Opinião
Marques Mendes: "Só por sorte é que estas medidas são suficientes"
As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre o novo confinamento, a vacinação em Portugal e as eleições presidenciais, entre outros temas.
A PANDEMIA EM NÚMEROS
- Tem havido muitos números sobre Portugal nos media e nas redes sociais. Números correctos mas relativos a períodos distintos. Importa clarificar. Acresce que importa mostrar também uma outra realidade – a tendência de agravamento da situação de Portugal, no plano europeu e mundial, é muito preocupante.
- Assim, vejamos:
- Total de infetados e óbitos desde Março. É o balanço de 10 meses de pandemia. De Março até hoje temos mais de meio milhão de infetados e quase nove mil mortes. Neste acumulado de dez meses somos o 16º pior país do mundo em número total de infetados por milhão de habitantes; e o 30º pior em número total de óbitos.
- Novos casos por milhão de habitantes nos últimos 7 dias. Aqui, a situação agravou-se muito. Na média dos últimos 7 dias já somos o 2º pior do mundo e o pior da UE. Em número de mortes somos o 4 pior do mundo.
- Novos casos por milhão de habitantes no dia de ontem, sábado (último dia com dados disponíveis). A situação voltou a agravar-se. Já o pior país do Mundo. Em mortes passámos a ser o 3º pior do mundo.
- Os grupos etários mais atingidos, desde Março – Nos infetados, os mais atingidos são os grupos etários dos 20 aos 59 anos. Nos óbitos, 88% são pessoas com 70 ou mais anos.
- Sequelas da Covid 19 – Segundo um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, 60% dos infetados ficam com sequelas, mesmo depois de curados, designadamente depressões, parestesias, tonturas, palpitações e alterações do olfacto e paladar.
- Uma conclusão: a situação agrava-se de dia para dia e é muito séria. Os próximos dias ainda vão ser mais sérios. Até por esta razão: segundo especialistas, cerca de 20% de novos casos em LVT devem-se à variante inglesa da Covid, que é mais contagiosa.
NOVO CONFINAMENTO
- Governar nesta ocasião não é tarefa fácil. Mas ajudar o Governo é dizer o que está bem e o que não está bem. Comecemos pelos aspectos positivos:
- Primeiro: a decisão de confinar é positiva. Positiva porque necessária. Chegados aos números a que chegámos não havia alternativa ao confinamento. Dizer o contrário é demagogia. Seria o colapso total do SNS.
- Segundo: a exclusão das escolas. A decisão não é pacífica. Os especialistas da saúde querem o fecho. Os especialistas em educação a abertura. É normal. Mas atenção: não tem havido problemas de surtos generalizados nas escolas; e dois anos lectivos consecutivos interrompidos representam danos irreparáveis para milhares de crianças e jovens. A minha única dúvida são as universidades. Estas poderiam fechar sem prejuízo para os alunos e com vantagem para a saúde pública.
- Terceiro: mais apoios financeiros às empresas. Não há ninguém que discorde. Falta saber se é promessa de ocasião ou se é mesmo para levar a sério. Com a burocracia que temos, é melhor esperar para ver. As queixas de atrasos quanto aos apoios da primeira fase são mais do que muitos.
- Mas há também aspectos negativos:
- Primeiro: o facilitismo do Governo no Natal que tanto fez agravar a situação. Em entrevista televisiva, o PM disse que o passado não importa. Ai importa, importa! Chegámos até aqui também por culpa do Governo. Por facilitismo e falta de coragem. Não há desculpa para tanta leviandade. É preciso dizê-lo agora para tentar evitar que estes erros se repitam.
- Segundo: decisões tardias. Todas estas decisões podiam ter sido tomadas na semana passada. E nesta fase da pandemia, uma semana de atraso é fatal. São mortes que podem evitar-se e não se evitam. São filas de ambulâncias à porta dos hospitais que se multiplicam. Tudo porque o Governo quis fazer uma encenação política com a reunião do Infarmed. Quando são medidas populares, decide sozinho (caso do Natal). Quando pode perder popularidade, quer a chancela dos técnicos.
- Terceiro: a insuficiência destas medidas. Só por sorte é que estas medidas são suficientes. Ou o governo está novamente a facilitar ou não está a dizer a verdade.
- Primeiro, a situação é muito mais grave que em Março de 2020 e o confinamento é muito mais suave que nessa ocasião. O país não está parecido com Março. Está parecido com a semana passada.
- Segundo, continua a haver excepções a mais. E toda a gente faz interpretações alargadas das excepções. Não se fechando as escolas, devia ter-se cortado nas excepções. Fez-se o contrário. E mal.
- Terceiro, em Março de 2020 as pessoas estavam com medo e cumpriam. Agora, facilitam e "dão a volta" às decisões. O estado de espírito mudou. A confiança nas autoridades já não é o que era.
- Cooperação dos privados – Tem havido muita polémica. A verdade, porém, é que todos os privados, de norte a sul, estão a cooperar e a ceder camas. O PM falou há dias no Grupo CUF. É verdade. Mas também é verdade em relação aos outros (Luz, Lusíadas e Trofa). Por exemplo, o Grupo Luz Saúde até recebeu este mês uma carta do Ministério da Saúde e agradecer a sua colaboração.
A VACINAÇÃO
- As vacinas são o grande factor de esperança. Façamos um ponto da situação:
- Primeiro: teremos nesta próxima semana os primeiros portugueses vacinados. Vão ser administradas as segundas doses.
