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Luís Marques Mendes 14 de Abril de 2024 às 21:25

Caso IRS: "Um dano sério na reputação e credibilidade do Governo"

No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes analisa a recente polémica em torno do prometido "choque fiscal" do novo Governo e a controvérsia envolvendo o antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.

INVESTIDURA DO GOVERNO

 

  1. O debate parlamentar desta semana foi um passeio tranquilo para Luís Montenegro. Mais tranquilo do que até se imaginava. Tudo porque o novo PM voltou a surpreender, desta vez com vários anúncios. Na linha do que António Costa costumava fazer nos debates parlamentares. As surpresas são sobretudo duas:
  • Primeiro, Luís Montenegro surpreendeu porque teve a iniciativa política. Fez nove anúncios de decisões. Apresentou um calendário de ação para as próximas semanas e meses. Ora, em política, quem surpreende marca pontos. Os portugueses, mais do que luta política ou politiquice, querem ação concreta: medidas, decisões e resultados.
  • Segundo, o novo PM surpreendeu com o anúncio, à cabeça, de um alívio fiscal em sede de IRS. Claro que era uma promessa eleitoral da AD. Mas esperava-se que fosse aplicada apenas em 2025. Não se esperava que fosse tomada já em 2024. Muito menos que fosse a primeira medida do Governo. Esta surpresa marcou o debate.

 

  1. Quanto ao debate em si, há duas conclusões a tirar: a primeira, é que o PS quer derrubar o governo, só não sabe é quando. Pode ser no OE para 2025 ou no OE para 2026: vai depender das sondagens. A segunda, é que o governo quer reforçar rapidamente a sua popularidade, para poder ganhar as europeias e para chegar em alta ao debate do OE em novembro. Daí os anúncios feitos. Objetivo: ter resultados imediatos.

 

  1. Em qualquer caso, há duas áreas muito delicadas para o Governo:
  • Primeiro, a habitação. É o maior calcanhar de Aquiles. Até porque não é fácil ter resultados no curto prazo. Ou o Governo gera expectativas positivas com as medidas que toma, ou pode vir a ter mais tarde séria contestação popular.
  • Segundo, a saúde. Foi um dos maiores desastres do Governo anterior. Mas, agora, tudo mudou: ou o novo Governo é muito concreto no Programa de Emergência que vai aprovar, ou as expectativas viram-se contra si. É preciso apresentar resultados.

 

 

O ALÍVIO NO IRS

 

  1. Tivemos o primeiro caso ou casinho da era Montenegro. O Governo não esteve bem. Claro que não mentiu. Mas também não foi claro. Criou e alimentou a ambiguidade. Vejamos: o PM, no seu discurso, fala em alívio fiscal total de 1,5 MM face a 2023. Ora, se o alívio fiscal é face a 2023, tinha de incluir os 1,3 MM decididos pelo Governo PS. Se se tratasse de somar 1,5 MM ao valor anterior, o país já não teria excedente. Voltaria a ter défice. E isso não podia suceder. Mentira não houve, pois.

 

  1. Mas, se o Governo não mentiu, também é verdade que criou ambiguidade e não corrigiu a ambiguidade:
  • O PM falou em 1,5 MM face a 2023. Em bom rigor, devia ter falado em mais 200 milhões, a somar aos 1,3 MM do Governo PS.
  • Mais tarde falou o MF. E a versão não se alterou.
  • Assim, toda a gente ficou com a ideia de que o alívio fiscal era de 1,5 MM, a somar aos 1,3 MM anteriores. Os Portugueses não são economistas nem andam com o OE debaixo do braço. Vão pela impressão que se gera.
  • A própria manchete do Expresso dizia isso mesmo: que havia duplicação do alívio fiscal. E ninguém desmentiu o Expresso.
  • Conclusão: tudo isto representa um dano sério na reputação e credibilidade do governo. Houve muito amadorismo. Não é dramático. Mas não é brilhante.

 

  1. Se a responsabilidade maior é do governo, a oposição também não se saiu nada bem. A IL é a exceção. Foi a única que percebeu a ambiguidade do discurso e a denunciou. Através do deputado Bernardo Blanco. Já o PS não foi capaz de se aperceber da situação. Em dois dias de debate não foi capaz de perceber e desmontar a ambiguidade governamental. Não é edificante para a credibilidade do maior partido da oposição.
  2. Resta a boa noticia: o alívio fiscal será maior do que se esperava e a classe média vai ser a maior beneficiada com a nova redução do IRS. Primeiro, porque as maiores reduções vão ocorrer no 5º escalão (a partir de 21 mil euros) e no 6º escalão (a partir de 27 mil euros). Depois, porque esta nova redução fiscal vai chegar aos cerca de 300 milhões de Euros. Acima dos falados 200 milhões.

 

 

REFORMADOS FORA DO DEBATE

 

  1. Desta vez, os reformados não fizeram parte dos anúncios do PM. Ficará para mais tarde. Mas é matéria muito sensível e importante. E há dados relevantes a ter em atenção. Na Segurança Social e na CGA.

 

  1. Vejamos, por partes:
  2. Segurança Social: segundo um estudo da comissão encarregue de estudar a reforma da Segurança Social, há uma incongruência na lei. Assim, entre 2008 e 2023, as pensões médias da Segurança Social (com valores entre 961€ e 2.883€) tiveram uma perda de poder de compra. Cerca de 500 mil reformados com pensões médias tiveram uma perda acumulada de 11%. Tudo porque a atualização com base na inflação nestas pensões só ocorre nos anos em que o PIB cresce acima de 2%. Ao contrário do que sucede nas pensões mais baixas.

