Opinião
"Lucros estratoesféricos são bons para as contas mas maus para a reputação" dos bancos
No seu espaço habitual de comentário na SIC, Luís Marques Mendes fala desta semana do impasse na negociação entre médicos e Governo, dos lucros dos bancos, de dados económicos, mas também da TAP e da guerra no Médio Oriente.
O DESACORDO COM OS MÉDICOS
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Apesar das dificuldades, acredito que vai haver acordo entre Governo e sindicatos dos médicos. Porque esse acordo é absolutamente essencial: quer no imediato, quer também no médio e longo prazo.
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No imediato, porque é preciso resolver o caos que começa a instalar-se nas urgências hospitalares e devolver tranquilidade aos utentes e aos hospitais;
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No médio e longo prazo, porque sem esse acordo não se resolve o problema da atratividade da carreira médica. Logo, os médicos saem do SNS. A caminho do estrangeiro ou do setor privado.
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Além de essencial, um acordo que revalorize a carreira médica é mais do que justo:
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Primeiro, porque os médicos foram, a par dos investigadores, os profissionais que mais poder salarial perderam na última década;
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Segundo, porque os médicos portugueses ganham, em média, três a quatro vezes menos que os seus colegas dos países mais desenvolvidos da Europa.
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Terceiro, porque importa sempre recordar: os médicos portugueses têm uma enorme qualidade. São dos melhores. Os problemas sérios que existem no SNS não têm a ver com a falta de qualidade dos médicos. Têm a ver, sim, com a dificuldade em chegar até eles.
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Finalmente, há quem diga que um acordo não chega para resolver os problemas do SNS. Em parte, é verdade. Mas sem acordo os problemas não só não se resolvem como se agravam. Um acordo não é suficiente, mas é absolutamente necessário.
OS LUCROS DOS BANCOS
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A generalidade dos Bancos apresentou grandes lucros relativos aos três trimestres de 2023, se compararmos com o mesmo período de 2022. Nalguns casos, lucros estratosféricos. A razão principal, embora não seja a única, é a política do BCE: juros mais altos ajudam ao crescimento dos lucros dos Bancos.
Se fosse só isto, não haveria qualquer motivo de reparo. Na economia de mercado em que vivemos, os lucros das empresas são bem-vindos. E, no caso dos Bancos, é melhor terem lucros que prejuízos.
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O problema está no outro lado da realidade: os juros dos depósitos a prazo dos particulares. Aqui, a responsabilidade dos Bancos é grande e Portugal continua mal cotado:
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Ainda hoje somos o 5º país da Zona Euro com juros mais baixos.
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A média dos juros dos depósitos em Portugal, apesar de ter melhorado um pouco, está nos 2,29%, enquanto a média da Zona Euro está nos 3%.
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É certo que há Bancos entre nós que já "oferecem" juros acima dos 4%. Mas são ainda casos relativamente isolados.
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Assim, não admira que os lucros dos Bancos atinjam valores estratosféricos. Durante todo este tempo a banca tem vindo a ter o melhor de três mundos: beneficia de altas taxas de juro nos empréstimos que faz; cobra muitas comissões; e usufrui das vantagens de pagar juros baixos nos depósitos aos particulares. Isto é bom para as contas dos bancos. Mas é mau para a sua imagem e reputação.
BONS E MAUS SINAIS NA ECONOMIA
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Do lado da economia tivemos esta semana boas e más notícias. As boas notícias respeitam à inflação: abrandou bastante no mês de setembro. Está nos 2,1%. Abaixo dos 2,9%, que é neste momento o valor médio da inflação na Zona Euro. Bons sinais, a prazo, para as famílias portuguesas: redução do custo de vida.
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As más notícias são do lado do PIB e das exportações.
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No PIB, comparando o PIB do 1º trimestre de 2023 com o período homólogo de 2022, estamos com resultado positivo e até dos melhores da UE até ao momento (1,9%). Apesar de ser um valor muito baixo.
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Só que, se compararmos o 3º trimestre deste ano com o 3º trimestre de 2022, tivemos uma contração do PIB e não um crescimento (0,2%). Mais um trimestre negativo e entramos em recessão. Não é um bom sinal.
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No domínio das exportações, os sinais também suscitam preocupação: estamos a exportar menos para Espanha (-7,3%), menos para a Alemanha (-5,7%), menos para o Reino Unido (-21,5%) e menos para os Países Baixos (-17). Isto significa que as nossas empresas exportadoras têm menos encomendas. Não é uma boa notícia.
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Nada disto surpreende: afinal, a Europa está em estagnação e alguns países, como a Alemanha, estão mesmo em recessão. O que surpreende é a mudança de discurso do Governo. Há um ano estava eufórico com o facto de as exportações atingirem um peso de 50% no PIB. Reafirmava, e bem, que o mercado externo era o caminho. Agora, fez um ziguezague. Passou a virar o discurso para o mercado interno. Esta política de ziguezagues é o ADN do governo. Mas não é boa para ninguém.
O DEBATE DO ORÇAMENTO
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Num debate pobre, há três destaques: um erro do PM; uma provocação ao PR; e uma discussão estéril em torno de Passos Coelho, Sócrates e Guterres.
