Opinião
Marques Mendes: "Nuno Rebelo de Sousa, com este silêncio, está também a prejudicar o pai"
No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o recorde de população em Portugal, o combate à corrupção, o caso das gémeas e as escutas da TAP, entre outros temas.
PORTUGAL COM RECORDE DE POPULAÇÃO
- Não é todos os anos que se tem uma informação tão estruturante quanto esta: Portugal bateu o ano passado um recorde em termos de população. Somos hoje 10.639. 726 pessoas. O valor mais alto desde 1900, há precisamente 123 anos. É uma excelente notícia. Um país a ganhar população é um país que tem melhores condições para crescer.
- Para este sucesso teve uma contribuição decisiva a imigração. O saldo migratório em 2023 foi altamente favorável. Ou seja, a diferença entre os que saíram e os que entraram em Portugal foi muito positiva (mais 156 mil pessoas residentes em Portugal).
- Não fora este saldo migratório positivo e estaríamos a perder população. É que o saldo natural – ou seja, a diferença entre nascimentos e óbitos – voltou a ser negativo (- 32 mil residentes).
- O único senão é que, apesar deste crescimento, a imigração não foi ainda suficiente para travar o envelhecimento da população: a percentagem de população com mais de 65 anos voltou a aumentar (24,1%). Mas sem imigração teria aumentado mais.
- Este dado histórico volta a reforçar a importância de uma política de imigração. Não me canso de o repetir: uma política inteligente de imigração é tão importante para o nosso futuro quanto uma politica de finanças públicas saudáveis. Doutra forma, não perdemos apenas população. Perdemos vitalidade, energia e economia.
COMBATE À CORRUPÇÃO
- Este "pacote", tem, em termos de orientações, dois aspetos positivos:
- Primeiro, corresponde a uma prioridade política corretíssima. A corrupção mina a democracia e mina a economia. E a perceção, nas pessoas e empresas, é que a corrupção está a aumentar.
- Segundo, tem uma filosofia correta. O mais importante não é começar tudo de novo e fazer novas leis por tudo e por nada. Algumas leis até podem precisar de revisão, mas o essencial é aplicá-las bem e dar meios às instituições para as aplicarem.
- Na especialidade, destaco quatro orientações muito meritórias:
- A regulamentação do lóbi, eternamente adiada;
- A revisão do regime da instrução para ganhar maior celeridade;
- A revisão do regime de recursos para acabar com abusos;
- A identificação de quem intervém na produção de diplomas (pegada legislativa), para assegurar maior transparência.
- Finalmente, algumas dúvidas que também parecem pertinentes:
- O confisco de bens sem uma prévia condenação é uma medida correta e constitucional? Ou é antes um exercício de populismo?
- Não será que falta aqui um plano de combate à burocracia, que é uma das maiores fontes de corrupção? Com a burocracia criam-se dificuldades para, a seguir, se venderem facilidades.
- Esta agenda diz querer proteger o Estado. Muito bem. E quem protege o cidadão face ao Estado? Um exemplo: o funcionamento do Fundo Ambiental. Há 8 meses, desde outubro de 2023, que cerca de 80 mil pessoas estão à espera da avaliação das candidaturas que apresentaram para instalação de painéis solares. Quem defende o cidadão de arbitrariedades destas?
O CASO DAS GÉMEAS
- Os principais protagonistas desta história não contam a verdade toda. Ou se refugiam no silêncio ou em meias-verdades. Fazem mal. Se contassem a verdade, mesmo havendo falhas, os portugueses compreenderiam melhor. Este é um caso humano e não de corrupção.
- É o caso de Nuno Rebelo de Sousa: ele aproveitou-se do facto de ser filho do PR para exercer uma influência indevida. Passados estes meses, o seu comportamento é ainda mais censurável. Afinal, ele recusa-se a dar uma explicação pública e até chegou a recusar-se a ir à CPI. Uma completa desfaçatez. Uma pessoa de caráter dá a cara, explica a situação e assume responsabilidades.
- Mais grave ainda é que Nuno Rebelo de Sousa, com este silêncio, está também a prejudicar o pai, que é PR. Primeiro, prejudica-o politicamente, porque este caso gera desgaste. Depois, afeta-o pessoalmente. Marcelo Rebelo de Sousa é uma pessoa de família. Ser obrigado a cortar relações com o filho é uma violência. O filho não tinha o direito de colocar o Pai, que é PR, nesta situação.
- Quanto a Lacerda Sales, o princípio é o mesmo: devia dar uma explicação completa. Não se devia refugiar na condição de arguido. Quem exerceu funções políticas tem um dever reforçado de prestar contas aos portugueses. Mesmo antes de as prestar à Justiça.
- Terceiro, a mãe das crianças. O seu depoimento na CPI enferma de contradições, é verdade. Mas ela não é uma criminosa. Ao invés do que insinuaram alguns deputados. Ela fez aquilo que qualquer mãe faria para salvar as crianças. Pode não ser totalmente correto, mas é humano. Este caso não é só política e justiça. Há um bem maior que foi assegurado: salvaram-se duas crianças e não se prejudicou ninguém.
AS ESCUTAS DA TAP
- Aos olhos de alguns portugueses este caso parece igual a tantos outros: afinal, violações do segredo de justiça há a torto e a direito. O problema é que este caso é diferente dos outros e é bem mais grave.
- Em democracia escutas sem relevância criminal são proibidas. Por isso, quando sucedem, devem ser destruídas. E estas nem têm relevância criminal, nem foram destruídas.
- Não tendo sido destruídas, deviam ao menos ter sido guardadas "a sete chaves" para não haver risco de divulgação. O problema é que não só não foram destruídas como foram divulgadas.
- Tudo isto já foi dito, e bem. O que falta dizer são três outras coisas:
- A primeira, é o inacreditável silêncio do poder político. Até hoje nenhum órgão de soberania tomou posição sobre o assunto. Nem o PR, nem a AR, nem o Governo. O que revela medo. Medo do MP. Isto é assustador em termos democráticos. Assim, a democracia fica doente.
- A segunda, é a omissão do Parlamento. Por que é que os partidos não chamam a PGR ao Parlamento para dar explicações? Não é dar explicações em relação a uma investigação em concreto. Isso seria inadmissível. É dar explicações sobre um comportamento indevido e grave. Os deputados estão a falhar na sua missão.
- A partir de agora a suspeita está instalada: este caso é único ou há outros semelhantes? A PGR tem o dever de dar uma explicação. O 25 de Abril fez-se justamente para acabar com estes comportamentos e com estas suspeitas. Não digo isto para defender os políticos. Digo isto para combater os abusos.
LISTAS DE ESPERA NO SNS
- O Governo tem aprovado sucessivos pacotes de medidas. Mas depois ninguém pergunta por resultados. E, todavia, é preciso escrutinar. É o que fazemos hoje, na área da saúde. Há um mês, o Governo lançou o programa de emergência na Saúde, virado, em especial, para recuperar listas de espera de cirurgia nos hospitais. Um mês volvido, importa saber como estamos. O plano saiu ou não do papel? Qual é o balanço, ao fim de um mês de vigência do plano?
- Eis os dados que requeri e me foram facultados pelo Ministério da Saúde:
- Cirurgias a doentes oncológicos: o objetivo era realizar em três meses 9 mil cirurgias. O balanço em 14 de junho é o seguinte: 5.646 mil cirurgias já realizadas (60% do total); sendo que 98,8% foram efetuadas no SNS, 0,8% no setor privado e 0,4% no setor social.
- Outras cirurgias, não oncológicas, de cidadãos em listas de espera: o objetivo era realizar 75 mil cirurgias até final do ano. O balanço em 14 de junho é o seguinte: 13.100 cirurgias já realizadas (17% do total); sendo que 85% foram efetuadas no SNS, 12% no setor privado e 3% no setor social.
- Estes dados parecem auspiciosas. Em especial, nas cirurgias mais urgentes de todas: as que respeitam a doentes oncológicos. É importante continuar a acompanhar e a escrutinar. Afinal, o escrutínio funciona de incentivo ao cumprimento das promessas feitas.
COSTA NA EUROPA?
- Sucedeu o que se previa: que o Conselho informal do início da semana nada iria resolver e que a decisão final devia ser tomada no próximo fim de semana. É o que vai suceder. Haverá acordo, em princípio, no fim da semana que agora começa. Uma coisa, entretanto, parece certa: os nomes falados vão ser seguramente os nomes aprovados. Ursula Von der Leyen será proposta para novo mandato à frente do CE; António Costa será escolhido para o CE; Kaja Kallas será a Chefe da Diplomacia da UE; Roberta Metsola será eleita Presidente do PE.
- Quanto a António Costa, a escolha parece pacífica: a sua potencial adversária nesta corrida desistiu; ninguém questionou o seu nome; e algumas questões colocadas pelo PPE, como a questão divisão do mandato, são apenas formas de pressionar os socialistas europeus para se empenharem na eleição de Ursula Von der Leyen.
- É que o "berbicacho" que pode existir é mesmo com a eleição de Von Der Leyen para presidente da Comissão. Primeiro, porque a maioria para a eleger no PE é escassa (há uma folga de apenas 40 votos); segundo, porque há cinco anos ela só foi eleita por uma margem mínima (só nove votos de diferença); terceiro, porque o voto é secreto e a alemã tem hoje vários anticorpos políticos.
- A agravar o problema, os Tratados indicam que, se Von Der Leyen não passar na votação do PE, é obrigatório escolher outro candidato. Não se pode insistir na mesma pessoa. A bem da Europa, seria melhor evitar o "berbicacho" de um chumbo.