Opinião
Marques Mendes: "Pedro Nuno deixou na governação uma imagem de impreparação"
O congresso do PS e a cerimónia de assinatura da coligação da AD são dois dos temas abordados por Luís Marques Mendes no seu habitual espaço de comentário na SIC. O antigo presidente do PSD fala ainda sobre a situação na saúde, bem como da falta de transparência nos casos dos CTT e TGV.
O CAOS NAS URGÊNCIAS
- Digam o que disserem, o que está a suceder com a saúde não é normal.
- Não é normal que haja doentes a morrer em macas à entrada de hospitais sobrelotados, como sucedeu no hospital de Penafiel.
- Não é normal que o tempo médio de espera para doentes urgentes seja de 10, 12 ou de 15 horas, como sucedeu esta semana em vários hospitais na Grande Lisboa.
- Não é normal que esta semana tivesse havido mais óbitos (509 num só dia) que durante a maior parte do tempo da pandemia, quando a população ainda não estava vacinada.
- Não é normal que o número de utentes sem médico de família volte a aumentar. Mais 9,8% em 2023. Mais de 1,7 milhões de pessoas.
- Nada disto é normal. E o que faz mais impressão são duas coisas muito simples:
- Primeiro, a falta de planeamento. Picos de gripe há todos os anos, por esta ocasião. E, todavia, desta vez, a falta de resposta ultrapassou os limites do aceitável. A sensação que fica é que tudo é feito em cima do joelho. Sem capacidade de previsão e de antecipação dos problemas.
- Segundo, as desculpas esfarrapadas que são dadas. Antes, era a falta de orçamento. Depois, era a falta de uma Comissão Executiva do SNS. Agora, há tudo isso: há mais orçamento e há uma Comissão Executiva do SNS. Mas a situação volta a piorar. Oito anos de governo e três ministros não foram capazes de reabilitar o SNS, a maior conquista de Abril, a seguir à liberdade e à democracia.
CUSTO DE VIDA E TRANSPORTES
- Ano novo com a mesma vida de sempre: novos rendimentos, com novas despesas.
- As pensões mais baixas aumentam 6%; o SMN cresce 7,9%; na função pública os aumentos oscilam entre 3% e 6,8%; e no privado o referencial de aumentos salariais é de 5%. É positivo, porque são aumentos acima da inflação prevista: 2,9%.
- Só que o cabaz alimentar vai subir. Um aumento de preço de 10% ou mais. Assim, pergunta-se: o Estado, que está com uma folga financeira brutal, muito acima do previsto, não devia ajudar mais as famílias carenciadas? Eu recordo que em Espanha o IVA 0 foi prorrogado por mais seis meses. Em Portugal acabou.
- No crédito à habitação, a situação tenderá a melhorar este ano. Mas, atenção: em janeiro, as prestações ao banco ainda vão subir.
- Nos transportes não é diferente. Sobretudo na CP.
- Em 2023, a CP teve mais de uma centena de greves. Mais de 30 mil comboios suprimidos, sobretudo na Grande Lisboa. Uma enorme perturbação para as pessoas.
- Este ano, em apenas dois dias de greves, desta vez uma greve da IP, já tivemos: mais de 2 mil comboios suprimidos em todo o país; mais de metade destas supressões ocorreram na Grande Lisboa.
- Será que vamos repetir em 2024 os maus exemplos de 2023? Todos esperamos que não. O direito à greve é um direito fundamental. Mas o abuso do direito à greve é um "crime" social.
CTT E TGV: A MESMA FALHA
- O que têm em comum estes dois temas tão distintos? A falta de transparência.
- Comprar ações do CTT pode ser uma política questionável. Mas é legítima. O Governo tem o direito de mandar comprar ações dos CTT.
- O que não é legítimo é não dar conhecimento público dessa decisão. É escondê-la dos portugueses. É insistir no truque do secretismo. É reincidir na falta de transparência. Isto parece um pormenor. Mas não é. A democracia exige verdade e transparência.
- Já foi assim com a indemnização a Alexandra Reis. Tudo foi feito para esconder a verdade. Isto é um padrão de atuação. Mas um padrão lamentável e condenável. Impróprio do serviço público.
- No TGV, o padrão é o mesmo. O Governo diz que é urgente lançar o concurso da obra para ir buscar fundos da UE. Só que ninguém sabe nada deste "negócio". É novamente o secretismo total. Parece que vamos ter uma nova e gigante PPP. Mas ninguém o assume. Vejamos as questões não explicadas:
- O TGV será uma obra do Estado ou será uma PPP?
- Uma PPP só para construir a linha ou também para a explorar?
- Uma PPP ou quatro PPP (Oiã, Soure, Carregado, Lisboa)?
- No final, a linha construída será do Estado ou dos privados?
- Qual o valor do investimento público? E dos privados? Ninguém sabe.
- O que faz mais impressão é o silêncio geral: do Governo que não dá informação; dos partidos da oposição que não perguntam nada; da comunicação social que devia estar a escrutinar e não está. Recordo que as PPP rodoviárias foram um verdadeiro desastre para o Estado. É preciso, pois, perguntar e escrutinar.
