Opinião
Marques Mendes: Quem perder as eleições fica enfraquecido
No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre Zelensky em Portugal, o plano para a Saúde e a baixa do IRC, entre outros temas.
ZELENSKY EM PORTUGAL
- A visita de Zelensky a Portugal é sobretudo simbólica. Portugal não tem o peso financeiro e militar que tem a Espanha, a Bélgica ou a Suécia.
- Mas tem importância política e diplomática. Portugal pode ajudar nos processos de eventual adesão da Ucrânia à UE e à NATO.
- E pode ajudar a sensibilizar os PALOP para a participação na Cimeira de Paz que se realiza na Suíça.
- Mais importante é o périplo europeu de Zelensky. Por três razões:
- Zelensky precisa de romper com o "cerco" que a Guerra na Médio Oriente lhe colocou. Esta guerra foi a pior coisa que sucedeu à Ucrânia. Zelensky ou rompe com este "cerco" ou está cada vez mais ofuscado. Ele precisa de mediatização para sobreviver.
- Zelensky precisa de reforçar rapidamente os seus meios de defesa. A situação militar está muito difícil para a Ucrânia. Todos nós queremos que os ucranianos vençam. Mas, neste momento, infelizmente, quem está a ganhar é a Rússia. E, para inverter a situação, é preciso mais apoio europeu e ocidental.
- Zelensky precisa de preparar o futuro. Ele sabe os riscos que corre se Trump vencer as presidenciais americanas. Provavelmente fecha-se a torneira do apoio norte-americano. Nessa altura, uma de duas: ou a Europa reforça o seu apoio à Ucrânia ou a Ucrânia cai. Zelensky está a antecipar-se, sensibilizando ainda mais a Europa para as más notícias que podem vir dos EUA.
- Com a sua força mediática, Zelensky acaba de ter mais uma vitória: os EUA e a maioria dos Países Europeus aceitaram que a Ucrânia utilize armas suas em território russo, em ações de autodefesa. O que há uma semana era impossível, tornou-se agora possível. Este homem é um herói. Até pode perder. Mas merece ganhar, pela causa e pela coragem.
PLANO PARA A SAÚDE
- Este plano tem coisas novas e outras que o não são. Tem medidas concretas e outras menos concretas. Mas tem, sobretudo, uma grande novidade: o objetivo de acabar com as listas de espera oncológica em três meses e com as demais listas de espera até fim do ano. Acho muito difícil cumprir este objetivo nos prazos definidos. Mas se for cumprido, merece aplauso. Estar meses ou anos à espera de uma consulta ou de uma cirurgia é um pesadelo. Pode ser mesmo a diferença entre a vida e a morte. Alguém com cancro não devia estar nunca em lista de espera.
- Vejamos a dimensão do pesadelo:
- 455 mil pessoas á espera de uma consulta, acima do prazo máximo previsto, sendo 11 mil consideradas doentes prioritários.
- 74 mil pessoas á espera de uma cirurgia, acima do prazo máximo previsto, sendo que 9 mil são doentes com cancro.
- Hospitais em que o tempo de espera para uma consulta ou uma cirurgia chega mesmo a ser superior a três anos. Até o Hospital de Santa Maria, referência do País, tem tempos de espera para consultas nalgumas especialidades bem acima dos prazos clinicamente estabelecidos.
- Terminar com este pesadelo é urgente, seja através do SNS ou do setor social e privado. Quando está em causa a saúde de cidadãos de carne e osso não deve haver preconceitos ideológicos.
- Posto isto, há que ter ainda em conta três questões importantes:
- Primeiro: a execução. O Plano está bem desenhado. Mas não chega. Onde tudo costuma falhar é na execução. Por isso, seria uma boa ideia nomear um Gestor do Plano. Um operacional, encarregue de monitorizar a sua execução.
- Segundo: a informação. Este plano tem de ser escrutinado, para se conhecer o seu grau de cumprimento. Impõe-se informação on line, permanente e atualizada, ao dispor dos cidadãos.
- Terceiro: premiar o mérito. É urgente recuperar listas de espera. Mas também é necessário premiar hospitais e serviços onde não há atrasos nem listas de espera.
CRÉDITO À HABITAÇÃO
- Na próxima quarta-feira teremos a primeira boa notícia: em princípio, o BCE vai começar a reduzir as taxas de juro. Será uma primeira redução, a que outras se seguirão, podendo ocorrer em setembro ou em dezembro. Desde que a inflação não volte a agravar-se.
- No entretanto, há mais informações positivas:
- Mesmo antes da redução dos juros, há já uma redução das taxas Euribor. O que significa que, em junho, a prestação da casa já se reduz em todos os segmentos: nas Euribor a 3, 6 e 12 meses. E a redução já tem um certo significado.
- Segundo informação do Banco de Portugal, o incumprimento de crédito à habitação teve em 2023 um aumento muito ligeiro em relação a 2022 (2,4% contra 2,3%). Abaixo do nível pré-pandemia (3,7% em 2019). E abaixo do que se teria no início da crise dos juros.