O erro do PM foi a respeito da TAP. Já vi António Costa ter vários ziguezagues sobre a TAP. Mas nunca imaginei ver o PM a dizer que o que menos conta na privatização da TAP é o seu valor. Isto não é só um disparate. É um erro. Objetivamente, o PM está a desvalorizar a Companhia. É compreensível que diga que o critério fundamental da decisão é a defesa do Hub em Lisboa. Mas não mais do que isso. Tudo o mais é desvalorizar a empresa. Ainda por cima quando ela está a dar lucros.
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O segundo destaque foi a provocação ao PR. Colocar João Galamba a encerrar o debate é isso mesmo: é provocar o PR, que chegou a pedir a saída de Galamba do Governo. O PM tem todo o direito a fazê-lo. Mas é um exercício de baixa política. A questão séria é esta: o que é que o país ganha com mais uma guerrilha entre o PM e o PR? Absolutamente nada. Um pouco mais de sentido de Estado era recomendável.
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O terceiro destaque tem a ver com Passos Coelho, Sócrates e Guterres. O que mais vimos neste debate foi o Governo a provocar Passos Coelho. Parece que está com medo do seu eventual regresso. E a oposição a responder com Sócrates e Guterres. Ou seja: passou-se mais tempo a discutir o passado que o futuro. Isto faz algum sentido? Não, não faz qualquer sentido. É um sinal de decadência política. De prioridades invertidas.
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Na semana em que o Eurostat divulgou que os portugueses têm os sextos piores rendimentos da UE – um péssimo resultado – o Parlamento português, em vez de discutir a sério como se põe o país a crescer; como se melhoram os rendimentos das pessoas; e como se reformam os serviços públicos, põe-se a fazer chicana política. Não admira que depois os cidadãos se sintam desencantados com a política.
NOVO AEROPORTO: SOLUÇÃO À VISTA?
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Este é o mês em que a Comissão Técnica Independente apresenta o seu relatório sobre a localização do novo Aeroporto. Será na última semana do mês. Espero que tudo corra bem. Suspeito, porém, que muita coisa possa correr mal. Primeiro, porque nesta questão há muitos lobbies e interesses instalados. Quase ninguém é inocente neste debate. Depois, porque as polémicas e as faltas de senso foram mais do que muitas.
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Vejamos as principais:
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Primeiro: a Presidente da CPI, ainda antes da criação desta Comissão, defendeu a solução Alcochete. Pode ser uma pessoa muito isenta, mas o conflito de interesses parece óbvio: à mulher de César não chega ser séria. É preciso parecê-lo.
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Segundo: dois membros da Comissão saíram a meio do mandato, de modo nunca esclarecido. Um deles em alegado conflito com a Presidente da CPI.
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Terceiro: a Comissão celebrou recentemente um contrato de 200 mil euros com uma empresa em que é acionista uma vogal da própria Comissão. Não falo de ilegalidade ou imoralidade. Falo apenas da gritante falta de senso. Ninguém na Comissão consegue ver o óbvio?
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Quarto: ao longo de meses foram celebrados contratos com especialistas que já antes tinham advogado a solução Alcochete. Pode estar tudo formalmente certo. Mas torna-se tudo muito suspeito.
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Quinto: durante muito tempo, os contratos celebrados não foram divulgados, nem sequer no site da Comissão. Foi preciso a denúncia de uma televisão para que a opacidade acabasse. Não é brilhante.
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Tudo isto revela uma enorme falta de senso. Esperemos, apesar de tudo, que o processo final corra bem. O País precisa de uma solução.
A GUERRA NO MÉDIO ORIENTE
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Uma constatação assustadora: a brutalidade desta guerra se comparada com a guerra da Ucrânia. Segundo a ONU, a guerra da Ucrânia vitimou cerca de 9.700 civis em quase dois anos; a guerra no Médio Oriente, em menos de um mês, já vitimou 10.000 civis. E ainda está a começar a fase mais complexa desta guerra.
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Uma constatação preocupante. No espaço de um mês, mudou a perceção da opinião pública internacional. Há cerca de um mês, quando ocorreu o atentado terrorista, o mundo estava chocado com o Hamas e solidário com Israel. Quase um mês depois, quase tudo mudou. Parece que Israel é o agressor e não o agredido. O que mostra que o tempo joga contra Israel. Quanto mais se agrava a crise humanitária e a morte de civis mais se vai reduzindo a superioridade moral que Israel tinha no início da guerra. E á medida que não haja resgate de reféns, os próprios Israelitas vão-se virar contra Netanyahu.
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A única constatação que gera alguma esperança: o papel moderador dos EUA. Em circunstâncias normais, dada a tradicional aliança entre os EUA e Israel, já teríamos um leque variado de manifestações antiamericanas, um pouco por todo o mundo. Isso não está a suceder dada a posição moderada dos EUA. Que tentam evitar a regionalização do conflito; que fazem pontes com o mundo árabe; que pedem pausas humanitárias; e que começam a dar sinais de algum incómodo com o exagero da resposta israelita. Num tempo em que a ONU não existe, os EUA são a única réstia de esperança.
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A questão de fundo: este conflito só tem uma saída. Uma saída política. A Cimeira de ontem em Amã teve esse objetivo: pensar no Day After, o pós queda do Hamas. Mas uma solução política é ainda muito difícil. O radicalismo está a "matar" a moderação. O radicalismo do Hamas, do Hezbollah e, noutro plano, do próprio Netanyahu. Tão cedo não se vê luz ao fundo do túnel. Restam para já duas prioridades: evitar um conflito regional, o que seria ainda mais grave; e diminuir a catástrofe humanitária em Gaza.