O CONGRESSO DO PS
- Este é um Congresso que tem três partes bem distintas.
- A primeira é consensual no partido e une costistas e pedronunistas. Tem a ver com a homenagem ao legado de António Costa. Goste-se ou não se goste, depois de oito anos de governação, António Costa passou a ser uma das figuras mais marcantes da história do PS. O Congresso reconheceu isso mesmo.
- A segunda parte já tem só a ver com os costistas e são ajustes de contas. O primeiro é um ajuste de contas com o Presidente da República, inspirado por António Costa e sem a participação de Pedro Nuno. Este ataque ao PR não tem qualquer utilidade. Primeiro, porque Marcelo já não vai mais a votos. Depois, porque ganhe quem ganhar as eleições, Marcelo continua em funções e António Costa sai. Um fica, outro cai.
- O outro ajuste de contas é com o Ministério Público (MP). É o maior erro do Congresso. Primeiro, porque o PS queixa-se da Justiça, mas durante oito anos de governação nunca fez qualquer reforma da Justiça. Depois, porque a PGR, de quem o PS se queixa, foi escolhida pelo próprio Governo. Um erro de "casting" criado pelo executivo.
- Mas, sobretudo, tudo isto é uma anormalidade. O MP "resolveu", e mal, envolver-se nesta campanha. O célebre parágrafo do comunicado da PGR nunca devia ter existido. A investigação ao primeiro-ministro tinha de ser feita, mas não tinha de ser divulgada. Uma anormalidade. Provavelmente, o PS não perderá um voto com isso. Mas ao "puxar" pelo tema, desvia as atenções da sua mensagem política e complica a vida do seu novo líder. Enquanto as atenções estiverem centradas num processo judicial não estão centradas na agenda política. Outra anormalidade.
O DESAFIO DE PEDRO NUNO
- A terceira parte do Congresso foi a prestação do líder. Aqui o Congresso correu bem a Pedro Nuno.
- Primeiro, fez a unidade do partido. O PS está unido. É uma mais-valia.
- Depois, não se envolveu na "tonteria" dos ataques a Marcelo e ao MP.
- Terceiro, fez dois bons discursos. Sobretudo o último. É um discurso pela positiva. É um discurso estruturado para o País e com propostas concretas. Uns concordam. Outros não. Mas, finalmente, há ideias e uma pré-agenda de governo, da parte do novo líder do PS.
- Claro que dirão que o PS esteve oito anos no governo e não fez várias coisas que PNS agora promete. É normal. Um novo líder tem sempre ideias diferentes. Como dirão que o novo líder não se afirma com a "sombra" de António Costa. Não concordo. Se o PM participar de forma pontual na campanha, até pode ser uma mais-valia para o PS, sem fazer sombra ao líder.
- O problema sério de Pedro Nuno Santos é outro: é a sua imagem governativa.
- Justa ou injustamente, PNS deixou na governação uma imagem de impreparação e até de imaturidade. Foi o conflito com o PM sobre o novo aeroporto em que foi desautorizado e a seguir se auto humilhou para se manter no governo; foi o caso grave de Alexandra Reis, onde até teve de se demitir; foram as polémicas em torno da TAP, incluindo os 3 mil milhões de euros injetados na companhia. Este é o seu maior problema, que o afasta dos eleitores moderados, habituados que estavam a votarem de olhos fechados em António Costa. E é o problema que o pode perseguir até 10 de março.
A ALIANÇA DEMOCRÁTICA
- O PSD e o CDS fizeram bem em criar a Aliança Democrática. Isso não lhes garante a vitória. Mas dá-lhes mais possibilidades de sucesso. Primeiro, porque lhes dá um novo élan político. Depois, porque lhes garante mais deputados do que se concorressem em separado. Finalmente, porque possibilita a abertura à sociedade, por via da abertura a cidadãos independentes. E na cerimónia de hoje houve um pouco de tudo isto.
- Posto isto, a AD tem ainda dois problemas sérios pela frente:
- O primeiro é o Chega. Se o Chega tiver um resultado muito alto nesta eleição, a AD não ganha e Luís Montenegro não chegará a PM. Assim sendo, ou a AD faz o discurso certo ou não ganha a eleição. E tem de fazer.
- O segundo problema é a mensagem. E é preciso uma mensagem reformadora e transformadora. Esta foi a marca da AD de Sá Carneiro. Hoje foi o dia do lançamento da AD. No futuro tem de surgir uma agenda transformadora do País. Sob pena de se frustrarem as expectativas.
- Não chega dizer mal do adversário. Nem apenas fazer diagnósticos. É preciso ter uma agenda de transformação do País. Sobretudo em quatro áreas: economia, saúde, habitação e educação. Estas deviam ser as prioridades. Hoje, começou com a saúde. É preciso continuar com as outras. Porque são as prioridades dos portugueses.
- Portugal precisa de uma campanha de propostas pela positiva e não apenas de uma campanha pela negativa. Doutra forma, não se mobilizam os eleitores e até se fomenta a abstenção. Isto aplica-se a Luís Montenegro e a Pedro Nuno Santos. As pessoas estão fartas de campanhas negativas.