Ao impasse na Ucrânia junta-se, pois, o impasse que pode advir de uma mudança presidencial nos EUA.

 

  1. No meio de tanto impasse, eis que surge um problema sério em Moçambique. Dias depois das eleições presidenciais neste país, dois assassinatos brutais de dois colaboradores de um dos candidatos vieram lançar o receio sério de uma crise no país, no seu tecido social e na sua democracia. Fazem-se votos para que o bom senso e a maturidade política acabem por prevalecer.
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