 

  1. Pensões da CGA (funcionários públicos):
  • Os funcionários públicos cada vez se reformam mais tarde. A idade média de reforma passou de 65 para os 66 anos em 2023.
  • O número de pensionistas da CGA tem vindo a crescer: mais 3,5% desde 2018. Atingiu os 487 mil no ano passado.
  • A maioria dos pensionistas da CGA tem pensões até 2 mil euros. Mais em concreto: 71% tem reformas até 2 mil euros; 42% tem reformas até mil euros.

 

  1. Finalmente, um apelo ao Governo: atualização das pensões. Segundo a lei atual, quem se reforma num determinado ano não tem atualização no ano seguinte. Um exemplo: quem se reforme em janeiro de 2024 só tem atualização em janeiro de 2026. Isto é uma injustiça gritante. Já fiz vários apelos ao Governo anterior. Faço apelo agora ao atual Governo. Espero que se faça justiça.

COSTA SAI DO STJ

 

  1. O processo de investigação ao ex-PM António Costa saiu do STJ e passou para o DCIAP. Aparentemente faz sentido: António Costa deixou de ser PM e passou a ser um cidadão como qualquer outro. Mesmo assim, os juristas dividem-se.

 

  1. Em qualquer caso, o que importa aqui e agora não é a dimensão jurídica da questão. É antes a perceção da opinião pública. E, neste plano, a imagem que passa do MP para a opinião pública é completamente desastrosa.
  • Primeiro, ninguém percebe que, num caso desta delicadeza, o MP não dê uma explicação. Não se pede que viole o que é segredo de justiça. Mas pede-se que explique: por que é que o comunicado de 7 de Novembro teve de ser feito; por que é que, passados cinco meses, António Costa não foi sequer interrogado; por que é que, passado todo este tempo, nada de relevante aconteceu.
  • Segundo, não havendo qualquer explicação, a sensação que fica é que o caso não tem qualquer relevância e, por isso mesmo, o MP anda a "empatar" jogo. Isto pode ser certo ou errado, mas é a perceção da opinião pública. E o MP, não dando uma explicação, é o único responsável pela consolidação desta imagem.
  • Finalmente, a justiça em geral e o MP em particular continuam a comunicar como no século XIX. E nós já estamos no século XXI. Esta incapacidade de perceber que o mundo mudou é assustadora. Claro que as decisões da justiça não têm de ser legitimadas pelo povo. Mas têm de ser percebidas pelo povo. Não sendo percebidas, agrava-se a perda de credibilidade da justiça.

 

 

POLÉMICA COM PASSOS COELHO

 

  1. Esta polémica prova duas coisas: a primeira é que a sociedade portuguesa está muito radicalizada, à esquerda e à direita; segundo é que é preciso mais equilíbrio e moderação. O radicalismo não conduz a nada de útil e saudável.

 

  1. Posto isto, vamos aos aspetos principais da polémica:
  • Primeiro, o livro. Foi um dos livros que recomendei há várias semanas. E recomendei porque concordo com tudo o que lá se escreve? Não, de todo. Em especial não concordo com algumas ideias de menorização das mulheres. Mas, 50 anos depois do 25 de Abril, todas as opiniões merecem ter palco. As que merecem o nosso acordo. E as que merecem a nossa rejeição. Esta é a grande virtude da democracia: não haver polícias do pensamento.
  • Segundo, o discurso de Passos Coelho. Pode-se concordar ou discordar, mas há duas questões a considerar: primeiro, ele tem todo o direito a emitir as suas opiniões; segundo, como disse Francisco Assis, Passos Coelho não é um homem de extrema-direita, como algumas vezes se insinua.
  • Finalmente, a oportunidade do discurso. Toda a gente sabe que Passos Coelho tem, em relação ao Chega, uma opinião diferente da de Luís Montenegro. Ele tem direito a tê-la e a exprimi-la. O que é questionável é fazê-lo agora, quando o Governo acaba de tomar posse, quando está sob pressão e quando tem um caminho muito estreito pela frente. Isso, sim, é questionável. Primeiro, porque gera um ruído que é mau para Montenegro; segundo, porque dá palco ao Chega, o que também não favorece o PM.

 

 

ATAQUE DO IRÃO A ISRAEL

 

  1. Para já, este ataque não teve consequências de maior: os 170 drones e os 150 mísseis lançados pelo Irão foram quase todos intercetados por Israel, com apoio dos EUA. Apenas 7 atingiram uma base aérea de Israel, sem causar mortos e fazendo apenas um ferido. Mas, atenção, é uma crise grave. Pode ter desenvolvimentos no futuro. Nada de desvalorizar.

 

  1. Vejamos os dados principais:
  • Israel atacou a Embaixada do Irão na Síria, onde estaria a decorrer uma reunião entre responsáveis dos serviços de informação do Irão e militantes da Jihad Islâmica Palestiniana. O Irão, invocando o direito de defesa, atacou Israel na noite passada.
  • O facto de o ataque com drones e mísseis não ter tido consequências de monta, vem demonstrar a grande capacidade de defesa israelita, com apoio expresso dos EUA.
  • Grande parte da comunidade internacional, com o Ocidente á cabeça, condenou de forma inequívoca o ataque. Incluindo Portugal. A exceção foi Espanha, que agiu a dois tempos: ontem, limitou-se a mostrar preocupação; só esta manhã condenou o ataque.
  • O foco agora é evitar a escalada do conflito, num contexto regional já extremamente grave e preocupante. O pior que podia sucedeu era avançarmos para um conflito regional.

 

  1. Quanto a Portugal:
  • O país está a preparar-se para a necessidade de evacuação dos cerca de 40 mil cidadãos portugueses residentes em Israel (na sua larga maioria com dupla nacionalidade, pela via sefardita).
  • E mantém-se alinhado com os seus aliados da NATO e com os seus parceiros da UE na monitorização e condenação do conflito.

 

 

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