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Luís Marques Mendes 03 de Dezembro de 2023 às 21:46

Marques Mendes: "O próximo governo será precário e dificilmente durará uma legislatura"

No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes abordou os dados da pobreza, o aumento das pensões, o acordo na saúde, a aprovação do Orçamento do Estado, a crise política e o próximo governo, entre outros temas.

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POBREZA E PENSÕES

  1. As atenções dos portugueses continuam muito focadas no plano social. A pior notícia da semana tem a ver com um novo aumento da pobreza. É o nosso mais sério problema social. Segundo o INE, em 2022 a pobreza voltou a aumentar: há agora 1,8 milhões de portugueses a viver com menos de 591€ por mês, o correspondente a 17% da população total.

  • Ainda segundo o INE, este flagelo atinge sobretudo mulheres e crianças; afeta especialmente a população que tem apenas o ensino básico; concentra-se essencialmente na Área Metropolitana de Lisboa; e tem nos desempregados um alvo preferencial.

  • Aqui está um problema estrutural que deveria merecer um acordo de regime entre partidos e instituições sociais. É preciso reduzir este tumor social. A normalização da pobreza é um crime social.

  1. A boa notícia da semana tem a ver com os aumentos das pensões em 2024: a esmagadora maioria das pensões (até mil euros) terão aumentos de 6%.

  • A grande novidade, porém, é outra. Finalmente há dois anos consecutivos com aumentos reais do poder de compara dos pensionistas. Em 2022, houve perda de poder de compra. Os aumentos foram inferiores á inflação. Em 2023 e 2024 é o contrário: nestes dois anos há um aumento real do poder de compra das pensões. É certo que para cada pensionista em concreto, é um aumento insuficiente. Mas é um aumento real. Acima da inflação. Uma forma de ajudar a combater a pobreza.

MEIO ACORDO NA SAÚDE

  1. Nem acordo total nem desacordo completo. Um meio acordo.

  • Primeiro, é uma vitória do SIM. Não consegue o acordo ideal, mas consegue um acordo com aumentos de 15%. Bem acima do estado geral da função pública. Como o ótimo é inimigo do bom e a negociação é a arte do possível, o SIM averba uma importante vitória.

  • Segundo, para o Ministro este acordo é uma meia vitória com sabor a derrota. Ao não conseguir acordo com ambos os sindicatos, o Ministro não conseguiu pacificar o setor. Vai sair do Ministério sem deixar uma marca forte e visível.

  • Terceiro, este acordo é um presente envenenado para o próximo governo. Como vai herdar um acordo intercalar e precário, vai ter que voltar às negociações. Uma herança pesada.

  1. A grande questão agora é esta? Os médicos que se recusavam a fazer mais horas extraordinárias vão recuar nesse propósito?

  • Há uns que recuaram. Outros não. Consoante estão ligados ao SIM ou à FNAM. Mas a maioria mantém a recusa às horas extraordinárias. Espera-se, pois, um mês de dezembro difícil nas urgências. Ainda mais difícil do que é habitual.

  • Mas o problema mais sério vai ser no próximo ano. Não nos primeiros meses. Mas no segundo semestre do ano. As recusas às horas extraordinárias vão voltar em força. O novo governo vai herdar um sector novamente em polvorosa.

O FIM DO CICLO DE COSTA

  1. A aprovação do OE e a demissão do governo que ocorrerá na próxima semana, marca o fim do ciclo político de António Costa. Um ciclo que tem uma grande curiosidade: aconteceu tudo ao contrário do que se previa.

  • Previa-se no início que a geringonça não aguentasse muito tempo. Durou uma legislatura e meia.

  • Previa-se depois que uma maioria absoluta era impossível. Foi possível.

  • Previa-se a seguir que António Costa batesse Cavaco Silva em termos de longevidade como PM. Afinal, Cavaco continua imbatível.

  • Previa-se ultimamente que o PM sairia do poder depois do PR e assim ganharia a "guerra" que existe entre os dois. Afinal, Costa caiu e Marcelo está de pedra e cal e até reforçado.

  • Previa-se que a grande aposta do governo PS seria no domínio social e que a sua maior fragilidade seria nas contas públicas. Afinal, foi o oposto: o maior sucesso de António Costa foi na redução da dívida; o maior fracasso foi no plano social, sobretudo no SNS, na escola publica e na habitação. O que não é brilhante para um governo de esquerda.

  1. Em resultados, pela positiva e pela negativa, há seis grandes marcas a reter:

  • No plano financeiro, a redução da divida pública. É histórico.

  • No plano demográfico, a duplicação do número de imigrantes.

  • No plano social, a degradação do SNS e da escola pública e o défice habitacional que atinge enormes proporções.

  • No plano económico, apesar de convergência com a média da UE, o empobrecimento relativo face aos Países de Leste.

  • No plano fiscal, os sucessivos recordes de aumento da carga fiscal.

  • No plano político, António Costa "assassinou" a ideia de maioria absoluta. As trapalhadas em torno da TAP, os tiques de arrogância na governação e as suspeitas que envolveram o próprio PM, matam qualquer ideia de maioria absoluta no futuro.