- As famílias e os bancos tiveram intervenções concertadas e inteligentes. Assim, as negociações de empréstimos aumentaram 69% em 2023; a transferência de empréstimos de um banco para outro atingiu os 27%; e o recurso significativo a amortizações antecipadas permitiu conter o agravamento das prestações.
- Aparentemente, o pior já passou, ainda que a redução de juros se vá fazer a um ritmo mais lento que o seu aumento.
CAMPANHA EUROPEIA
- Uma campanha europeia igual a tantas outras. É quase tudo normal.
- É normal a perceção pública de que as eleições europeias são eleições menores, que são menos importantes que as legislativas ou autárquicas. Não nos flagelemos com isso. É assim em todos os Países Europeus. É pena, mas é o que é.
- É normal a nacionalização da campanha. A chamada para a campanha de temas nacionais, como a saúde, a habitação, as migrações ou o aborto, é um clássico. É uma forma de mobilizar eleitores. Não é a primeira vez que sucede nem será a última.
- É normal que todos os partidos joguem agora os seus trunfos. Na AD, é Luís Montenegro: ao fim de dois meses de governo já é o político português mais popular, segundo uma sondagem de hoje; no PS, é Pedro Nuno: aposta tudo nesta eleição, como uma espécie de segunda volta das legislativas; no Chega é André Ventura, o líder do partido mais unipessoal de todos.
- A única anormalidade é o que se passa com o Livre. Rui Tavares não gostou da escolha de Francisco Paupério como cabeça de lista. Vai daí, resolveu deixá-lo sozinho em campanha (com a exceção do dia de ontem). O que significa que se Francisco Paupério for eleito o mérito é todo seu. Se não for eleito, bem pode queixar-se do bloqueio de Rui Tavares. Tudo isto num partido que devia querer consolidar o bom resultado que teve em março.
- Quanto ao resultado, tudo em aberto. Ou ganha a AD ou vence o PS. O segredo vai estar na mobilização. Numa eleição com vasta abstenção, ganhará quem fizer maior mobilização dos seus fiéis. Não há voto útil.
CONSEQUÊNCIAS DAS EUROPEIAS
- Ao contrário do que sucedeu com as eleições de 10 de março, não há, desta vez, qualquer dramatismo no horizonte. Ganhe quem ganhar, perca quem perder, nem o governo cai nem vai haver mudanças nas lideranças partidárias.
- Mesmo não havendo qualquer dramatismo, haverá sempre consequências políticas em função dos resultados. Vejamos:
- Se a AD ganhar, reforça-se politicamente. Ganha mais fôlego e cria melhores condições para fazer aprovar o OE para 2025, permanecendo no poder, pelo menos, até 2026. Se a AD perder, a situação fica mais pantanosa. O Governo não cai e o chumbo do OE não é garantido. Mas a AD perde uma boa oportunidade de se reforçar politicamente.
- Se o PS ganhar, Pedro Nuno Santos sai reforçado. Estas são, na prática, as primeiras eleições da sua total responsabilidade. Nas eleições anteriores, ele partilhou responsabilidades com António Costa. Essa eventual vitória do PS não significa que Pedro Nuno Santos vá "chumbar" o OE para 2025. Mas chegará a esse debate mais reforçado do que nunca e com todos os cenários em aberto. Se perder as europeias, não sai da liderança. Mas perderá força e espaço de manobra. A sua vida será bem mais difícil.
- Em conclusão: estas eleições não são decisivas para ninguém. Mas quem ganhar, sai politicamente reforçado; quem perder, fica enfraquecido.
IRC "PUXA" PELOS SALÁRIOS?
- Quando se fala de IRC, uma grande parte dos portugueses pensa no "imposto dos patrões". Ou seja, para muito boa gente reduzir o IRC é fazer um favor aos "patrões". Há duas semanas, um estudo académico divulgado, da iniciativa da FFMS, coordenado pelo académico Pedro Brinca, veio dizer o contrário: baixar o IRC ajuda a aumentar salários e a fazer crescer a economia.
- Vejamos mais em detalhe:
- Portugal tem a 2ª taxa mais alta de IRC na União Europeia, só sendo suplantado por Malta. A curiosidade é que todos os Países de Leste têm taxas de IRC substancialmente mais baixas que a nossa.
- Uma redução de 7,5 pp no IRC pode gerar um impacto grande: um crescimento de 1,4% do PIB nacional; um aumento de 1,8% nos salários; mais investimento, mais exportações e maior consumo.
- Como não há bela sem senão, a perda de receita resultante de um "choque" fiscal desta natureza obriga a compensação, seja por via dos impostos sobre o consumo ou do trabalho, ou por outra via orçamental.
- Aqui está um estudo académico que mostra, talvez pela primeira vez, o efeito estrutural de uma redução do IRC na economia e nos salários. Afinal, uma redução do IRC não é uma benesse aos patrões. É um beneficio para a economia, os salários e os trabalhadores. Ora, do que nós precisamos é de mais economia e de melhores salários. Tudo feito de forma sustentável.