Opinião
Marques Mendes: Congresso "é mais uma machadada na credibilidade do PCP"
As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre a renovação do estado de emergência, as novas medidas do Governo e o Congresso do PCP, entre outros temas.
A RENOVAÇÃO DO ESTADO DE EMERGÊNCIA
- Como era previsível, foi renovado o estado de emergência. A novidade foi o discurso do PR. Um bom discurso:
- Primeiro, foi um discurso claro e de verdade. É o que se espera dos responsáveis políticos. Que falem verdade.
- Segundo, foi um discurso exigente em relação ao Governo. Explicando que não é tempo para adiar ou facilitar. Se não se tomam medidas agora, tomam-se com maior dureza e durante mais tempo no futuro.
- Terceiro, foi um discurso com um recado oportuno ao PCP. Ao elogiar a Igreja Católica por aceitar cancelar as celebrações do Natal, o que o PR quis dizer ao PCP foi isto: adiem o Congresso.
- Finalmente, deixou um outro recado necessário aos partidos políticos – um tempo de pandemia exige um mínimo de consenso político e coesão social. O tempo é de unidade nacional.
- Apesar de muito elogiado, houve uma crítica ao PR por ter alertado para a eventualidade de uma terceira vaga em 2021. A alegação é esta: não é tempo para alarmar mais as pessoas.
Julgo que a crítica não faz sentido. Quem falou da terceira vaga foram os especialistas na reunião do Infarmed. Assim sendo, o PR deve dizer a verdade aos portugueses. Não é para assustar. É para informar que há um novo risco no horizonte. É por termos andado a esconder grande parte da verdade que estamos hoje na situação crítica em que estamos.
AS DECISÕES DO GOVERNO
- O que dizer das decisões ontem anunciadas pelo Governo?
- Primeiro: a comunicação. Foi assim, assim. Não fazer uma conferência de imprensa à meia-noite já foi bom. Mas o PM não esteve nos seus melhores dias. E concentrar no mesmo dia uma comunicação do PM e uma entrevista televisiva da MS não é bom. Até parece que o PM e a MS estão em competição um com o outro.
- Segundo: a proibição de circular entre concelhos nos feriados de Dezembro. É uma medida dura mas necessária. É preciso fazer um apelo para que todos a cumpram. Podem contornar a lei mas estão a prejudicar a saúde pública.
- Terceiro: medidas diferentes por grupos de concelhos. O governo criou 4 escalões, em função da gravidade dos concelhos. Já não era sem tempo. O princípio está certíssimo. Mas a sua aplicação prática é injusta. Porque trata de forma igual os dois escalões mais elevados. Como é que se compreende que concelhos que têm 500 novas infecções diárias/100 mil habitantes tenham as mesmas restricções que os concelhos com duas mil ou três mil novas infecções? Devemos tratar diferente o que é diferente.
- Quarto: entretanto, o governo decidiu também dar autonomia aos hospitais para a contratação de médicos e outros profissionais de saúde. Muito bem. Até já devia ter sido mais cedo. Mas há uma coisa muito incorrecta. Na véspera, o PS chumbou na AR uma proposta do BE com o mesmo objectivo. É uma atitude muito deselegante.
- Finalmente: as medidas são suficientes e no tempo certo? Tenho a maior das dúvidas que sejam suficientes no que respeita aos 47 concelhos mais críticos. Quanto ao tempo de decisão, tenho uma certeza: várias destas medidas são tardias. Vêm com semanas de atraso. Os números não mentem:
- Há três semanas, Portugal era o 14º pior país da UE em novos casos. Há uma semana era o 10º pior. Hoje é o 6º pior. Afinal, a Europa está a melhorar. Portugal está a piorar. São factos!
O CONGRESSO DO PCP
- Aí está em força a polémica do Congresso do PCP. Tal como disse aqui na semana passada ,a questão não é legal. É política. Um congresso político não deve ser proibido, mas pode ser adiado.
- Sendo assim, há duas coisas que devem ser feitas:
- Primeira: António Costa devia fazer um apelo ao PCP para adiar o Congresso. Tal como o PM fez um apelo aos empresários para dispensarem os trabalhadores nas vésperas dos próximos feriados. Por que é que o PM não faz um apelo igual ao PCP? Por que é que o PM não diz ao PCP: "Os senhores têm todo o direito a realizarem o vosso Congresso. Mas em nome da saúde pública, do combate à pandemia e do bom senso, faço um apelo para que o adiem para melhor oportunidade." Um apelo necessário.
- Segunda: o PCP devia tomar a iniciativa de adiar o seu Congresso. Jerónimo de Sousa dizer aos portugueses: "Temos todo o direito de fazer o Congresso; somos capazes de o organizar com total segurança sanitária; mas como não queremos ser vistos como tendo um tratamento de favor e como queremos dar um exemplo de solidariedade para com as populações confinadas, vamos adiar o nosso Congresso." Se fizesse isto, saía por cima.
