Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
17 de Abril de 2022 às 21:33

Marques Mendes: "Este é claramente o orçamento do imposto escondido"

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o Orçamento do Estado, o artigo de Cavaco Silva e os destaques da guerra, entre outros temas.

  • 3
  • ...

ORÇAMENTO DO ESTADO

 

  1. Este é claramente o orçamento do imposto escondido. Porque é um OE marcado pela inflação e esta mais não é que um imposto escondido.

É um OE com aspetos positivos, designadamente: as medidas sociais, sobretudo nas pensões e nas creches; a redução do défice; a redução da dívida; as medidas para compensar a subida dos preços; o fim do imposto "Costa Silva". Apesar de desautorizado, o Ministro teve um prémio de consolação: não conseguiu convencer o PM; mas convenceu o líder da oposição. Original!

Mas há também aspetos negativos neste OE: a perda de poder de compra dos funcionários públicos; a perda de poder de compra dos pensionistas; a não atualização dos escalões do IRS, o que gera agravamento fiscal; a falta de ímpeto reformista, prosseguindo a tendência dos OE anteriores.

 

  1. Politicamente falando, há em torno deste OE algumas novidades:
    1. No discurso. Como já não há geringonça, o Governo assume abertamente a política de contas certas. Faz bem. Só não há necessidade de exagerar, como fez Medina no Expresso ao dizer que esta é uma política de esquerda. Contas certas não é uma política de esquerda ou de direita. É simplesmente uma política correta e responsável.
    2. É o primeiro OE de António Costa em que há perda de rendimentos em vários sectores da sociedade. Até agora os OE do PS tratavam de recuperar e melhorar rendimentos. Este é o primeiro que reduz poder de compra. Claro que a responsabilidade é da inflação. Mas, chame-se austeridade ou contenção, claro que esta é uma novidade do OE. Falta saber como é que o Governo aguenta esta pressão.
    3. Este OE é um bónus para a oposição. Em particular para o PCP e a CGTP. Dá-lhes uma boa oportunidade de irem para a rua. Contestar e reivindicar. O PCP e a CGTP podem começar a recuperar na rua o que perderam nas eleições e no discurso sobre a guerra.

 

 O TESTE DE MEDINA

 

  1. O grande teste a Fernando Medina será no próximo OE para 2023. Em relação a este, a sua responsabilidade principal é apenas na execução. Quanto ao conteúdo, o essencial vinha de trás. Medina limitou-se a adaptar o OE à situação de guerra que se vive na Europa, minimizando os seus efeitos.

 

  1. Mas daqui a poucos meses, no OE para o próximo ano, Fernando Medina tem o seu verdadeiro teste: ou faz história, deixando a sua marca própria no OE; ou é apena mais um Ministro que passa pelo lugar, sem deixar uma marca.
    1. Mário Centeno e João Leão deixaram a marca da redução do défice e do superavit orçamental. Essa será sempre a marca de Centeno e Leão. Não de Medina, mesmo que tudo lhe corra bem.
    2. Medina só pode deixar a sua marca noutra área: na reforma fiscal, reduzindo impostos. E manda a verdade que se diga que ele deu um sinal na conferência de imprensa da passada quarta-feira: ao sinalizar a reforma do IRC para o país reganhar competitividade.
    3. Falta saber se o novo MF vai ter forca política para fazer uma boa reforma fiscal. Condições não lhe faltam: como MF é um Ministro todo-poderoso. Como amigo do PM tem um estatuto invejável.

O ARTIGO DE CAVACO SILVA

 

  1. Os artigos de opinião de Cavaco Silva geram normalmente algum alvoroço e polémica. Este não foi exceção. Porquê?
    1. Primeiro: porque é um texto centrado no ponto mais fraco da gestão governativa (a baixa de divisão na UE);
    2. Depois, porque o autor não é uma pessoa qualquer. E é muito acutilante na análise que faz.
    3. Finalmente, porque não há oposição. E, não havendo oposição, o espaço não socialista revê-se nesta crítica. Mais do que isso. Precisa deste tipo de posições.

 

  1. Mas, desta vez, o artigo de Cavaco Silva pode ter um outro resultado: ajudar os candidatos à liderança do PSD a construírem o seu discurso de alternativa ao Governo.

