Opinião
Marques Mendes: Governo aberto a criar novo apoio social e injeção no Novo Banco através de sindicato bancário
As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário habitual na SIC. O comentador fala sobre a pandemia em números, os desafios da pandemia, o Orçamento do Estado, os dinheiros de Bruxelas e a "ameaça" da Embaixada dos EUA.
A PANDEMIA EM NÚMEROS
- Comecemos pelo estado da arte:
- Número de internados – Estamos hoje, em Setembro, bastante melhor do que estávamos em Abril. O que significa que as infecções de hoje são menos graves do que as verificadas na 1ª fase da pandemia. Um factor de esperança.
- Número de óbitos – Estamos hoje, em Setembro, significativamente melhor do que estávamos em Abril. Outra boa notícia.
- Nada disto é motivo para facilitar ou embandeirar em arco. Afinal, o Inverno ainda não chegou, a gripe sazonal ainda está para chegar e agora as escolas estão abertas. A situação vai inevitavelmente agravar-se. Mas há motivos, pelo menos para já, para não entrar em pânico. Impõe-se uma monitorização permanente.
OS DESAFIOS DA PANDEMIA
- Primeiro desafio: combater bem a pandemia para não prejudicar mais a economia. E como não podemos voltar a confinar como fizemos em Março, só temos uma alternativa: reforçar as formas de combate à pandemia. Mas os sinais não são os melhores.
- Máscaras na rua – A recomendação da DGS não é carne nem peixe. Quer agradar a gregos e a troianos. Dá a sensação de que a DGS não sabe o que fazer. Anda ao sabor dos acontecimentos.
- Testes rápidos – Outra hesitação da DGS. Nem sim nem não, mas talvez. É NIM. Agora é que vão estudar. A sensação que fica é que a DGS anda a correr atrás do prejuízo.
- Lares – Há mais dúvidas que certezas. Vê-se muita retórica e pouca acção. Falta um plano de intervenção.
- Segundo desafio: doentes não Covid. O país não se esgota na Covid. Há outras doenças e outros doentes. Na 1ª vaga houve discriminação – os hospitais concentraram-se na Covid e descuraram a não Covid. Mas isso foi compreensível. O vírus era desconhecido. Os médicos sabiam pouco da doença. O pânico estava instalado. As imagens de Itália e Espanha eram assustadoras. Agora tem de ser diferente:
- Nos hospitais tem de haver zonas Covid e zonas não Covid. Tem de haver espaço e condições para tratar doentes Covid e doentes não Covid.
- A sociedade não vai aceitar novas discriminações. E não há razão para discriminar. As circunstâncias são diferentes: os médicos conhecem melhor o vírus e as terapias a adoptar; os grupos de risco estão mais protegidos; o SNS está mais bem preparado.
ORÇAMENTO – PASSA OU HÁ CRISE?
- O OE para o próximo ano vai passar. Com muitas dificuldades e ranger de dentes mas vai passar. O país não pode acrescentar uma crise política à crise de saúde, económica e social que está em curso. O normal será a viabilização à esquerda. Foi assim no passado. Mas não é fácil.
- O PCP já descolou. Não viabiliza o OE. Foi vítima da geringonça e quer recuperar o que perdeu. Precisa de passar à oposição.
- O BE está dividido. Uma parte quer o chumbo do OE. Outra parte admite negociar mas impõe condições fortes: mudanças nas leis laborais, inflexibilidade em relação ao NB, um novo apoio extraordinário ao rendimento.
- O Governo está a meio caminho destas exigências: aberto a criar um novo apoio social (custa umas centenas de milhões); aberto a que as verbas para o NB (através do FR)não venham do OE mas sim de um sindicato bancário nacional que já está criado; aberto a algumas "mexidas" nas leis laborais mas nunca a consagrar todas as exigências. Doutra forma "compra" uma guerra com Bruxelas. Será isto suficiente para o apoio do Bloco? Ainda é cedo para o dizer.
- Se não for o BE, vai ter de ser o PSD, na 25ª hora, a viabilizar o OE. E, ao contrário do que se pensa, não é um "presente envenenado" para o PSD. Pelo contrário, pode ser uma grande oportunidade. Porquê?
- O PSD invocará o interesse nacional. A presidência da UE, as presidenciais, a impossibilidade de até Março o PR dissolver o Parlamento, a gravidade de uma crise no pico neste momento. Os portugueses apreciarão e Rui Rio sair-se-á bem.
- Mas atenção: qualquer que seja a solução, há consequências a tirar. Se a esquerda não viabilizar agora o OE, significa que, por maioria de razão, não o viabiliza daqui a um ano. Logo, a decisão de hoje será uma certidão de óbito para o Governo, a prazo. É apenas adiar a crise. Porque o PSD pode viabilizar um OE mas não viabiliza dois. Se a esquerda o viabilizar, ainda haverá uma luz ao fundo do túnel para o próximo OE.
