Opinião
Marques Mendes: Claro que andam todos a fazer bluff. Ninguém quer abrir uma crise
As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre o Orçamento, Ursula von der Leyen em Portugal, o estado da pandemia e a infeção por covid-19 de Donald Trump, entre outros temas.
ORÇAMENTO OU CRISE?
- A grande novidade desta semana é a reviravolta do PCP. Era dado como estando fora do processo. Pois bem. Tudo mudou – o PCP entrou nas negociações, já acertou tudo o que é essencial com o Governo e prepara-se para se abster no OE. Porquê esta reviravolta surpreendente? Primeiro, a grande relação que existe entre o PM e Jerónimo de Sousa; depois, porque o PCP é um partido grato- o Governo tem-no ajudado nas relações com a CGTP e na Festa do Avante; terceiro, porque sentia o incómodo de ver o BE a apropriar-se das boas noticias que haverá no OE; finalmente, porque concluiu que viabilizar só este OE, sem se comprometer para o futuro, lhe era favorável.
- Falta agora saber o que faz o BE. Até agora o Bloco era o único interlocutor. Como era único, exigiu um preço muito alto. Agora, só tem duas opções: ou sai fora e vota contra; ou continua a negociar a abstenção mas vai ter de ceder nalgumas condições (Novo Banco e legislação laboral).
No entretanto, o Governo resolveu o seu problema. Tem o OE viabilizado.
- Claro que andam todos a fazer bluff. Ninguém quer abrir uma crise. Todos tremem com essa ideia. Porque todos perdiam. Todos, menos o Chega.
- O PCP e o BE seriam os mais penalizados se houvesse eleições antecipadas. Seriam vistos como os parceiros da geringonça que falharam à chamada. Por isso, o PCP anda hesitante; e o BE anda nervoso.
- Para PSD e CDS uma crise seria um susto. Era o adeus à liderança por parte de Rio e de Francisco Rodrigues dos Santos. Basta ver a sondagem do Expresso. Toda a direita, incluindo o Chega, não ultrapassa os 38%. Um desastre. Recordo que, para governar, são precisos 44%.
- Para o PS seria igualmente mau. Sairia duplamente derrotado: derrotado porque ganhava as eleições mas continuava sem maioria absoluta; derrotado porque continuava sem condições para governar. António Costa podia mesmo ter de abandonar a liderança.
PRESIDENCIAIS DIVIDEM PS
- Há um mês o PM tinha pedido aos Ministros que se abstivessem de comentários sobra as presidenciais. Esta semana, Santos Silva posicionou-se contra Ana Gomes e PNuno Santos a favor. Estas posições são legítimas. Mas são um desafio à autoridade do PM. Significam duas coisas:
- Primeiro: a autoridade de António Costa já não é o que era. Os Ministros já não o respeitam como respeitavam. O PM está a perder força e autoridade. É mais um sinal de erosão e desgaste, próprios do princípio do fim do seu ciclo político. Eu já vi isto por dentro, no cavaquismo, e por fora com Guterres e Sócrates.
- Segundo: dentro do PS a candidatura de Ana Gomes é um pretexto para atacar António Costa. Todos os que não gostam de António Costa ou são seus adversários internos estão com Ana Gomes. Não é propriamente por causa das presidenciais. O resultado está mais do que definido. É para bater o pé a António Costa. É o que sucede quando se perde autoridade.
- Entretanto, a sondagem do Expresso sobre presidenciais mostra três coisas que, para mim, eram previsíveis:
- Primeiro, Marcelo ganha confortavelmente à primeira volta e penetra em todos os eleitorados;
- Segundo, Ana Gomes, como tenho previsto, fica em 2º lugar e tem voto útil à esquerda, com prejuízo do Bloco;
- Terceiro, André Ventura falou de mais, precipitou-se e exagerou. Está em 3º lugar na sondagem e é muito difícil chegar à segunda posição.
URSULA VON DER LEYEN
- Ursula von der Leyen esteve em Portugal. Conheci-a no Conselho de Estado. Fiquei muito bem impressionado. Há um ano tinha baixas expectativas. Era uma desconhecida e parecia uma segunda escolha. Um ano depois, está a fazer uma "revolução" tranquila na UE. A afirmar-se como uma líder a sério.
- Entrou num momento difícil mas tem feito um belo trabalho.
- Criou uma Comissão paritária. É obra.
- Colocou o ambiente e o digital na agenda europeia. Essencial.
- A proposta do Pacto para as Migrações é um exemplo de coragem.
- E, sobretudo, conseguiu aprovar uma "bazuca" de 750 mil milhões para ajudar a resolver a crise económica e social. Foi uma decisão corajosa e inovadora. Salvou a UE e gerou uma Nova Esperança em torno da Europa. Se não fosse este passo em frente, a UE estava hoje minada por extremismos e populismos.
- Claro que tem dois bons "trunfos" a seu favor: é alemã e está a ser ajudada pelo eixo franco-alemão. Mas tem um inegável mérito pessoal: é competente, determinada e tem as ideias bem arrumadas.