É que o artigo apresenta causas (tirar Portugal da cauda da Europa) e formula algumas propostas concretas (à cabeça a redução de impostos). Claro que, por si só, o artigo não faz um programa alternativo. Mas ajuda. Seguramente que Luís Montenegro e Jorge Moreira da Silva não andam distraídos e percebem a mensagem.

 

DESCENTRALIZAÇÃO: RUI MOREIRA CONTRA

 

  1. Com um certo estrondo, Rui Moreira ameaça sair da ANMP, por causa do processo de descentralização. Não sei se essa é ou não uma boa solução. O que sei é que na questão de fundo ele tem toda a razão: o que está a fazer-se é uma descentralização de fachada.

 

  1. Vejamos alguns exemplos práticos:
  • Saúde. A gestão dos Centros de Saúde passa para os Municípios. Mas os Municípios não podem, por exemplo, definir os seus horários de funcionamento ou acrescentar novas valências, mesmo que as paguem do seu orçamento. Isto é um simulacro de descentralização.
  • Educação. A gestão das escolas passa para os Municípios. Mas os Municípios não têm qualquer palavra em matéria curricular; na colocação de professores; ou sequer nos horários de funcionamento das escolas. Isto não é uma verdadeira descentralização.
  • Verbas transferidas. Parecem ser insuficientes para os objetivos em causa, sobretudo no domínio da educação. Há mesmo um estudo independente da Universidade do Minho a dar razão às queixas de Rui Moreira. Desta forma, "mata-se" o poder de ação dos Municípios.
  • Este assunto é demasiado sério para não ser debatido.

 

  1. Entretanto, voltemos ao tema dos desequilíbrios regionais. Já conhecemos a região mais rica do país (LVT) e a mais pobre (Norte). Mas há outra realidade a reter: mesmo dentro de cada região as desigualdades são grandes:
  • Lisboa e Vale do Tejo: a AML é obviamente a sub-região mais rica (98% face à média da UE). A mais pobre é a sub-região do Medio Tejo (62,4%). Um desequilíbrio grande.
  • Região Norte: a sub-região mais rica é a AMP. Está quase ao nível da média nacional (73,6%). As sub-regiões mais pobres são o Tâmega e Sousa e o Alto Tâmega (cerca de 49%). Mais um forte desequilíbrio.

 


 OS DESTAQUES DA GUERRA

 

  1. Primeiro destaque: a Rússia está cada vez mais acossada. Política e militarmente. Do ponto de vista militar, teve uma derrota humilhante esta semana: o afundamento do navio "Moscovo". É uma enorme perda. Mostra a força ucraniana, mas sobretudo a fragilidade russa. Do ponto de vista político, teve mais um pesadelo: a Suécia e a Finlândia, antes países neutrais, sinalizaram a adesão à NATO ainda este ano, o que fez desesperar a Rússia. Passa a ter a NATO mais forte e mais perto de casa. Uma Rússia em desespero pode ser uma Rússia ainda mais violenta.

 

  1. Segundo destaque: se a Ucrânia entrar na UE, o Presidente Zelensky vai ser um "osso" duro de roer. O primeiro grande sinal foi dado esta semana: Zelensky proibiu o Presidente da Alemanha de ir à Ucrânia. Zelensky lá tem as suas razões: quando foi MNE no Governo alemão, Steinmeier foi muito próximo de Putin. Mesmo assim, o gesto de Zelensky é de uma enorme arrogância. A Alemanha errou no passado, mas no presente colocou-se corajosamente ao lado da Ucrânia.

 

  1. Terceiro destaque: a hipocrisia dos EUA. Biden insiste na existência de crimes de guerra na Ucrânia e no julgamento dos seus responsáveis. Tem razão. Mas não tem autoridade. Lamentavelmente os EUA nunca ratificaram a existência do Tribunal Penal Internacional e não o reconhecem oficialmente. Há 121 Países que o aprovam. Mas não é o caso dos EUA. No melhor pano cai a nódoa.

 

  1. Quarto destaque: a fadiga da guerra. Estamos a caminho de uma guerra longa. A Rússia está longe de uma vitória militar. E, sem vitória militar, ainda que parcial, não vai recuar. Ora, uma guerra longa pode ser um risco para a Ucrânia e para a Europa. Na Ucrânia, pode abalar a resistência. Na Europa, as consequências económicas da guerra podem abalar as opiniões públicas e fomentar populismos. Só a Rússia pode ter a ganhar com uma guerra longa.
Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio