Opinião
Marques Mendes: Berardo não está a ver o “filme”
As notas da semana de Marques Mendes no seu habitual comentário na SIC. Marques Mendes fala sobre a carta que Joe Berardo enviou ao Parlamento, a constituição como arguido de Azeredo Lopes, as propostas fiscais de Rui Rio, entre outros assuntos
A BEBÉ MATILDE
- Primeiro apontamento: o caso da bebé Matilde emocionou o país. E aí veio ao de cima o espírito solidário notável da sociedade portuguesa. Nesse plano, somos um país exemplar.
- Segundo apontamento: é impressionante também o efeito brutal das redes sociais. Elas fizeram despertar o Estado para o problema da pequena Matilde. Antes, falava-se em arranjar dinheiro para ir aos EUA. Agora, já é tudo feito cá dentro, pelo Estado. Não quer dizer que o Infarmed tenha um tratamento privilegiado nuns casos em detrimento de outros. Nada disso. Mas que as redes sociais despertaram as consciências lá isso é verdade.
- Terceiro apontamento: em que ponto é que estamos neste caso?
- O Hospital é que tem de fazer ao Infarmed o pedido para uma utilização especial daquele medicamento. Está neste momento a ultimar o pedido.
- Logo que o pedido chegue ao Infarmed, a decisão será rápida – entre 7, 8, 10 dias. E deverá ser uma decisão favorável. O Infarmed já foi avançando com o seu trabalho, na convicção de que o pedido chega e para que a decisão não tarde.
- A seguir, o Hospital compra o medicamento, administra-o à Matilde de forma gratuita e todos esperamos, confiantes, que o fármaco produza efeitos e satisfaça as expectativas criadas.
- Último apontamento: preparemo-nos para muitos outros casos destes no futuro. Cada vez há mais doenças raras e medicamentos mais inovadores. Este avanço farmacêutico é excelente. Mas tem um custo elevado. E os países têm de estar preparados para isto. A gestão das PPP à beira desta questão – dos medicamentos inovadores – é um pormenor. Porém, os políticos discutem os pormenores e esquecem os pormaiores!
CARTA DE BERARDO AOS DEPUTADOS
A carta de Berardo à AR é inacreditável:
- Primeiro: Berardo é que se colocou a jeito para ser criticado. Pelo desplante e descaramento que exibiu quando foi falar ao Parlamento. Esteve a gozar com o pagode. Portanto, só pode queixar-se de si próprio. O que é que esperava? Ser elogiado?
- Segundo: faz-se de vítima. Mas esse estratagema não "pega". É risível. O país, os bancos e os contribuintes é que são vítimas dos seus comportamentos. Afinal, foi ele que não pagou as dívidas que contraiu.
- Terceiro: esta carta é um sinal de desespero. Mas é também sinal de que Berardo não está a ver o "filme":
- O país mudou. O que há anos era tolerado agora é motivo de indignação. Há uns anos, Berardo fazia uns números de circo perante as televisões, o país ria-se e ele achava-se um herói. Hoje, ele faz os mesmos números de circo. Só que agora o país indigna-se e ele passa de herói a vilão.
Acabou a Comissão de Inquérito à Caixa. Quando começou houve muitas críticas – que seria inútil e que só servia para prejudicar a imagem da CGD. Vários meses depois, tem um balanço brutalmente positivo.
- Primeiro, porque o país ficou a conhecer verdades inconvenientes;
- Depois, porque tudo isto terá um efeito dissuasor no futuro;
- Finalmente, porque os bancos mudaram muito de atitude – antes estavam bastante passivos perante os seus devedores. Agora, estão muito activos. Afinal, a opinião pública "faz milagres".
EX-MINISTRO ARGUIDO
- O ex-Ministro Azeredo Lopes foi constituído arguido no caso Tancos. O próprio está surpreendido. Pessoalmente, não me surpreende. E porquê? Porque tudo isto é muito estranho:
- Primeiro: é estranho o momento da demissão de Azeredo Lopes. Se tivesse sido nos dias seguintes ao assalto era normal. Estava a assumir responsabilidades. Mas sair apenas quando a "tramoia" da PJM veio a público é muito suspeito;
- Segundo: é estranho o seu comportamento perante o Memorando da PJM. Primeiro, não conhecia; depois, sabia da existência mas não conhecia o conteúdo; finalmente, só tinha conhecido o seu teor na véspera da demissão. É tudo muito estranho e muito suspeito!
Finalmente, este assunto é um incómodo para o Governo. A verdade é que pode haver acusação ainda em Setembro, antes das eleições, e, se Azeredo Lopes for acusado, esse cenário não é brilhante para o PS. Depois, porque vai haver uma outra especulação: e, se o Ministro sabia da encenação, o PM também não sabia? Mesmo sem provas, é uma especulação incómoda. Mesmo assim há que dizer: ser-se arguido ou acusado não é ser-se condenado. E toda a gente tem direito à presunção de inocência.
O CHOQUE FISCAL DE RIO
- Rio marcou a semana com as suas propostas fiscais. Três pontos positivos:
Segundo: antecipou-se ao PS. O PS irá apresentar oportunamente o seu cenário macro-económico. O PSD já o fez. É uma vantagem.
Terceiro: finalmente, há uma política alternativa clara em matéria fiscal. Como eu sempre disse, em matéria fiscal o PSD tinha que afirmar uma alternativa. Seria inexplicável que o não fizesse.
Para ser credível, Rui Rio tem agora que ter em atenção duas questões:
Primeiro: tem de explicar tudo muito bem para evitar a acusação de eleitoralismo. É que esta proposta representa uma redução substancial da carga fiscal. Muito maior do que se imaginava. Ora, quando a esmola é grande o pobre desconfia! Há o risco de as pessoas não levarem a sério.
Segundo: tem de fundamentar com muito rigor para evitar acusações de ligeireza. É que baixar o IRC, o IRS, o IVA da energia e o IMI, subir o investimento público e reduzir a dívida, fazendo tudo ao mesmo tempo, ainda por cima em tempo de arrefecimento da economia europeia e mundial, pode parecer um exagero.
Entretanto, segundo noticia hoje o Público, um dos principais vice-presidentes do PSD, Castro Almeida, abandonou a Direcção de Rui Rio. Não se sabem quais as verdadeiras razões desta decisão, mas eu diria o seguinte:
Primeiro, deve ter-lhe custado muito tomar esta decisão. Há uma relação muito forte e muito antiga entre Castro Almeida e Rui Rio;
Segundo, só podem ser razões muito fortes, porque Castro Almeida é um homem tranquilo. Não é pessoa de rupturas ou afrontamentos. E também não faz isto hoje a pensar numa jogada no futuro. Ele não é um calculista.
ELEITORALISMO À SOLTA
- Todos os governos, da direita à esquerda, fazem eleitoralismo. É um clássico da política. Mesmo assim, não é bonito. Sobretudo quando esse eleitoralismo nos é servido em doses colossais. Só esta semana há 4 casos a registar. Vejamos:
- Urgências das Maternidades já não fecham no Verão – É uma boa notícia. Mas mais eleitoralista não podia ser.
- Novo Simplex para evitar atrasos no Cartão de Cidadão – Outra boa notícia. Mas porquê só agora? A resposta é: eleições.
- Mais autonomia dos Hospitais para contratar pessoas – Outra excelente notícia porque os hospitais se queixam há muito do centralismo do M Finanças. Mas porquê só agora, em cima das eleições?
- Aprovado Programa de Habitação com Rendas Acessíveis – Uma feliz iniciativa. A pergunta que se impõe é esta: mas por que é que não surgiu mais cedo?
- Entretanto, o PS continua a fazer ziguezagues estratégicos. Uns apelam à maioria absoluta. Esta semana foi o Ministro Capoulas Santos. Outros ressuscitam a ideia de nova geringonça. É o que vem no Expresso. Para agradar às várias facções internas do PS isto pode ser útil. Para obter sucesso eleitoral é um erro.
- Se o PS quer mesmo tentar uma maioria absoluta, não pode ter hesitações, não pode dizer uma coisa e o seu contrário. Tem de ser consequente.
- Se continuar nesta linha de "catavento estratégico", o PS arrisca-se a "morrer na praia", como sucedeu com António Guterres em 1999. Fica próximo da maioria mas não a obtém.
AS DECISÕES DA UNIÃO EUROPEIA
- Angela Merkel – Primeiro, perdeu no PPE de forma humilhante. Depois, no final, ganhou no Conselho Europeu, sem que possa ser acusada de ter feito algo para ganhar. Mas uma coisa é certa: já não tem nem o peso político nem a autoridade que tinha. É o que sucede a quem está de saída dos lugares.
- Emmanuel Macron – Foi o grande ganhador deste Conselho Europeu. Mostrou capacidade de diálogo com todos. Foi dele a sugestão da nova Presidente da Comissão. Colocou uma francesa no BCE, o que é uma lança em África. E ganhou autoridade para exigir uma Europa de geometria variável.
- António Costa – Não saiu bem deste Conselho. Apostou tudo em Timmermans e falhou. Ao contrário de outros, não tinha plano B. Mas, como o PS tem um peso grande no PE, Costa tem agora uma oportunidade de negociar uma boa pasta para Portugal na futura Comissão. O seu objetivo é: a pasta dos Fundos e, nesse caso, a indicação de Pedro Marques para Comissário.
- Christine Lagarde – Foi a boa surpresa destas decisões. Toda a gente gostou. Incluindo os mercados, que reagiram bem. É bom para o BCE e para a Europa. Só pode ter um handicap: os seus problemas com a justiça, em França, ainda não acabaram. Muito longe disso.
- Ursula von der Leyen – Foi o nome que Macron descobriu para salvar Merkel e pôr ordem no Conselho Europeu. Começa com baixas expectativas. Mas esta sua desvantagem hoje pode ser a sua grande vantagem no futuro. Com expectativas baixas só pode superá-las e com isso criar uma boa impressão.