Opinião
Marques Mendes: "A remodelação deve ocorrer depois das autárquicas. Julgo, porém, que o PM tem vantagem em antecipá-la"
No seu habitual comentário semanal na SIC Notícias, Marques Mendes analisa o estado da pandemia e a vacinação, entre outros temas. E questiona-se sobre uma remodelação governamental.
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O ESTADO DA PANDEMIA
- O agravamento da situação tem tudo a ver com a variante Delta. O último relatório do ECDC tira conclusões impressionantes:
- Esta variante vai ser dominante na UE dentro de 1 mês;
- Responsável por 70% das infecções já no início de Agosto;
- Responsável por 90% dos novos casos no fim de Agosto.
- Em Portugal, segundo o INSA:
- Variante já dominante em Portugal (56% dos novos casos);
- Reduzida no Norte (30%);
- Muito reduzida na Madeira (13%) e Açores (3%);
- Muito forte em LVT e no Algarve (75%);
- Fortíssima no Centro (80%) e no Alentejo (95%).
- As vacinas protegem contra a Delta? Conclusões de um estudo científico britânico:
- Risco de hospitalização – o risco da variante delta é duas vezes maior que o risco da variante inglesa;
- Eficácia das vacinas contra a doença (Delta) – mais de 80% (com duas doses);
- Eficácia da Pfizer contra hospitalização – 96% (com duas doses);
- Eficácia da AstraZeneca contra hospitalização – 92% (com duas doses).
- Finalmente, uma estratégia correcta de acção precisa de quatro pilares:
- Vacinação completa dos mais velhos( a segunda dose é essencial);
- Vacinação acelerada dos mais jovens( são grandes transmissores)
- Certificado COVID – É um forte incentivo à testagem/vacinação;
- Testes gratuitos. Esta é a grande novidade: ao que apurei, o governo está a estudar a possibilidade de tornar os testes gratuitos ou fortemente comparticipados pelo Estado. Será uma boa medida.
A VACINAÇÃO
- Fez ontem meio ano que se iniciou o processo de vacinação. Que balanço?
- Um balanço positivo. O processo não começou bem (com demasiadas polémicas e excessiva politização) mas é hoje um inegável caso de sucesso.
- Os resultados quantitativos provam-no: 8,3 milhões de doses administradas; 5,3 milhões de pessoas com pelo menos uma dose (51% da população); 3,3 milhões de pessoas com vacinação completa( 32%).
- Vacinação por faixas etárias. Acima dos 60 anos (os grupos de maior risco), a taxa de vacinação é superior a 94%; na faixa entre os 50 e os 59 anos, a taxa de vacinação já atinge os 81%; e na faixa etária dos 40 aos 49 já está mesmo nos 50%. O avanço é indiscutível e o balanço claramente positivo.
- Finalmente, em termos de tipos de vacinas, a Pfizer é preponderante (responsável por cerca de 70% das inoculações), seguida da AstraZeneca (18%). Tudo ao contrário do que se previa no início.
- Decisivo, agora, é o próximo mês de Julho. Até por causa da variante Delta. Como estaremos no fim de Julho? Ao que apurei, os objectivos oficiais são:
- Primeiro: o objectivo global. Chegar ao fim de Julho tendo administrado 11 milhões de doses. Mais 2,7 milhões de doses num só mês. Grande passo.
- Segundo: os objectivos parciais. Administrar em Julho mais 1 milhão de primeiras doses; e mais 1,7 milhões de segundas doses.
- Terceiro: em termos de população. O objectivo é, no final de Julho, ter já 65% dos portugueses vacinados com pelo menos 1 dose.
- Quarto: em termos de faixas etárias, os objectivos são igualmente ousados: ter as faixas entre os 50-59 anos e 40-49 anos vacinadas com valores acima dos 95%; ter a faixa etária dos 30-39 anos com uma taxa de vacinação de 51%; e a faixa etária 20-29 anos já com uma taxa de 25%.
Se estes objectivos se cumprirem, será muito positivo. Os mais idosos estarão com vacinação completa; os mais jovens já numa fase adiantada de vacinação.
RECUPERAÇÃO DA ECONOMIA
- Ultrapassada a pandemia da saúde, precisamos de vencer a pandemia económica. Temos aqui uma grande incerteza e um enorme desafio.
- A incerteza é o turismo. Um sector decisivo. Pesa 10% no PIB nacional e 19% no emprego. As notícias para este ano não são boas. As decisões do Reino Unido e da Alemanha podem contribuir para que 2021 seja novamente um mau ano turístico. Dificilmente se vão concretizar as previsões em alta recentemente feitas pelo BP em relação ao PIB.
- O enorme desafio tem a ver com os fundos europeus. Daqui até ao fim da década, por três vias (PRR; Portugal 20/20; e Portugal 20/30), vamos receber cerca de 62 mil milhões de euros. Nunca recebemos tantos fundos da UE.
