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Luís Marques Mendes 17 de Março de 2024 às 21:14

Marques Mendes: Governo precisa de "ministros experientes", sem tempo para "estagiar"

No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes analisa o possível impacto do voto dos imigrantes e a futura composição de um Governo liderado por Luís Montenegro. Fica ainda a análise ao "efeito Chega" e às consequências desta eleição para o Presidente da República.

O VOTO DOS EMIGRANTES

 

  1. Estamos a viver uma situação muito atípica: a AD já afirmou que vai governar; o PS já assumiu a derrota; o Presidente já está a receber os partidos; a data da posse do governo já está agendada, mas os votos dos emigrantes, pelo menos em teoria, ainda podem mudar o sentido do voto de 10 de março.

Não é provável que tal aconteça. Mas tudo isto é um pouco estranho: afinal, é a primeira vez que, pelo menos em tese, o voto dos portugueses residentes no estrangeiro pode decidir uma eleição nacional.

 

  1. Não sendo provável que os votos da emigração tragam alterações de fundo ao resultado final, já duas outras surpresas podem acontecer:
  • Por um lado, a não eleição do Presidente da AR, Santos Silva, que concorre pelo círculo de fora da Europa. É um risco sério. A suceder, seria algo de inédito e irónico. Inédito porque nunca um Presidente do Parlamento que foi candidato a deputado deixou de ser eleito. Irónico, porque se tal acontecer, será á custa do Chega e significará que o Chega derrotou Santos Silva. É uma espécie de desforra do Chega, depois de Santos Silva o ter provocado na AR.
  • Por outro lado, também não será estranho se o Chega tiver nos círculos da emigração um resultado até proporcionalmente superior ao que teve no território nacional. Sobretudo no Brasil, com a ajuda da família Bolsonaro, e na Suíça, a força eleitoral do Chega é muito grande nos círculos da emigração.

 

O GOVERNO DE MONTENEGRO

 

  1. Ainda está em aberto se será um governo da AD ou um governo da AD e da IL. É muito possível que as duas formações façam um acordo global, que inclua governo e eleições europeias. Se tal acontecer, a IL deverá ter dois ministros e o CDS um. Os demais, serão do PSD. Se a IL não entrar no governo, haverá um ministro do CDS e os demais indicados pelo PSD.

 

  1. Será um governo com um caminho muito estreito. As condições de governabilidade são as mais reduzidas de sempre. Mas também tem uma vantagem: parte de expectativas baixas. Pode surpreender. Para tal, tem de cingir-se a três preocupações centrais:
  2. Primeiro, além de ministros competentes, precisa de ministros experientes. Se forem ministros sem experiência política e governativa, passarão muito tempo a adaptar-se aos lugares. A "estagiar". E isso paralisa o governo.
  3. Segundo, tem de ser um governo com grande iniciativa e capacidade de decisão. Logo nos primeiros 60 dias. Ou causa uma boa impressão logo no início, ou não haverá segunda oportunidade para impressionar. Até porque precisa de chegar às europeias já com "obra" a apresentar.
  4. Terceiro, tem de ser um governo com grande capacidade de diálogo. À esquerda, com o PS, com quem deve fazer, pelo menos, três acordos: novo Aeroporto, escolha do novo PGR e reformas da justiça. À direita, com o Chega. Dialogando caso a caso, proposta a proposta, OE a OE. Começando por garantir ao Chega um vice-presidente da AR. Não o fazer seria afrontoso para um milhão de eleitores.

 

  1. A meu ver, há sete Ministros especialmente sensíveis no próximo governo: Assuntos Parlamentares, Finanças, Economia, Saúde, Educação, MAI, Justiça. E há outras sete questões decisivas para decidir em 100 dias: o programa de emergência na saúde; a recuperação do tempo de serviço dos professores; a revisão do Mais Habitação; a localização do novo aeroporto; a criação de um novo impulso ao PRR; a melhoria das pensões mais baixas (CSI); aprovação do novo IRS Jovem. Da rapidez destas decisões vai depender muito o sucesso do governo.

 

 

GOVERNO PODE CAIR COM O OE?