- Em meados de 2021, Portugal deverá começar a receber as verbas da Europa. Mas começa mal, com duas más decisões. Primeira: o Governo quer facilitar as adjudicações de obras públicas, mas há um risco enorme de abrir a porta a mais corrupção. É preciso corrigir esta "lei" na AR – maior rapidez, sim, mas sem abrir a porta a carteis e corrupção. Segunda: a não recondução do Presidente do TC, Vítor Caldeira, que fez um excelente mandato. Já vimos o mesmo com a ex-PGR, Joana Marques Vidal. Explicação do Governo: num caso e noutro só se deve fazer um mandato. Só que eu discordo – já discordei na PGR e discordo agora. Quem faz bom mandato deve ser reconduzido.
O ESTADO DA PANDEMIA
- Os dados existentes evidenciam três conclusões:
- Primeiro: apesar de um número alto de infetados (Setembro foi pior que Abril), estamos muito melhor que no pico da crise (em Abril) em número de internados – o que significa que os novos casos não são tão graves.
- Segundo: em número de óbitos estamos também em situação bem melhor do que estávamos em Abril.
- Terceiro: no plano europeu, estamos em 14º lugar e abaixo da média europeia em termos de novos casos. Temos vindo a melhorar a nossa posição relativa. Ou seja: o drama na Europa é bem maior que o problema em Portugal.
- Entretanto, começou esta semana a vacinação contra a gripe sazonal. Duas palavras: uma de elogio; outra de crítica.
- Elogio à DGS por ter começado a vacinação mais cedo do que o habitual e ter reforçado o número de vacinas a utilizar.
- Crítica à DGS: comprou e está a disponibilizar as vacinas contra a gripe. Mas não cuidou de assegurar vacinas para os cerca de 15 mil profissionais do sector privado da saúde. Ainda que elas fossem pagas pelos privados. Uma omissão incompreensível. A DGS devia ser isso mesmo – a Direcção Geral de Saúde, de toda a saúde, pública e privada, e não apenas a DG do sector público e do SNS.
- Falando de vacinas, uma saudação: Durão Barroso foi eleito Presidente da Aliança Global para as Vacinas (GAVI). É uma organização internacional público-privada que trabalha para garantir a distribuição de vacinas nos países e populações mais pobres do mundo. É um trabalho muito meritório e prestigiante. E é mais um português que continua em alta no estrangeiro.
OS IDOSOS EM LARES
- No passado domingo chamei aqui a atenção para a situação dos idosos em lares. Parece que estão numa prisão. Sem poderem sair à rua. Uma violência.
- Esta semana volto ao tema, por duas razões:
- Primeiro: a Directora Geral de Saúde esteve na AR a dar conta do estado da pandemia. E sucedeu algo de inacreditável. Alguns deputados perguntaram à Directora Geral quando é que os idosos que estão em lares vão poder sair à rua. O que fez Graça Freitas? Pura e simplesmente não respondeu. Nem uma palavra, nem uma explicação, nem uma mensagem! Este desprezo pelos idosos é inqualificável.
- Segundo: a DGS resolveu esta semana "desconfinar" o futebol. Vai começar a haver público nos estádios. Fica esta sensação amarga: no futebol toda a gente faz pressão – a Liga, os clubes, as associações e os sindicatos. Logo, a DGS e o Governo "assustam-se" e cedem. Em relação aos idosos, não há sequer uma associação ou um sindicato que os defenda. Logo não têm voz. Ficam em "prisão" dentro dos lares. Isto não é justo.
- Esta situação não pode continuar. Claro que a solução não é fácil. É preciso agir com cautela e equilíbrio. Mas os idosos não podem continuar "presos" nos lares. Muitos deles acabam a morrer de depressão, de solidão, de perturbações mentais. Uma sociedade que despreza os seus idosos é uma sociedade falhada.
TRUMP COM COVID 19
- Politicamente falando, a infecção com Covid 19 é uma má notícia para Trump:
- Primeiro, obriga-o a interromper a campanha. Ora, é em campanha que ele é mais forte que Biden. E é ele que mais necessita de fazer campanha, porque está atrás nas sondagens e precisa de recuperar.
- Segundo, faz voltar à agenda o tema da pandemia. Ora, era isto que Trump queria justamente evitar – que se falasse da pandemia. Porque é na pandemia que a sua imagem está pior. Os americanos culpam-no pela gestão desta crise.
- Terceiro, mudou a narrativa política. Os Republicanos passavam a ideia de que Trump estava forte e vigoroso e de que Biden estava fisicamente acabado e esgotado. Agora, esta narrativa acabou. A Covid matou-a.
- Claro que, voltando à campanha, há-de tentar virar a doença a seu favor, com a ideia de que ele venceu a doença tal como a América há-de vencer a crise. Duvido da eficácia da mensagem.
- Esta doença, politicamente falando, só lhe pode ser útil num cenário – em caso de derrota. Se perder, com o ego que tem, Trump precisa de uma boa explicação para a derrota. Aqui a tem: dirá sempre que se não fosse a doença e a interrupção da campanha ganhava as eleições.
- Do ponto de vista político, a vida não está fácil para Trump: primeiro, não ganhou o debate televisivo e era ele que precisava de o ganhar; segundo, esta eleição não é igual à anterior – esta eleição é um plebiscito. Vota-se a favor ou contra Trump. Quem não quer Trum vota em Biden, mesmo que ele não seja brilhante; finalmente, Biden pode não ser o candidato ideal. Mas tem poucos anticorpos. E em política não ter anticorpos é uma enorme vantagem.