- Segundo: Lares e Unidades de Cuidados Continuados estarão vacinados até ao fim de Fevereiro.
- Terceiro: até final deste mês receberemos ainda da Pfizer cerca de 128 mil doses e da Moderna 11 mil. Houve redução da Pfizer.
- Quarto: não há notificações de reacções adversas severas à vacina, informaram os especialistas.
- Quinto: o nível de confiança nas vacinas aumentou – estudo da Escola Nacional de Saúde Pública.
- Sexta: a Astrazeneca apresentou à EMA os últimos dados dos seus ensaios. A aprovação aproxima-se.
- A vacinação dos órgãos de soberania. Já tivemos o PR com um falso teste positivo; já tivemos o PM em isolamento; temos alguns Ministros infetados. Tal como outros já disseram, eu pergunto: por que é que não se vacinam já o PR, o PAR, o PM e os Ministros? Estamos à espera de alguma fatalidade para agir? Se os profissionais de saúde estão na linha da frente nos hospitais, estas pessoas estão na linha da frente das decisões.
- São, no seu todo, umas 20 vacinas. Mas 20 vacinas que podem evitar problemas sérios. Qualquer português de bom senso percebe isto.
- Faço um apelo à Directora Geral de Saúde para que tome a iniciativa. Ninguém a vai criticar. Não é um favor que faz aos políticos. É um serviço que presta ao país. Ate porque os políticos, eles próprios, nunca terão coragem de tomar essa decisão com medo de perderem votos.
ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS
- Tivemos hoje o primeiro dia de votação. Dois aspectos a destacar: pela positiva, o facto de milhares de eleitores terem usado o voto antecipado; pela negativa, o boletim de voto, que tem à cabeça um candidato que nunca foi admitido. Isto é ridículo. Um desleixo indesculpável da parte do Estado (TC e MAI).
- Corremos o risco de ter uma abstenção estratosférica.
- A abstenção pode chegar aos 70% ou mais. O histórico presidencial prova que entre a eleição e a reeleição de um Presidente há um aumento de 15% de abstenção. Logo, de 51%, que foi a abstenção há 5 anos, passaremos para 66%. A este valor temos que acrescentar mais cerca de 5% de abstenção dos emigrantes inscritos e que provavelmente não votam. Chegamos assim a uma abstenção previsível de 71% ou mais.
- Preparemo-nos para um Presidente eleito por cerca de ¼ de votos. Isto não reduz a sua legitimidade. Mas é um mau sinal para a democracia.
- Chegados ao ponto a que chegámos, tudo isto é praticamente inevitável. Mas, se tivesse havido um mínimo de planeamento e de capacidade de prever os acontecimentos, talvez tivesse sido oportuno prever o voto por correspondência. Como aconteceu com sucesso nos EUA. Implicava uma mudança cirúrgica na Constituição. Mas talvez tivesse sido útil e avisado.
- Finalmente, a campanha e a eleição. Três apontamentos:
- Pela positiva, a campanha de João Ferreira, do PCP. Muito profissional, muito focada e muito civilizada.
- Pela negativa, André Ventura. Não falo das ideias. Falo dos insultos. O insulto a Jerónimo de Sousa. O que Ventura disse do líder do PCP não se diz de ninguém. Muito menos de Jerónimo de Sousa, que é um político correcto, educado e cordial.
- Finalmente, as três dúvidas essenciais: Marcelo vai ter mais de 60% de votos? Quem vai ficar em 2º lugar - Ana Gomes ou Ventura? Quem ganha a eleição da esquerda- Marisa Matias ou João Ferreira?
GUTERRES/MERKEL/Mº Pº
- Recandidatura de António Guterres a SG da ONU. Uma decisão prestigiante para Portugal. Mas não tenhamos dúvidas. Se Trump tivesse sido reeleito, provavelmente não havia recandidatura de Guterres. Mais uma vantagem da eleição de Biden. Entretanto, uma novidade: em Abril, vai sair uma biografia muito completa e independente de António Guterres. A não perder!
- Substituição de Merkel na liderança da CDU, ocorrida ontem. O novo líder, Armin Laschet, não é só o sucessor de Merkel. É um seu continuador: um político ao centro, pragmático e europeísta convicto. Falta saber se será também ele o candidato a chanceler. Pode ser ele, pode ser o actual Ministro da Saúde ou o Ministro Presidente da Baviera, o mais popular nas sondagens.
- Procurador Europeu. Continua este filme "sinistro" de meias-verdades e mentiras. Agora, veio a saber-se que o Governo, antes de José Guerra, chegou a propor a Bruxelas um outro nome. O que contraria a ideia de que o Governo queria seguir a proposta do CS do Mº Pº. E que deixa muito mal a Ministra da Justiça que omitiu este facto à AR. Mesmo assim, a oposição nada fez. Decididamente faz muita falta uma oposição como deve ser.
- Mº Pº vigia jornalistas. há muitas questões duvidosas. Mas há uma certeza. Em nome do combate à violação do segredo de justiça, estão a cometer-se três erros enormes: condicionar a acção dos jornalistas; minar a protecção das suas fontes; perturbar a liberdade de informar.
- A posse de Joe Biden. Ironia das ironias: no dia da "libertação" dos EUA de Trump e do trumpismo, Washington vai parecer uma cidade em guerra. Lá como cá, "casa roubada, trancas à porta". Mas será um dia histórico para os EUA e para o mundo. Fica a faltar a responsabilização de Trump – se não fôr pela via do impeachment, que seja pela via judicial.