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08 de Outubro de 2019 às 09:00

Marques Mendes: Nova geringonça é o "mal menor" para o PS

Luís Marques Mendes analisa em exclusivo no Negócios os resultados das eleições legislativas. Leia o artigo do ex-líder do PSD.

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GANHAR E PERDER FACE ÀS EXPECTATIVAS

 

  1. Todas as eleições têm as suas originalidades. Desta vez, a grande originalidade foram as expectativas. Em boa verdade, quase todos ganharam ou perderam face às expectativas.
  • O PS ganhou as eleições mas perdeu face às expectativas. Afinal e expectativa era a de obter a maioria absoluta, irremediavelmente banida por uma campanha desastrosa.
  • O BE ganhou o mesmo número de deputados de há 4 anos, apesar de ter perdido votos, e ficou aquém das expectativas da campanha e mesmo do início da noite eleitoral.
  • O PAN subiu em deputados e votos mas não logrou ficar ao nível das expectativas das últimas semanas e das derradeiras sondagens.
  • O PSD, por sua vez, teve o pior resultado eleitoral dos últimos 30 anos, pior ainda que o de Santana Lopes em 2005, mas ganhou às expectativas das sondagens de há um ou mais meses. 
  1. A este critério das expectativas só escapam mesmo o CDS e a CDU. Esses perderam em relação a tudo – em relação aos resultados anteriores e às expectativas. Assim, olhando para os dois critérios – factos e expectativas – temos a originalidade das originalidades: nesta eleição, olhando para os partidos tradicionais, parece que há mais perdedores que vencedores. A única excepção são os novos partidos. Esses ganharam simultaneamente aos factos e às expectativas. 

 

A VITÓRIA AMARGA DO PS

 

António Costa ganhou as eleições. A verdade, porém, é que vai ter nos próximos anos uma vida mais difícil do que teve nos últimos quatro anos, apesar de então ter perdido as eleições. A prova provada de que há vitórias amargas, com sabor a desilusão.

  • Primeiro: agora já não o "papão" Passos Coelho para cimentar as hostes. A comparação a partir de agora é com os resultados obtidos e as promessas feitas. Uma dificuldade.
  • Segundo: qualquer solução de governo no futuro será mais instável do que a que existiu até agora. Mesmo que seja uma geringonça recauchutada. O espectro da instabilidade está no ar e acentuar-se-á ao longo do mandato. Mais dificuldade.
  • Terceiro: teremos no futuro menos economia, mesmo que não haja uma recessão. Mas todos os sinais externos – da Europa e fora dela – são no sentido de abrandamento económico. Ora, menos economia é menos dinheiro para distribuir. E menos dinheiro para distribuir é popularidade a menos e instabilidade a mais. Nova dificuldade.
  • Quarto: PCP e BE não serão tão dóceis no futuro como foram até agora. O primeiro, porque precisa de compensar na rua o esvaziamento com que se confronta nas urnas. O Bloco, esse, não fará a vida fácil ao PS. Afinal, em vários momentos, foi o verdadeiro saco de boxe do PS. Muitas vezes de forma desnecessária. A "vingança" chega sempre. Outra dificuldade.
  • Finalmente: a relação do PM com o PR. Por causa de Tancos, a relação entre Marcelo e Costa ficou afectada. Não havia necessidade. Não se esperem, a este respeito, sinais ou afloramentos públicos nos próximos tempos. Mas dificilmente a relação entre os dois voltará ao que era. E Costa, sem maioria, é manifestamente o elo mais fraco. Uma última e não irrelevante dificuldade. 

 

O FUTURO DO PSD E DO CDS

 

  1. Em política, saber sair é uma arte. Uma arte que poucos sabem cultivar. Assunção Cristas fê-lo como poucos. Saiu bem, saiu com elegância e saiu com dignidade. O CDS teve um mau resultado. A sua líder teve uma atitude nobre.
  • A vida do CDS no futuro não será fácil. Primeiro, porque já não há Paulo Portas para voltar em tempos de aflições. Depois, porque há clivagens ideológicas e divisões internas que não são despiciendas. Terceiro, porque a presença da Iniciativa Liberal e do Chega no Parlamento contribuem para "ensanduichar" o CDS. Finalmente, porque terá tendência a alastrar o espectro da sobrevivência do partido. O que seria uma pena. Um CDS forte faz falta à democracia. 
  1. O caso do PSD é diferente. Depois de uma liderança de dois anos apagada, errática e ausente, Rio surpreendeu com uma campanha solta, assertiva e acutilante. O que o levou, na noite eleitoral, a tentar transformar uma pesada derrota – a maior dos últimos 30 anos, pior ainda que a de Santana Lopes em 2005 – em vitória eufórica. O que prova que a antiga e bem conhecida capacidade do PCP de transformar derrotas em vitórias mora agora noutras sedes e tem outros protagonistas.
  • Rio ganhou, porém, um direito. O direito a ir em Janeiro a eleições internas. Não devia hesitar em candidatar-se. Tal como os seus adversários internos. O PSD só ganhará com tal clarificação.
  • O problema do próximo líder do PSD vem a seguir. Conseguirá Rui Rio ou qualquer outro líder que o substitua agora fazer 4 anos de mandato na oposição? Até hoje, em 45 anos de democracia, nenhum conseguiu. Uma sina? 

 

E AGORA, QUE GOVERNO?

 

Em teoria, António Costa tem duas soluções possíveis:

 

  1. Primeira: um governo minoritário do PS sem acordos pré-estabelecidos. Seria um governo para negociar caso a caso, lei a lei, orçamento a orçamento, ora à esquerda, ora à direita. É o chamado governo de geometria variável. Em tudo semelhante a Mário Soares em 1976, a Guterres 1 e 2 e a Sócrates 2.
  • Tem vantagens – não obriga o PS a uma prévia negociação global; a aprovação de orçamentos só carece de abstenção de um partido (porque o PS tem mais deputados que PSD e CDS juntos); e a abertura de uma crise obriga toda a direita a toda a esquerda a juntar-se, o que nem sempre é fácil.
  • Mas tem desvantagens sérias. É um governo com o permanente espectro da incerteza, da instabilidade e da crise; um governo que passa a ser fustigado por duas oposições, à esquerda e à direita; um governo com mais agitação social; um governo para quem a negociação de cada orçamento vai ser o Cabo das Tormentas; um governo que pode cair no final de 2021. Em conclusão: um governo para 2 anos e um retrocesso em termos de estabilidade.

 

  1. Segunda: uma nova geringonça, eventualmente alargada ao PAN e Livre. Pode ser difícil de negociar mas é, analiticamente falando, a que garante maior solidez. O espaço de manobra para negociar não é grande, é o que é. Mesmo concretizada, até porque não terá acordos escritos, uma nova geringonça nunca será tão robusta quanto a anterior. Mas, em termos de estabilidade, é a única, à partida, que pode garantir um governo de 4 anos.
  • O ano de 2021 é, para o PM, uma bomba pronta a rebentar. É um ano especialmente crítico: primeiro, a Presidência Portuguesa da UE dá, por natureza, sucessos lá fora mas desgaste e problemas agravados cá dentro; segundo, nas autárquicas, o PS só pode perder, depois de tanto ter crescido há dois anos; terceiro, aprovar o OE para 2022 será um drama; quarto, o PR estará já em segundo mandato e de mãos livres para poder dissolver.

Se quiser evitar estas "espadas de Dâmocles", Costa só tem o caminho de uma nova geringonça. Não é totalmente seguro. Mas é o mal menor.

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