HÁ ALTERNATIVA EM CASO DE CRISE?
- Em caso de crise, o centro direita e o PSD em particular têm três problemas: um problema de alternativa; um problema de governabilidade; o problema do Chega.
Curiosamente, num excelente artigo no jornal I, o presidente da JSD – ao propor entendimentos entre PSD, CDS e IL – veio indirectamente, com lucidez e inteligência, alertar para esses problemas.
- Primeiro problema: a falta de alternativa. Pode haver uma crise e o Governo dar sinais sérios de desgaste. A verdade, porém, é que o país ainda não vê no PSD e no centro direita uma solução alternativa. É objectivo. Basta olhar para as sondagens. O PS baixa mas o PSD não sobe.
- Segundo problema: a falta de condições para governar. Havendo uma crise e eleições antecipadas, o PSD até pode ganhar. É o partido alternante da governação. Mas depois forma governo com quem? Não se vê. Pode repetir-se o drama de 2015. A verdade é esta: há um problema novo em Portugal. Durante anos, havia um problema de governabilidade à esquerda. Agora, esse problema passou para a área do centro direita.
- Terceiro problema: o Chega. Não são as suas ideias tontas e absurdas que assustam. Nem sequer o seu protagonismo mediático. O que assusta é que o Chega cresce, em grande medida, à custa do descontentamento com PSD e CDS. Tudo porque uma parte dos eleitores do PSD e do CDS acha que estes dois partidos não fazem boa oposição. Isto é que assusta.
- Entretanto, o PSD aprovou o apoio à provável recandidatura de Marcelo. É uma decisão natural, óbvia e previsível. Podia ter sido mais cedo. É verdade. Mas a decisão era evidente. E isso é que importa.
OS DINHEIROS DE BRUXELAS
- O Governo apresentou as linhas gerais do plano para aplicar os novos fundos europeus. A primeira nota é de decepção: o debate que houve na AR foi simplesmente deprimente. Nem uma ideia nem uma proposta. Só soundbytes e generalidades. O país passou ao lado.
- A segunda nota é sobre as prioridades do Governo: as opções estão no essencial correctas mas são completamente óbvias. Não têm qualquer novidade em relação ao último Acordo de Parceria. Mesmo assim há falhas.
- Faz falta um programa de combate à pobreza infantil. É um dos maiores dramas que Portugal tem. Não aproveitar esta oportunidade para combater a pobreza infantil será uma falha imperdoável.
- Faz falta um programa de erradicação de lares ilegais e clandestinos e de apoio ao sector social para investimento nesta área.
- Faz falta um programa de apoio à concentração empresarial, ao processo de fusões e aquisições, e de maior aposta na ligação entre universidades e empresas. As PME são o novo núcleo duro. Mas é preciso ganhar músculo, ganhar escala, ganhar competitividade.
- Falando em fusões: é verdade que BCP e Montepio se vão fundir, como diz o Expresso? Eu diria: contactos entre os dois bancos nesse sentido ainda não houve; contactos com o MF sobre o tema Montepio também não houve; mas não é de excluir essa hipótese. Ela faz sentido e operações de fusões e concentrações na banca são a tendência actual. Basta olhar para Espanha.
EMBAIXADOR DOS EUA "AMEAÇA" PORTUGAL
- Primeira nota: a entrevista do embaixador dos EUA ao Expresso traduz-se nisto: ameaça, chantagem e ultimato a Portugal. É inqualificável. No plano político, é uma entrevista à Trump – sem nível. No plano diplomático, é uma entrevista pouco profissional (a diplomacia faz-se com "punho de ferro e luva de veludo").
- Segunda nota: a reacção do Ministro Santos Silva – os portugueses é que decidem. Foi uma reacção correctíssima. Firma, com nível e com categoria.
- Terceira nota: toda esta pressão dos EUA tem a ver com as telecomunicações, a tecnologia 5G e a Huawei. Só que a partir de agora, os EUA complicaram a vida de Portugal. Seja qual for a decisão do país, vai sempre dizer-se: ou é uma decisão para afrontar os EUA ou é uma decisão para ceder à pressão dos EUA.
- Quarta nota: o investimento chinês e americano. Vejamos esta imagem impressiva: no tempo de crise, os chineses investiram muito em Portugal. No mesmo período, os EUA desinvestiram da Base das Lages. Só amizade não chega.
- Finalmente: isto não invalida que não tenha de haver especial cuidado com o investimento chinês. Claro que sim. A China não faz investimentos apenas por razões económicas. Também quer expandir o seu poder. Não sejamos ingénuos. O que implica que sejamos capazes de ponderar sempre não só a vertente económica como também a vertente geoestratégica.