 

  1. Poder, pode. O Chega e o PS podem fazê-lo, chumbando o OE para 2025 e provocando novas eleições antecipadas. Foi um cenário que admiti na noite eleitoral. Mas também pode não suceder. Vai depender de duas coisas: o estado do governo e a vontade do PS.
  • Primeiro, do estado do governo. Se o governo estiver a governar bem; se estiver com boa imagem; se negociar bem o OE para 2025, dificilmente a oposição derruba o governo. Tem medo de ser penalizada nas urnas. Como sucedeu em 1987, com o governo minoritário de Cavaco Silva. O País quer estabilidade.

 

  1. Mas decisiva mesmo é a vontade do PS. Até porque a abstenção do Chega não basta para aprovar o OE. É precisa também a abstenção do PS. E o PS pode não ter interesse em novas eleições já em 2025. Pode ter mais a perder que a ganhar.
  • Pedro Nuno Santos saiu-se bem agora. A pesada derrota que o PS teve é mais de António Costa que do atual líder. Por isso, apesar da derrota, ninguém coloca em causa a sua liderança.
  • Mas, se Pedro Nuno chumbar o OE para 2025, provocar novas eleições e não as ganhar, então, sim, acaba a sua liderança. Duas derrotas seguidas são fatais. Nenhum líder aguenta.
  • E é muito provável que, se houver eleições antecipadas no início de 2025, o PS não as consiga ganhar: primeiro, porque a dinâmica de vitória ainda está do lado do Chega; depois, porque o PS precisa de tempo para recuperar o que perdeu agora.
  • PNS só pode derrubar o governo se vir uma probabilidade forte de ganhar. Não pode precipitar-se e arriscar perder segunda vez.

 

  1. Claro que alguns socialistas dizem que o PS não pode abster-se num OE porque isso é incompatível com ser oposição. Não me parece. O PSD de Marcelo viabilizou três Orçamentos de Guterres e o PSD não deixou de ser oposição, não se desuniu nem se descaracterizou. Até ganhou credibilidade pelo serviço prestado á estabilidade do país.

 

 

O EFEITO CHEGA

 

  1. Aritmeticamente falando, a direita teve o seu segundo melhor resultado de sempre (52,63%). O maior ocorreu em 1991, na segunda maioria de Cavaco Silva (55,03%). Em qualquer caso, foi um grande resultado. Para o qual, goste-se ou não, contribuiu decisivamente o Chega:
  • Fez baixar a abstenção, "chamando" mais eleitores a votar;
  • Fez com que a bipolarização dê lugar á tripolarização;
  • Criou condições para se consolidar na vida política nacional, ao contrário do que sucedeu com o epifenómeno PRD.

 

  1. Aqui chegados, há três questões distintas a reter:
  • Primeira, a normalização. Ao nível da AR, o povo "normalizou" o Chega. Deu-lhe praticamente todos os direitos e poderes dos dois grandes partidos: um lugar no Conselho de Estado; direitos potestativos de agendamento e de Comissões de Inquérito; presidência de Comissões; delegações internacionais.
  • Segunda, a governação. O Chega tem o direito a reclamar fazer parte do governo. Mas a AD não pode violar o seu maior compromisso eleitoral: Não é Não. Sob pena de Montenegro perder toda a sua credibilidade. Logo, cada um faz o seu papel.
  • Terceira, a inteligência política. É preciso perceber que quem votou no Chega não é gente racista ou xenófoba. São pessoas zangadas. Zangadas com impostos altos; com a saúde e educação que funcionam mal; com a sensação de que não se combate a corrupção; com alguns efeitos perversos da imigração desregulada. A bem da democracia, o novo Governo tem de saber dar resposta a estes problemas. Como? Governando com eficácia e resultados. Se o não fizer, o populismo fará o seu curso.

 

OS PEQUENOS PARTIDOS

 

  1. Os pequenos partidos tiveram resultados muito diferentes. Em comum, só mesmo o facto de pouco terem sido afetados com o voto útil.
  • O Livre é o grande vencedor á esquerda. Fez uma bela campanha. Imaginativa e responsável.
  • O PCP é o grande perdedor. Está a perder desde o início da geringonça e sem saber tirar ilações das derrotas.
  • A IL manteve os seus oito deputados, mas, se tivesse feito coligação, teria tido mais.
  • O BE aguentou, mas não beneficiou nada da enorme queda do PS.
  • O PAN conseguiu aguentar. Porque quase não houve voto útil.

