Opinião
Marques Mendes: "António Costa fez uma excelente negociação" nos apoios da UE
As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário habitual na SIC. O comentador fala sobre o plano de recuperação económica da UE, as novas previsões macroeconómicas do Governo, o fim dos debates quinzenais e a situação da pandemia, entre outros temas.
APOIO DA EUROPA
- Previ na semana passada que Portugal ia receber da UE "uma pipa de massa". Confirmou-se em pleno.
- É um momento histórico para a UE. Esta é das poucas vezes nos últimos anos que a UE tem estado à altura dos desafios. Há três mulheres com um papel essencial neste momento: Angela Merkel – uma liderança discreta e decisiva; Christine Lagarde – o BCE tem sido decisivo a comprar dívida e a manter controlados os juros; Ursula von der Leyen – está a afirmar-se mais rapidamente do que se imaginava.
- Depois, há que dizer que António Costa fez um excelente negociação e conseguiu óptimos resultados: vamos ter quase 60 mil milhões a fundo perdido até 2029; mais 15 mil milhões de euros de empréstimos; sem excluir o acesso a outras fontes de financiamento.
- Temos uma pipa de massa. Mas também temos riscos enormes. Vejamos:
- O risco do dinheiro mal gasto. Ou seja, atirar dinheiro para cima dos problemas. Tapar buracos e fazer remendos. É o habitual em Portugal.
- O risco de fazermos o que é urgente e não o que é importante. É a questão das prioridades. Vamos apostar a sério nas qualificações? Vamos finalmente reformar a Administração Pública para a tornar rejuvenescida e digitalizada? Vamos fazer a reforma da Justiça sempre esquecida?
- O risco da ilusão. O dinheiro não é tudo. Resolve muitos problemas. Mas só uma mudança de políticas põe o país a crescer de forma sustentada. Há duas décadas que estamos a perder. Já fomos o 16º país no ranking europeu, baixámos para 21º e daqui a 5 anos podemos ser um dos 5 mais pobres da UE.
- O risco da corrupção. Mais dinheiro para gastar, maior o risco de corrupção. A esta hora já deve haver agências e empresas a pensar em mil maneiras sofisticadas de fazerem "falcatruas" e negociatas.
O ESTADO DA NAÇÃO
- O debate do Estado da nação não teve propriamente novidades, a não ser o "convite" do PM a uma nova geringonça.
As novidades são outras e sérias:
- Ao que apurei e apesar de ainda não serem dados públicos, o Governo está já a trabalhar com previsões de evolução do PIB e do défice público bem mais sérias do que as previsões oficiais conhecidas.
- Assim, quanto ao PIB, as previsões actualizadas apontam para os seguintes números:
- Uma queda do PIB de 9% em 2020 (previsão próxima da CE). Um crescimento do PIB de 5% em 2021; e um crescimento de 4% em 2022.
- Conclusão: uma queda mais acentuada do que as previsões iniciais apontavam e uma recuperação mais lenta do que se imaginava.
- Já no que respeita ao défice, também as previsões actualizadas são importantes:
- Um défice de 7,1% em 2020; de 3,9% em 2021 e de 2,6% em 2022.
- Conclusão: um défice maior este ano e a novidade de que só voltaremos a ter um défice abaixo dos 3% em 2022. Mesmo assim, dentro das orientações de Bruxelas. É que a CE decidiu que o limite do défice abaixo dos 3% só volta a ser obrigatório quando o PIB voltar aos níveis de 2019.
NOVA GERINGONÇA?
- No debate do Estado da Nação, o primeiro-ministro lançou um convite ao PCP e ao BE para uma nova geringonça. Por que é que fez isto? Claramente para fazer um número político. Uma jogada táctica.
- Se o convite resultar, o mérito é de António Costa;
- Se não resultar, a culpa não é dele, António Costa. A culpa é do PCP e BE. E Costa fica com mãos livres para fazer acordos à direita.
- Se alguém abrir uma crise, o PM já está a ensaiar o caminho da vitimização.
- Claro que nada disto vai resultar em acordo formal e escrito, como no passado. PCP e BE, os dois em conjunto, não alinham na ideia. E o PM só faria acordo com os dois. Nunca fará com apenas um deles.
Mas, analiticamente falando, tudo isto é mau para o país. Primeiro, porque governos minoritários são soluções precárias. Depois, porque vamos andar sempre na dúvida: como se aprovam os orçamentos? Como se aprovam as muitas medidas do próximo Plano de Recuperação? Corremos o risco de termos uma manta de retalhos em vez de um plano coerente.
- No entretanto, deixemo-nos de hipocrisias. O que o PM verdadeiramente gosta é desta geometria variável: agir caso a caso, tema a tema, ora à esquerda, ora à direita, dividindo para reinar. É nisto que ele tem habilidade. Nada disto é bom para o país. Mas tem sido bom para António Costa.
FIM DOS DEBATES QUINZENAIS
- Esta decisão é um abuso e um absurdo. Comecemos pelo abuso. Se PS e PSD queriam acabar com estes debates, deviam tê-lo dito na última campanha eleitoral. Por que é que esconderam esta intenção dos portugueses? Esta não é uma questão de pormenor. É uma questão política essencial. Não devia ser decidida nas costas dos cidadãos.
- Depois, é um absurdo:
- É um absurdo que o Parlamento, que tem por missão essencial escrutinar o Governo, decida reduzir o seu grau de escrutínio. Ainda por cima em tempo de crise e quando vai haver muito dinheiro para gastar.
- É um absurdo que a oposição, que tem por obrigação fiscalizar o Governo, decida abdicar de uma das formas mais importantes de fiscalização, fazendo um favor ao Governo.
- Finalmente, o maior absurdo é a explicação.
- Diz-se: é preciso que o PM tenha tempo para trabalhar. Então ir ao Parlamento dar explicações aos deputados e ao país é ir de férias? É estar no recreio? É perder tempo?
- Acrescenta-se: há demasiada gritaria e politiquice nos debates. Ai sim? Então acabem com a gritaria e a politiquice. Também temos muita abstenção nas eleições. Então vão acabar com as eleições?
- Tudo isto é um abuso do PS e do PSD. O que surpreende é que o PCP e o BE não tivessem sido mais firmes a bater o pé ao Governo. O país agradecia!
SONDAGENS
- Três sondagens foram divulgadas esta semana. Três conclusões a tirar:
- Primeira: o Governo está avaliado em alta e o PS no limiar da maioria absoluta (39, 40%). Politicamente falando, a pandemia fez bem ao Governo. Antes, o Governo estava desgastado e sem rumo. Agora, cresceu!
- Segunda: a ideia de que a oposição não faria melhor que o Governo. É um atestado de menoridade à oposição. Com estes resultados e a "orgia" de dinheiro da Europa, se provocarem uma crise só favorecem o PS.
- Terceira: o Chega começa a ser um problema sério para o centro-direita em geral e para o PSD em particular. Está com resultados entre os 5% e os 7% e alimenta-se, no essencial, dos descontentes do PSD e do CDS. Pode vir a ser um entrave sério à governabilidade no centro-direita. Se o PSD ganhar eleições, governa com quem? Com o CDS e o IL? Os três em conjunto provavelmente não geram maioria. Com o Chega? Aí levanta-se um problema sério de credibilidade.
Ou seja: o Chega é, objectivamente, um problema para o PSD e um benefício para o PS.
- Nas Presidenciais, os resultados de Marcelo Rebelo de Sousa são estratosféricos: a esmagadora maioria dos portugueses aprova o seu mandato; as suas intenções de voto variam entre os 65% e os 70%; a proliferação de candidatos pode beneficiá-lo como a proliferação de partidos favorece António Costa.
O ESTADO DA PANDEMIA
- Os 10 piores países do mundo em número total de infetados. Os EUA claramente na liderança, com 4,3 milhões de casos (1/4 do total mundial). Brasil, Índia e Rússia, nos lugares imediatamente a seguir, bem destacados. Só dois países europeus no Top 10 – Espanha e Reino Unido.
- Novos casos na UE/100 mil habitantes nos últimos 14 dias: a situação de Portugal melhorou:
- Éramos na semana passada o terceiro pior da UE. Agora, baixámos para o 6º lugar. Quer porque o número de novos casos em Portugal baixou, quer porque a situação nos outros países europeus se agravou.
- Mesmo assim, ainda estamos longe da média da UEE – 23 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias. Portugal está com 39 casos novos no mesmo período.
- Média diária de novos casos em Portugal – 224 novos casos por dia esta semana. A melhor média das últimas 5 semanas. Ainda não é tempo de embandeirar em arco. Temos que continuar o esforço. Mas a melhoria é de saudar.