Não o fazendo, a percepção é esta: há dois pesos e duas medidas; portugueses de primeira e de segunda. Mais uma machadada na credibilidade do PCP, do Governo e dos políticos em geral.
AS VACINAS E O NATAL
- Mantêm-se dúvidas sobre as vacinas e o Natal. Comecemos pelas vacinas.
- Primeiro: o processo de aprovação das primeiras vacinas está muito acelerado. Pelo menos duas delas podem ser aprovadas antes do fim do ano. É um grande motivo de esperança.
- Segundo: a Pfizer admite começar a fazer vacinações ainda antes do Natal.
- Terceiro: o governo espanhol já vai aprovar na próxima terça-feira o seu plano de vacinação, o qual prevê que parte substancial da população seja vacinada até Julho.
- Quarto: aqui, em Portugal, só agora o Governo anunciou a criação de uma Comissão para preparar o programa de vacinação. Ainda que venha tarde, só podemos aplaudir. Esperemos é que esse programa não tenha as falhas que teve o programa da vacinação da gripe.
- Agora, sobre o Natal. Estamos a chegar ao fim de Novembro e todos querem saber como vai ser o Natal. O Governo nada diz.
- A sensação que se tem é que o Governo está "assustado" com o Natal. Assustado com a reacção popular que possa existir à introdução de limitações para o Natal.
- Dois conselhos ao Governo: primeiro, fale verdade às pessoas. Se lhes falar verdade, as pessoas aceitam limitações, mesmo no Natal. Já toda a gente percebeu que o Natal deste ano tem de ser diferente; segundo, espera-se que o Governo não demore a decidir. Quanto mais tarde, maior a irritação nas pessoas. Elas precisam de orientações a tempo e horas para programar a sua vida.
A PANDEMIA NO MUNDO
- Fez esta semana um ano que tudo começou. Foi há precisamente um ano que o primeiro doente infetado com um vírus então desconhecido entrou num hospital da China. Como é que estamos hoje, no mundo, um ano depois? Vejamos:
- Primeiro – Os 10 piores países do mundo em número de infetados por um milhão de habitantes: Bélgica, República Checa, EUA, Israel, Espanha, Suíca, França, Argentina, Peru, Brasil.
- Segundo – Os 10 piores países do mundo em número de óbitos: Bélgica, Peru, Espanha, Itália, Argentina, Reino Unido, Brasil, EUA, Chile, México.
- Algumas conclusões a tirar:
- Primeira: este é um vírus democrático. Atinge a todos por igual. Países ricos e países pobres.
- Segundo: a Europa e a América, são os continentes mais afectados. Surpreendentemente, a África, um continente pobre, é uma das grandes excepções.
- Terceira: os dois países mais populosos do mundo – a China e a Índia – não estão nas piores posições.
- Finalmente: todos os países são atingidos sem dó nem piedade. Ricos e pobres. Só que os países ricos têm uma capacidade de resposta maior que os países pobres. Consequência: o mundo vai ficar mais injusto e desigual.
A PRESIDÊNCIA PORTUGUESA DA UE
- Em Janeiro de 2021, Portugal vai exercer pela quarta vez na sua história a presidência da UE. É talvez a mais desafiante das nossas quatro presidências – por um lado, porque é no semestre da nossa presidência que vão surgir as primeiras vacinas contra a Covid 19 – é histórico; por outro lado, porque é o semestre que coincide com o início do mandato do novo Presidente dos EUA – oportunidade para relançar a relação transatlântica; finalmente, porque é o semestre em que muito provavelmente se concluirá o acordo pós-Brexit com o RU. Neste momento há 70% de hipóteses de haver acordo.
- Portugal tem todas as condições para fazer uma boa presidência. Primeiro, pelo seu histórico – também no passado Cavaco Silva, António Guterres e José Sócrates fizeram presidências prestigiantes; segundo, porque temos um programa bem elaborado e uma diplomacia traquejada e competente; terceiro, por uma razão de motivação adicional. O PM aspira a exercer no futuro um alto cargo europeu, provavelmente Presidente do Conselho Europeu. Também por isso quer deixar uma marca forte, exercendo uma presidência competente, dialogante, fazendo pontes com todos e apresentando resultados.
- O programa, esse, tem sobretudo quatro grandes apostas estratégicas:
- O desbloqueamento da bazuca europeia;
- A Cimeira Social Europeia, em Maio, no Porto;
- A Cimeira UE/Índia;
- E, eventualmente, a Cimeira UE/África que, por causa da pandemia, a presidência alemã não conseguiu organizar.
- Pode ser uma grande oportunidade para a Europa e para Portugal. Há muitos desafios no horizonte. E também grande incerteza. É muito desafiante.