Opinião
Marques Mendes: Debate com Ventura “foi o melhor de toda a vida política de Marcelo”
As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre o novo confinament, o processo de vacinação, o adiamento das eleições, os debates televisivos, a polémica com a Ministra da Justiça e a invasão do Capitólio.
NOVO CONFINAMENTO?
- Comecemos pelos factos. A situação é muito preocupante:
Número de internados e de óbitos – A pior semana de sempre.
Novos casos por Região – O Norte e a LVT têm 70% do total de casos do país.
- Por que é que chegámos até aqui? Três razões essenciais:
Segundo, o surgimento de novas estirpes do vírus, mais agressivas em termos de contágio. Outra das razões apontadas pelos especialistas.
Terceiro, o facilitismo do Governo e dos partidos no período de Natal. Não explica tudo mas explica muitos dos novos casos. O que o Governo e os partidos fizeram no Natal foi uma certa leviandade. Os especialistas recomendaram medidas de contenção. Os políticos resolveram facilitar. O resultado aí está: a situação agravou-se. Voltámos a correr atrás do prejuízo.
- O que se segue agora? Com início na próxima quinta-feira, haverá um novo confinamento geral provavelmente de um mês – 15 dias, renovados por mais 15 dias, com algum alívio na segunda quinzena – semelhante ao de Março/Abril, com algumas excepções: por exemplo, as escolas e os dentistas não encerrarão actividade. Os tribunais agirão em teletrabalho.
- Chegados onde chegámos, provavelmente não há alternativa. É o mal menor. Doutra forma, o SNS entra mesmo em colapso. Mas não nos iludamos. É mais uma "pancada" séria na economia e na situação social.
- Mas há aqui mais uma falha. Se é urgente agir, por que é que só há decisão na próxima semana? Por que é que não se agiu já esta semana? Cada dia que passa a situação piora. É difícil compreender.
PROCESSO DE VACINAÇÃO
- Duas semanas de vacinação, duas conclusões: primeiro, o processo está a correr bem; segundo, até anteontem , dia 8, tomaram a primeira dose da vacina 74.099 pessoas. Mas só estarão vacinadas quando tomarem a segunda dose.
- Em matéria de vacinas, há algumas boas novidades:
Vacina da Pfizer – Os recebimentos são feitos semana a semana; até ao fim de Janeiro receberemos 399 mil doses; até ao fim do 1º trimestre, 1 milhão e 200 mil doses. Já é melhor.
Vacina da Astrazeneca – Se for aprovada este mês, a perspectiva é de recebermos até ao fim de Março 1 milhão e 400 mil doses. Seria fantástico.
- No entretanto, uma informação e uma sugestão:
A sugestão é esta: a DGS nas conferências de imprensa que costuma fazer deveria passar a fazer, uma vez por semana, o ponto da situação da vacinação: quantas pessoas estão vacinadas, quantas vacinas estão recebidas, quais os passos seguintes.
ADIAR AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS?
- O quadro eleitoral é atípico: não há grandes condições para fazer campanha eleitoral; e a abstenção pode ser invulgarmente elevada. Só que adiar eleições pode ser ainda pior:
Segundo: adiar por mais tempo? Um mês, dois meses? Mas isso colide com a Constituição e uma revisão constitucional é um processo complicadíssimo.
Terceiro: uma solução destas exigiria praticamente a unanimidade de posições entre partidos e candidatos. Muito difícil.
- Neste quadro, julgo que é importante garantir:
Segundo: que nesta eleição há muito mais mesas de voto que nas demais eleições, para evitar filas, aglomerações de pessoas e contágios;
Terceiro: que os idosos que estão confinados em lares votam lá e não têm de se deslocar a Assembleias de voto. Até por uma razão de coerência. Na vacinação, o Governo decidiu, e bem, que a vacinação dos idosos é feita nos lares onde habitam. Em coerência, nas eleições devem ser as assembleias de voto a ir aos lares em vez de irem os idosos às assembleias de voto.
OS DEBATES TELEVISIVOS
- Foram globalmente interessantes; geraram boa expectativa; ajudaram a substituir uma campanha atípica; bem moderados.
- Quanto aos candidatos:
- Vitorino Silva – Igual ao que se lhe conhece: espontâneo e genuíno.
- João Ferreira – Cumpriu os seus objectivos. Fez os possíveis e impossíveis para fidelizar o eleitorado do PCP.
- Marisa Matias – Foi a maior desilusão destes debates. Esteve muito aquém do fulgor de há 5 anos. E foi vítima do voto do BE no último OE.
- Tiago Mayan – Foi a boa surpresa. Não tem grande notoriedade, experiência política e traquejo mediático. O que é normal. Mas mostrou coragem, frontalidade e pensamento político. Tem potencial de crescimento.
- Ana Gomes – Esteve em bom nível na generalidade dos debates. Mas cometeu dois erros desnecessários: o primeiro, a ideia de ilegalizar o Chega. É um favor que faz a André Ventura; o segundo, a ideia de comparar António Costa a Vitor Orban. Um completo exagero. É uma afirmação que nem é verdadeira nem lhe é útil para captar eleitores socialistas.
- André Ventura – Perdeu face às expectativas mas ganhou nos seus nichos de mercado. Ventura tinha expectativas altas. Está a crescer nas sondagens, é o único candidato que é líder partidário e tem traquejo dos debates de futebol. Mas mostrou debilidades: falta-lhe solidez, pensamento e substância política. Não tem uma causa. Uma ideia de fundo. Só tem casos. É muito pouco para um líder e acaba por cansar.
- Mesmo assim, pode ter um bom resultado: primeiro, porque beneficia com as tontices da esquerda que quer proibir o Chega; depois, porque, sendo o candidato anti-sistema, beneficia do voto de protesto dos que estão descontentes; finalmente, porque fala para nichos de mercado e não para o eleitorado em geral.
- Marcelo Rebelo de Sousa – Esteve bem nos vários debates. Esteve muito bem no debate com André Ventura. Com estratégias diferentes:
- Nos debates com Marisa e João Ferreira, usou sobretudo a arma da simpatia para seduzir eleitores à esquerda;
- No debate com Ana Gomes, explorou as críticas de Ana Gomes ao PM para consolidar apoios no eleitorado socialista;
- No debate com Ventura, fez o que Macron fez a Le Pen no debate das presidenciais francesas. Derrotou-o no plano das ideias. Foi o melhor debate de toda a vida política de Marcelo.
A POLÉMICA COM A MINISTRA DA JUSTIÇA
- O Governo tem muita sorte. A sorte de nenhum partido exigir um inquérito parlamentar. Se houvesse um inquérito parlamentar, este assunto podia ser fatal para o Governo. Sobretudo para a Ministra da Justiça.
- Vamos aos factos desta semana:
Segundo: a desautorização da Ministra: na semana passada, a Ministra deu a entender que não sabia da carta e das "mentiras" da carta. Esta semana foi desautorizada e desmentida pelo Director-Geral que se demitiu: afinal, a Ministra sabia de tudo; até foi ela que deu orientações quanto ao conteúdo da carta; até havia cópia da carta no seu gabinete. "Zangam-se as comadres, sabem-se as verdades". A verdade não é bonita para a Ministra.
Terceiro: a Ministra disse na AR que pensou em pedir a demissão. Esta confissão diz tudo. Pensou em pedir a demissão porque percebeu que o assunto era grave, porque foi publicamente desautorizada, porque sente "culpas no cartório". O que a salvou foi a Presidência Portuguesa da UE. Se o PM aceitasse esta demissão, isto era um "caso" na Europa. Obrigava a rever todo o processo e manchava a imagem de Portugal.
- Finalmente, há que dizer:
O PSD também exagerou com a ideia peregrina de uma queixa-crime. Ainda bem que os visados tiveram a lucidez de declinar essa ideia.
O Mº Pº também não sai muito bem neste filme. Perante um documento oficial com declarações falsas devia ter aberto um inquérito. Até o Presidente do Sindicato dos Magistrados do Mº Pº falou em crime. Só que o Ministério da Justiça é o Ministério da Justiça. O respeitinho tem muita força!
A INVASÃO DO CAPITÓLIO
- Um Presidente louco – como aqui várias vezes designei Donald Trump – não quis sair da presidência dos EUA sem fazer a pior e a mais grave das loucuras: incentivar a invasão do Capitólio.
- Já não vai haver nem tempo nem condições para ele ser destituído ao abrigo da 25ª emenda ou para concretizar um processo de impeachment.
- Mas seria bom que a justiça americana o levasse a tribunal. Afinal, ele foi o autor moral deste crime que, além do mais, teve um dano brutal na imagem dos EUA em todo o mundo.
- Para o futuro ficam, a meu ver, três conclusões:
A segunda: os Republicanos vão pagar um preço sério por estes quatro anos de loucura e por sempre terem ratificado a acção de Trump.
A terceira: Biden tem aqui um desafio enorme e uma oportunidade notável.
- O desafio enorme é unir os americanos. Os EUA são hoje uma nação profundamente dividida e radicalizada.
- A oportunidade notável é a de, depois de ter assegurado maioria no Senado, poder concretizar uma forte agenda reformista. Se o não fizer, só se pode queixar de si próprio.