- Isto representa, em média, 8,25 mil milhões de euros/ano; 688 milhões de euros mês; 23 milhões de euros/ dia; quase 1 milhão de euros/ hora.
- Vamos receber nos próximos anos, em média, mais do dobro do que até hoje temos recebido (3,5 mil milhões de euros por ano).
- É uma grande oportunidade. Mas é também um desfio com vários riscos:
- O risco do eleitoralismo – o risco de gastar a pensar mais nas próximas eleições que no futuro do País;
- O risco de gastar mal – Sem prioridades certas, sem objectivos correctos e sem indicadores de desempenho e de resultados;
- O risco da fraude e da corrupção – Onde há muito dinheiro há muitas tentações;
- O risco maior de todos, o de chegarmos a 2026 (fim do PRR) e de continuarmos a ser ultrapassados pelos países de leste. Seria uma irresponsabilidade nacional.
REMODELAÇÃO À VISTA?
- Depois da saúde e da economia, a política. Um novo tema "salta" para a agenda política e mediática – a remodelação do Governo. Duas questões essenciais: quando vamos ter remodelação? Como vai ser a remodelação?
A remodelação deve ocorrer depois das autárquicas. Penso ser esse o calendário que está na cabeça do PM. Julgo, porém, que o PM tem vantagem em antecipá-la. Fazê-la já em Julho. Quanto mais cedo, melhor.
- E porquê? Porque a degradação do Governo está a ser muito acelerada. Todas as semanas surgem novos berbicachos – Odemira, festejos do Sporting, nomeações polémicas, descoordenações, a actuação do MAI. Soa a fim de festa! Dois maus exemplos dos últimos dias: há um ano uma magistrada do MP entra para a gabinete da MJ; agora volta ao MP. Esta promiscuidade entre política e justiça só acontece por estarmos em fim de festa. O segundo exemplo, a reação de Portugal face às leis discriminatórias da Hungria. O Governo anunciou uma posição neutral. Um erro. Em questões de princípios e valores, não há neutralidade. Há clareza. Está-se do lado dos princípios, contra os seus violadores.
- Segundo: com tudo isto, as sondagens estão a piorar para o PS. A última já o dava com 34%. Muito abaixo dos 38% e 40% de há poucas semanas. É uma tendência perigosa para o Governo.
- Uma remodelação é vista normalmente como uma espécie de D. Sebastião. Uma solução milagrosa. Na prática, as coisas não se passam assim. Uma remodelação é uma arma de dois gumes. Pode correr bem ou pode correr mal.
- Se o PM for "buscar" para o Governo pessoas com prestígio e políticos com peso, pode fazer uma remodelação forte. Dar um outro fôlego ao Governo. Mas isso não é fácil. O Governo está em fim de ciclo e o PM pode estar de saída em 2023. Nestas ocasiões, pessoas de peso e prestígio tendem a não querer entrar para o Governo.
- Se a remodelação for em circuito fechado ("promovendo" Secretários de Estado a Ministros e Chefes de Gabinete a Secretários de Estado), o PM corre o risco de fazer uma remodelação pífia. Este é o grande desafio do PM nas próximas semanas ou meses.
A SELEÇÃO FORA DO EUROPEU
- Primeiro apontamento: foi uma grande desilusão. Manifestamente não merecíamos perder o jogo de ontem. Justificámos, pelo menos, um empate e uma ida ao prolongamento, face ao que fizemos na segunda parte. Mas as coisas são como são: há 5 anos ganhámos o Europeu com muita sorte; agora acabámos cedo com falta dela.
- Segundo apontamento: em termos de balanço é uma prestação muito mediana. A seleção campeã europeia cair logo nos oitavos de final não é brilhante. Há muitos anos que não sucedia uma saída tão precoce de um campeonato europeu. Claro que o mesmo já sucedeu com outros grandes países! É a vida.
- Terceiro apontamento: tivemos uma seleção à imagem do país – sem ambição e a correr atrás do prejuízo.
- Sem ambição, em primeiro lugar. Foi o que sucedeu em vários jogos e na primeira parte do jogo de ontem. Não jogamos com ambição, exigência e arrojo. Não jogamos para liderar. Jogamos para controlar, fazendo os serviços mínimos. É como o país, na política ou na economia. Não há hoje ambição em Portugal. Nivelamos tudo por baixo. Exemplo: se crescemos umas décimas acima da UE fazemos uma festa. E, todavia, os países de leste crescem todos mais do que nós. Falta-nos ambição.
- Em segundo lugar, quem não tem ambição e não lidera anda sempre a correr atrás do prejuízo. Foi o que sucedeu na segunda parte do jogo de ontem. Foi o que sucedeu noutros jogos. É o que sucede também no país. Andamos sempre a tapar buracos, a corrigir, a tentar recuperar. E quando assim é, corre-se o risco de perder.
- Se aprendermos a lição para o próximo Mundial já não é mau. Precisamos de ambição.