PRÓXIMO GOVERNO: HIPÓTESES POSSÍVEIS

  1. Vendo as sondagens, as promessas de não haver governos com o Chega e a quase impossibilidade de nova maioria absoluta, eis os hipotéticos governos que podemos ter pela frente:

  • Vitória de Montenegro: há uma hipótese altamente improvável. Um governo PSD, IL, CDS, com apoio parlamentar maioritário na AR. Mesmo a três, é muito difícil haver aqui uma maioria de deputados.

  • Vitória de Montenegro: há um cenário provável. Um governo de maioria relativa do PSD, IL CDS. Pode ser viabilizado pela abstenção do Chega, que dificilmente se aliará à extrema-esquerda para derrubar um governo de direita. Ou viabilizado pelo PS, se o líder for J. Luís Carneiro.

  • Vitória do PS com Pedro Nuno Santos: há um cenário altamente improvável. Uma nova geringonça, igual a 2015. No atual contexto, parece muito difícil a esquerda ter maioria de deputados na AR.

  • Vitória do PS com Pedro Nuno Santos: há um outro cenário também difícil. Uma geringonça, mas só com maioria relativa. Tal implicaria que algum partido á direita do PS se abstivesse para viabilizar tal governo. Parece de ficção científica.

  • Vitória do PS com José Luís Carneiro: há uma hipótese improvável. Como este potencial líder é contra a geringonça, tentará uma nova maioria absoluta do PS. Um objetivo difícil, no atual contexto.

  • Vitória do PS com José Luís Carneiro: há um cenário possível. Um governo minoritário do PS, viabilizado pelo PSD. Seria o regresso a soluções já experimentadas no passado. Até porque, perdendo eleições, o PSD precisará de tempo para reconstruir a sua liderança.

  1. Qualquer que seja o próximo governo, há uma realidade que parece inevitável: será um governo precário, sem apoio parlamentar maioritário e dificilmente durará uma legislatura. Corremos o risco de voltar ao pré-1987: aos governos de curta duração que antecederam a primeira maioria absoluta de Cavaco Silva.



AS ELEIÇÕES NO PS

  1. Há duas novidades esta semana: as sondagens e as Moções de Estratégia.

  • Não há, obviamente, sondagens aos militantes. São, todas elas, sondagens aos portugueses. A maior parte dá vantagem a Pedro Nuno Santos sobre José Luís Carneiro. São vantagens ligeiras, mas são vantagens. Mas surgiu uma sondagem da Universidade Católica em sentido oposto: a dar vantagem a José Luís Carneiro. Ambos têm motivos para estarem satisfeitos.

  • A segunda novidade é nas Moções de Estratégia. Nunca se viram dois candidatos à liderança tão diferentes e contrastantes. Um, claramente ao centro. Outro, manifestamente à esquerda. Há três aspetos, pelo menos, em que a diferença é enorme: contas certas, privatização da TAP e geringonça. José Luís Carneiro é o candidato da continuidade. Pedro Nuno Santos está mais distante das opções de António Costa.

  1. Quanto ao PSD, as sondagens continuam a não ser interessantes. Embora ainda não haja nenhuma pós-Congresso. Mais interessante pode ser a ideia que Luís Montenegro deixou na entrevista à SIC: uma coligação pré-eleitoral que inclua partidos e uma plataforma de independentes. Trata-se de "revisitar" Sá Carneiro, de 1980.

  • Concorrendo em coligação, o PSD pode beneficiar de mais alguns deputados, só por efeito do método de Hondt. Com independentes, transmite uma imagem de abertura e contra o afunilamento. E o CDS passa a ter a certeza de regressar ao Parlamento. Ganha, antes mesmo das eleições se realizarem.

A GUERRA E A CIMEIRA DO CLIMA

  1. Três destaques sobre a guerra no Médio Oriente:

  • Retomada a guerra, há ainda cerca de 140 reféns em posse do Hamas. Foram libertados pouco mais de 100. Esperam-se novas negociações nas próximas semanas.

  • As operações militares de Israel estendem-se agora para sul de Gaza, onde está 80% da população. O risco de muitas mortes civis é grande, o que mostra que Israel vai pagar um preço enorme de impopularidade junto da comunidade internacional e dos EUA.

  • Uma solução de paz – na base da ideia de dois Estados – é cada vez mais uma miragem. Pelo contrário, o risco de um contágio regional continua muito presente.

  1. A Cimeira do Clima é importante, mas as expectativas não são grandes;

  • Primeiro, um paradoxo. O Presidente da COP é o Presidente de uma grande petrolífera. É legítima a especulação: o seu papel é vender petróleo ou reduzir os combustíveis fósseis?

  • Segundo, a realidade. Os objetivos do Acordo de Paris, de 2015, estão todos ultrapassados. As emissões de carbono aumentaram desde então, com exceção do tempo da pandemia. É difícil passar do papel à prática.

  • Terceiro, o desafio. Os grandes blocos emissores de carbono são a China, os EUA e a Índia. Cuja grande ambição é a supremacia económica. Com investimentos à custa de mais petróleo. Assim, fica para trás a transição energética. Enquanto tal suceder, o desafio climático não se ganha.

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