 

  1. Estes resultados não surpreendem. O que surpreende mesmo são as "jogadas" ridículas do PCP e do BE, para fazerem prova de vida.
  • O PCP é o segundo maior derrotado desta eleição. Baixou de 6 para 4 deputados. Está politicamente muito diminuído. Mesmo assim, já anunciou uma Moção de Rejeição ao Programa de Governo. Sem ainda haver governo e muito menos Programa de Governo. Parece uma Moção de rejeição aos resultados eleitorais. Ou seja, uma Moção de rejeição aos eleitores. É com estas e outras originalidades, que o PCP vai desaparecendo.
  • O BE, por sua vez, quer tomar a iniciativa de reunir com toda a esquerda, para fazer uma espécie de geringonça da oposição. Não deixa de ser um gesto de uma certa arrogância política. É que quem lidera a oposição é o PS e não o BE.

 

 

MARCELO PERDEU OU GANHOU?

 

  1. As vozes anti Marcelo multiplicaram-se estes dias. Dizem que Marcelo é um perdedor destas eleições. Justificam essa opinião com a instabilidade e o crescimento do Chega. A minha opinião é outra. Marcelo cometeu alguns erros. O maior de todos foi não ter posto ordem nas fontes do Palácio de Belém que passaram ao Expresso, na véspera das eleições, a informação de que o PR tudo faria para o Chega não ir para o governo. Foi um disparate e foi contraproducente.

 

  1. Posto isto, Marcelo não é nenhum perdedor:
  • Primeiro, não foi o PR a provocar a queda do Governo. Foi a demissão do PM.
  • Segundo, depois da demissão, não havia alternativa a eleições antecipadas. Era, de resto, o sentimento da opinião pública, segundo várias sondagens.
  • Terceiro, ter um governo liderado por um PM não eleito, que ainda por cima não era líder do PS nem podia sê-lo (Mário Centeno não é militante do PS), era o caminho para o desastre. Ter Centeno a PM e Pedro Nuno a líder do PS só por sorte não dava desastre.
  • Quarto, é verdade que o Chega cresceu muitíssimo nestas eleições. Mas a responsabilidade não é do PR. Se houvesse eleições mais tarde, o Chega provavelmente cresceria o mesmo ou ainda mais. A não ser que se suspendessem as eleições!!
  • Em conclusão: o PR não é perdedor destas eleições. O povo até lhe deu razão ao expressar uma vontade de mudança: o PS passou do governo para a oposição; o PSD passou da oposição para o governo; uma maioria de esquerda na AR deu lugar a uma maioria de direita. Afinal, havia mesmo vontade de mudança.

 

ELEIÇÕES EUROPEIAS

 

  1. Se não tivesse havido eleições legislativas antecipadas, as Europeias de 9 de junho teriam uma carga política fortíssima. Assim, continuam a ser importantes, mas deixaram de ter um forte significado político:
  • Estas eleições costumam ser uma oportunidade para um voto de "castigo" ao governo. Mas, desta vez, não será assim. O Governo do PS já foi castigado em 10 de março. E o novo governo da AD ainda não terá tempo bastante para ser eleitoralmente punido.
  • É certo que o Chega vai para estas eleições com uma forte dinâmica de vitória. E tem todas as condições para ter um grande resultado. Mas isso não terá consequências ao nível da governação.
  • Curioso vai ser saber se a AD, com dois meses de governação, beneficia de uma eventual entrada com o "pé direito".

 

  1. Uma coisa é certa: estas eleições europeias teriam um grande significado político se António Costa fosse cabeça de lista do Partido Socialista. Isso apimentava muito esta eleição. Seria a reentrada em força de António Costa. Até porque podia mostrar que, com ele, o PS consegue vencer eleições.
  • Só que António Costa não vai mesmo ser candidato às europeias. E não vai ser simplesmente porque não quer. Já tomou a sua decisão final. Ainda não se sabe quem liderará a lista do PS. Mas não será António Costa. Isso está decidido.

 

 

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